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As Associações e o ensino-aprendizagem da LP

CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES

2.1. ASSOCIAÇÕES: FUNCIONAMENTO E FINALIDADES

2.1.3. As Associações e o ensino-aprendizagem da LP

O desejo dos encarregados de educação de ensinar a língua aos filhos contribuiu para o desenvolvimento das Associações (Cordeiro, 1989, p.27). Quando se deu o reagrupamento familiar espontâneo ou oficial, na década de 70, os emigrantes sentiram a necessidade de ensinar a língua aos seus filhos, na esperança de voltar um dia a Portugal (Tomé & Carreira, 1994). O grande objectivo era facilitar uma eventual reinserção dos filhos em Portugal sem grandes traumatismos linguísticos. Por essa razão, a língua sempre foi uma das preocupações nos espíritos de cada grupo, comunidade ou Associação. Em muitos dos casos, não ultrapassou a simples

preocupação por falta de conhecimentos, de boas informações e apoios oficiais. As primeiras Associações souberam encontrar as soluções mais adaptadas às circunstâncias e às suas necessidades. Durante a primeira fase do movimento associativo, o problema do ensino mobilizou centenas e centenas de pais entre 1967 e 1974 (Tomé & Carreira, 1994). Uma importante mobilização conduziu os pais a criar cursos de LP com professores que residiam em França e que possuíam um bom conhecimento da realidade emigrante visto também serem emigrantes. Esse trabalho foi desenvolvido em colaboração com as Associações locais existentes. A realidade levou os pais a se preocupar com o trabalho de implementar o ensino do Português, uma vez que em muitos casos, eles próprios pagavam os professores directamente através das suas Associações.

As primeiras comunidades e Associações que se organizaram, preocuparam-se, desde o início, com a criação das aulas de português para os filhos de emigrantes. Foi assim que surgiram, nos anos 60, as primeiras escolas particulares em Clermont- Ferrand, Champigny, Saint-Maur, Lyon, e outras. Para isso tiveram de procurar locais, contratar professores e implementar os exames em França. Para ver esses exames reconhecidos e validados em Portugal as comunidades e Associações tiveram de militar para que as autoridades portuguesas reconhecessem os diplomas e os aceitassem como equivalentes aos que estavam em vigor em Portugal.

Perante essa reivindicação implícita o governo português estabeleceu protocolos oficiais com o governo francês que permitiu a criação de turmas de português paralelas e integradas nas escolas primárias francesas e ao mesmo tempo (ELCO), a possibilidade de escolha da língua materna (LM) como língua viva I, II, III no segundo, terceiro ciclos e secundário.

As aulas em paralelo são aulas de português acompanhadas do ensino da geografia e história portuguesas e leccionadas por professores portugueses do 1º ciclo, com uma carga horária de 3 ou 4 horas por semana, nas instalações das escolas francesas. Esses professores de 1.º ciclo são pagos pelo governo português. São os chamados “cours parallèles”, têm essa dominação por se tratar de aulas depois das aulas do currículo francês. As aulas integradas têm as mesmas características, mas o horário semanal é integrado no currículo francês. Os professores que leccionam as aulas integradas têm o direito de fazer parte das equipas pedagógicas francesas. Estas aulas fazem parte do ELCO. As crianças que optavam pelo português como langue vivante (LV)19 no “Collège” francês, em 6ème e 5ème (5.º e 6.º anos) tinham direito a equivalências em Portugal. Esses professores eram pagos pelo governo francês. O

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Langue vivante (LV1, 2, 3) ou Ensino de Língua Viva Estrangeira (ELVE) são equivalentes e designam o ensino da LP como língua estrangeira (LE).

português como LV não funciona em todos os “collèges/lycés” (Ministère de l’Éducation Nationale). A oferta é escassa e muito dos pais reivindicam a leccionação como LM, no seio da Associação. Essa inciativa originou o início da polémica. Esses alunos que frequentam as aulas em contexto associativo obedecem ao regime de exames especiais chamados exames “Ad Hoc” realizados nas embaixadas de Portugal em França. Para esses exames os lusodescendentes devem-se preparar em português, história e geografia. O sucesso nesse exame, do 9.º ou 11.º, permite obtenção de um diploma ao qual será necessário, para obtenção da equivalência em Portugal, das disciplinas estudadas durante a escolaridade francesa.

O número de inscritos varia de Associação para Associação, registam-se Associações com 20, outras com 100, 200 e até 500 lusodescendentes (Associação Cap Magellan). Este ensino é, infelizmente, pago pelos próprios pais porque o ensino oficial francês não cobre a totalidade das necessidades. Por essas razões muitas das aulas são catalogadas de “autêntico mercado negro” do ensino. Em 1977 foi criada a Coordenação Geral do Ensino do Português de França (CGE) com o objectivo de coordenar todos os esforços oficiais e associativos e implementar o ensino da LM nos estabelecimentos escolares franceses e na vida associativa. Infelizmente, a Coordenação não respondeu ou não pôde responder a todos os pedidos que as Associações solicitaram. Para toda a população escolar portuguesa, todos os níveis confundidos, só um terço dos alunos pôde beneficiar do ensino do português (CGE). Portanto, dois terços dos lusodescendentes não puderam aprender a LM, apesar de todos os esforços do movimento associativo. A partir daí notou-se uma forte desmobilização dos pais comparando com a anterior. Essa desmobilização explica-se pelas dificuldades encontradas da parte das autoridades francesas em quererem implementar a LP nos estabelecimentos, preferindo outras línguas, e assim não dando as informações correctas aos quais os lusodescendentes teriam direito e pela passividade das autoridades portuguesas. Existiram várias razões que explicaram a baixa de entusiasmo na luta dos pais para ao desenvolvimento da LP: os protocolos franco-português de 1977 que deveriam ter facilitado a abertura das aulas de português nos “collèges” (2.º e 3.º ciclos) e os “lycées” franceses (escola secundária) não foram completamente aplicados; por outro lado, muitos professores franceses, directores de escolas primárias, “collèges” e “lycées” franceses aconselhavam os lusodescendentes e pais a escolher o inglês, alemão, espanhol ou outra língua no 5.º, 7.ºanos (6ème e 4ème) ou no 10.º ano (seconde) como LV1. Muitos pais tinham vergonha de escolher a sua língua para os filhos, não querendo fazer diferenças com os jovens

franceses, por acharem que para os franceses a LP era língua de imigrante20 e consequentemente, que lhe atribuem um estatuto igual à pessoa que o falava. O lusodescendente de 2ª geração tinha esse sentimento na altura (Tomé & Carreira, 1994; Hily & Oriol, 1993). Essas razões juntam-se aos factores de desmobilização geral que se observa no emigrante clássico em todos os meios do movimento associativo, desmobilização que se traduz, em nosso entender, numa transformação da dinâmica que caracterizou esse movimento, especialmente na segunda fase da emigração.

A luta pela implementação da LP nas escolas francesas ou nas Associações como uma acção associativa é o espelho/reflexo da consciência nacional de um povo fora das suas fronteiras, que procurou nas lembranças do passado o pão da sobrevivência utilizando a sua LM como veículo portador e centralizador de todas as expressões regionalistas. O tempo foi passando o que implicou evoluções e transformações. Assim, notou-se uma evolução na institucionalização que começou pelo seccionismo federalista até chegar ao institucionalismo nacional e internacional das comunidades portuguesas no mundo. Também houve evolução na estrutura do movimento associativo, que passou de desportivismo e do folclorismo ao cultural. Também houve evolução nesta terceira componente dos movimentos - que chamamos vida associativa - componente muito diversificada nas suas actividades, passando do colorido sensível e instintivo à transparência do racionalismo. Após os anos 85, a vida associativa iniciou um novo processo de transformação devido a vários factores: diferentes faixas etárias, relações inter-geracionais, níveis socioculturais e novas tendências/gostos. Uns preferiram dar continuidade às actividades recreativas, outros optaram por actividades mais culturais e outras expressões culturais. Factores cosmopolitistas romperam com a aglomeração homogénea da época dourada da expressão associativa. As pressões transparentes etnocêntricas do país de acolhimento tiveram progressivamente um efeito importante na mobilização linguística associativa que sempre foi um dos principais factores do movimento associativo português em França. Em nosso entender, a permanência deste movimento, ao longo dos anos (nascimento, crescimento e transformação) é constituído por um património cultural que a vida associativa soube transplantar, criar e recriar ao longo das metamorfoses naturais do mesmo movimento associativo.

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