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CAPÍTULO 1 DO FENÓMENO MIGRATÓRIO ÀS POLÍTICAS

1.2. A ESPECIFICIDADE DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA EM FRANÇA

1.2.1. População portuguesa em França

A emigração para França não era uma novidade. Desde que Portugal se constituiu como um Estado independente, no século XII, milhares de portugueses emigraram para aquele país por diversos motivos (Serrão, 1977; Arroteia, 1985). Muitos aí se estabeleceram para desenvolverem actividades económicas, outros para fugirem a perseguições políticas e religiosas, muitos também para estudar. Inicialmente a emigração com destino a França era residual.

Em finais do século XIX, as estatísticas francesas, como refere Joel Serrão (1977), registam um aumento crescente no número de imigrantes portugueses. De cerca de 200, em 1876, passam para 1.300 imigrantes, dez anos depois. O maior aumento deu- se, contudo, após a 1ª Guerra Mundial, quando se fez sentir a falta de mão-de-obra para a reconstrução do país. A primeira grande vaga situa-se entre as duas guerras: em 1921, registam-se já 10.800 imigrantes portugueses a residir em França, subindo este número para 28.900 em 1926, para atingirem os 49.000 em 1931 (dados oficiais, Ministério dos Negócios Estrangeiros). Nos anos trinta e quarenta, o seu número diminui, mas, logo no início dos anos 50 recomeça o fluxo emigratório. A ‘grande’ emigração para França é relativamente recente, data do final dos anos 50 do século XX, quando cerca de 1 milhão e meio de portugueses emigraram para este país. Entre 1951 e 1960, emigraram para França 17.851 portugueses.

A emigração que ocorre a partir de meados dos anos 50 tem uma natureza muito distinta da anterior. Esta é marcada por uma profunda descrença nas capacidades de desenvolvimento do país, sob o jugo de uma ditadura desde 1926. O aumento da informação do que se passa no resto na Europa não deixa dúvidas: a única forma de fugir às condições degradantes em que viviam e trabalhavam em Portugal era rumarem à Europa além Pirenéus.

Em 1950, apenas se registam 314 emigrantes. Quatro anos depois, são já 747 para, em 1965, atingirem os 1.336. Em 1958, serão 6.264. A partir daqui, os números disparam. Entre final dos anos 50 e princípios dos anos 70 do século XX, mais de um milhão de portugueses emigraram para França. Estes portugueses instalam-se em França, dispostos a trabalharem em tudo o que lhes aparecesse. Em 1962, o número subiu e a partir daí a França passa a ser o destino privilegiado dos portugueses depois do acordo de 1963 assinado entre os governos portugueses e franceses. Este fenómeno de emigração para França (sem excluir outros países da Europa), mais acentuada a partir dos anos 60, foi denominado por Serrão (1977) de “salto trans- pirenaico”. Em 1970, atinge-se o valor recorde: 135.667 indivíduos num só ano. Centenas de milhares fizeram-no clandestinamente.

As formas brutais de exploração dos emigrantes de 1ª geração começam em Portugal, com as redes que os transportam até à fronteira e, não raro, os abandonam pelo caminho. Muitos portugueses morrem neste percurso. A emigração de portugueses para França, entre 1961 e 1974, é um dos episódios mais impressionantes da história contemporânea de Portugal, constituindo uma verdadeira debandada do país. De 1963 a 1973, vai decorrer, segundo Serrão (1977), a mais grave exasperação emigratória de sempre, atingindo-se os números mais elevados da história da emigração nacional. No ano de 1967 as saídas para a França atingem cerca de dois terços do total de saídas (59415 saídas para a França contra 92.502 de saídas totais). Em 1968, havia mais ao menos 500.000 portugueses em França (Conim & Carrilho, 1989; Volovitch-Tavarès, 2001). Nos anos 80, o número diminui, apesar disso, em 1982, os portugueses representam 21% da totalidade dos imigrantes1 de França. Entre 1981 e 1985, período de grande expansão da emigração portuguesa, a França foi o país mais procurado, absorvendo 50,9 % do total da emigração legal. Em 1999 ainda emigraram para França mais de 7.200 portugueses. Em 1990, registava-se, neste país, um total de 798.837 pessoas de origem portuguesa (603.686 mil haviam nascido em Portugal e 195.151 em França). Em 1999, foram oficialmente recenseados em França 553.663 portugueses. No recenseamento francês de 1999, contabilizou-se 553.663 portugueses e 263.005 franceses por aquisição, sendo a soma das duas fracções de 818.388 portugueses e binacionais2. O Ministère de l’Immigration, de l’Intégration, de l’Identité Nationale et du Développement Solidaire

1 Referimo-nos ao artigo de Marie-Christine Volovitch-Tavarès, “Les phases de l’immigration portugaise, des années vingt aux années soixante-dix” de 2001. http://.ens.fr/clio/revues/AHI/articles/volumes/volovitch.html.

2 Em 1999 foram recenseados 555.000 portugueses e 263.388 franceses por aquisição (Branco, 2002).

contabilizou 3.999 portugueses que obtiveram a nacionalidade francesa por aquisição em 2008. Os portugueses, embora em grande número na região Parisiense, acabam por se dispersar por toda a França. Na Córsega, por exemplo, ainda em 2004, existia uma importante comunidade de portugueses (cerca de 13 mil). No recenseamento de 2005 foram contabilizados 490.232 portugueses (INSEE, 2005). Em 2006, no censo anual, os portugueses residentes em França representam 13,9% da totalidade dos imigrantes, ou seja, 491.000 sujeitos (INSEE, 2006). A Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, com base em informação concedida pelas embaixadas e consulados portugueses estima a população portuguesa, residente em França, em 2008, a 567.000 pessoas. Actualmente, em França, vivem 1.031.082 portugueses (entre mononacionais e binacionais) e só na região Parisiense aproximadamente 700 mil, o que a torna a segunda maior área metropolitana com mais portugueses, a seguir a Lisboa (INSEE, 2006; Consulados portugueses no estrangeiro, 2008).

A maioria destes emigrantes está hoje muito bem integrada na sociedade francesa, tendo uma crescente influência política, como podemos ler na obra de Ruivo (2001) que, para além de examinar todos os aspectos da emigração portuguesa em França desde os anos 60 até hoje, apresenta, ainda uma completa colecção de estatísticas sobre aspectos como as novas gerações nascidas em França, o nível de escolaridade dos imigrantes portugueses, a evolução da situação da comunidade lusa naquele país e questões como a perda da LP entre gerações, os rendimentos dos portugueses em França, as reformas, os movimentos associativos, a língua e a cultura portuguesas como forma de união desta comunidade, entre outros. Com efeito, este trabalho dá a conhecer a realidade da emigração portuguesa sob diversas perspectivas. Entre as conclusões apresentadas, o autor aponta a integração dos emigrantes portugueses naquele país e acentua também o facto de estes disporem dos "meios mais aperfeiçoados para preservar a identidade e manter as ligações com a terra natal" (Ibidem, p.229).

A emigração portuguesa foi sempre um fenómeno familiar. Inicialmente partiam os homens, para criarem depois as condições necessárias para a família se juntar a eles. A família, no seu conjunto, era sempre o sujeito da emigração. Os portugueses emigraram por razões familiares: por um projecto de família, que podia ser desde o construir uma casa até à preocupação de poder dar aos filhos condições de vida diferentes das que tinham em Portugal. O emigrante português, no seu perfil mais clássico, partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal quando cumprido o seu objectivo (Rocha-Trindade, 1984,1998).

A família era reduto de segurança num mundo desconhecido. De um ponto de vista psicossocial, a família fornecia a cada um dos seus membros a segurança afectiva e psicológica necessária para suportar, enfrentar e sobreviver nos países de acolhimento, sobretudo numa primeira fase em que não se conhecia ninguém.

A família tornou-se nicho de identidade sobretudo no cumprimento da sua função educativa. No meio de um ambiente estranho, os pais sentiam mais do que nunca que tinham de dar aos seus filhos uma identidade portuguesa e transmitir-lhes a cultura do seu país de origem. Assim, tudo o que fosse português, desde o folclore até às especialidades culinárias ganhou especial destaque nas comunidades de emigrantes (Oriol, 1995).

Manter viva a relação com Portugal passou a ser para as famílias emigrantes tarefa prioritária. Neste ponto, há que sublinhar o interesse dos pais e o seu empenhamento em muitas associações pela criação e desenvolvimento dos cursos de LP como língua materna nos diversos países onde são emigrantes.

A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspecto da identidade, colocando de lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma ameaça à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma unidade cultural, que os impediu, nos primeiros anos, de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre a esperança e o desejo de regressarem ao seu país de origem. No entanto, a dinâmica de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação, e o emigrante português, fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e integrar a nova comunidade.

A questão da identidade era quase sempre formulada e sentida como um conflito de valores. A família sentia obrigação na conservação de valores, caracterizados como valores étnicos, nacionais. Muitas vezes eram valores comuns de uma sociedade que já não existia ou estava em vias de desaparecimento – uma sociedade de um Portugal rural, interior, fechado e conservador (Cordeiro, 1988; 1989).

Outra das características destas famílias emigrantes era a falta de vontade dos filhos dos emigrantes em prosseguirem os estudos. Os dados estatísticos de certos países como a Alemanha e a França mostram que os jovens portugueses eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades (cf. estudo realizado pelo INSEE e INED, 1999)3. A dificuldade com a língua do país de acolhimento era

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O inquérito sobre os hábitos linguísticos e a história das famílias foi associado ao recenseamento de 1999. A esse propósito pode-se ler o artigo de François Héran, Alexandra Filhon, Christine Deprez: “La dynamique des langues en France au fil du XXe siècle“, in Population & Sociétés, nº 376 de février 2002.

uma das causas imediatas. Mas as raízes do problema são mais profundas: prendiam- se sobretudo com a falta de motivação para aprender a língua tanto dos pais como dos filhos.

Felizmente, esta atitude tem-se alterado, principalmente porque o tipo de emigração e as suas motivações também se alteraram. Até há década de oitenta/noventa o emigrante abdicava de uma vida com dignidade no país de acolhimento, para a ter no seu país de origem, mesmo que não usufruísse desse bem-estar. A qualidade de vida, habitação, mobiliário, gastos com os tempos livres era propositadamente reduzida ao mais elementar.

Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projecto primeiro era angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a família se deu conta que esse projecto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes da família. A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do provisório, do regresso. A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição, começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.

Uma certa integração que o tempo e os contactos sociais acabavam por provocar levou a repensar a relação com Portugal. Na primeira geração, eram sobretudo as mulheres quem mais hesitava e mais travava o regresso. A mulher sentia que a sua vida havia mudado e seria ela quem mais teria a perder no caso de um regresso a Portugal em plena vida activa. Uma vez atingida a reforma, a família portuguesa regressa a Portugal já sem os filhos, visto que muitos, atingida a idade adulta, optam por ficar nos países de emigração. A família ia unida mas voltava desmembrada, regressando só os pais já reformados.

1.2.2. Representações dos franceses em relação à emigração