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O LUSODESCENDENTE E O DESENVOLVIMENTO DA(S)

CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES

2.2. O LUSODESCENDENTE E O DESENVOLVIMENTO DA(S)

O termo lusodescendente reenvia para uma origem portuguesa por definição comum a todos os portugueses, “residentes como expatriados e à sua descendência” (Branco, 2000, p. 155). Como a lusodescendência é comum a todos os portugueses, fazemos uso do termo a partir dos seus contextos. Entendemos o termo no seu sentido mais universal. Podemos ainda associar este conceito, ao nível filosófico, à teoria do "rootedness of our cognitive accomplishments" de Habermas (1992, p. 7), segundo a qual os sujeitos não existem fora da sociedade e é a sua participação na vida social que desenvolve a sua consciência individual, tornando todo o conhecimento um produto social.

Este termo está banalizado no contexto migratório, desde os anos 90 e tornou-se vítima do seu sucesso. No contexto francês o termo ‘lusodescendente’ aparece nas “aulas para lusodescendentes”, “associações de jovens lusodescendentes”, “encontros europeus e mundiais de jovens lusodescendentes” entre outros. Na imprensa portuguesa para emigrantes (Lusitano, O Encontro, Elos), o termo tornou-se, progressivamente sinónimo de segunda geração. No entanto o termo é pouco

conhecido. Será que reenvia para uma identidade defensiva? Segundo Castells (1999) a identidade defensiva tem a sua origem nos fenómenos de exclusão e de racialização. Ora nos contextos, por nós citados, o termo é um elemento de afirmação, uma apropriação que reenvia para uma necessidade de novidade e de diferenciação positiva. A temática lusodescendente e o seu uso em contexto é uma temática identitária, de pertença e de referência ao contexto migratório. É nesta linha que o uso do termo não corresponde à definição, por nós apresentada no início. É entendido, na sua maioria como fazendo referência aos filhos dos emigrantes que vivem no estrangeiro, aos filhos dos filhos de origem portuguesa. O termo quer transmitir identidades novas e diferentes das primeiras gerações. É por conseguinte um termo simbólico, de esperança, de modernismo que reenvia, no nosso entender, a uma afirmação de identidade e não a uma identidade defensiva como sugere Castells. No contexto migratório a temática identitária conheceu uma grande evolução desde os anos 90 e com as novas associações criadas pelos lusodescendentes, passámos das formas de expressão da “portugalidade” a uma identidade nova dos lusodescendentes (Barre, 1997). Estas mudanças são significativas e não se confundem, uma associação de jovens lusodescendentes é diferente de uma associação de portugueses de França, ou portugueses em França. Dizer-se lusodescendente, jovem de origem portuguesa ou franco-português, não reenvia para as mesmas estratégias de pertença, nem aos mesmos desejos de reconhecimento (Santos, 2002). As críticas que lhe são dirigidas ou dirigidas aos seus utilizadores são a intenção de ocultar a história migratória dos pais e a história da emigração. Com o termo lusodescendente, o acento coloca-se na proximidade ou distância segundo o caso, na continuidade ou na ruptura mas os lusodescendentes são sempre os outros, diferentes dos portugueses porque o termo reenvia para uma exterioridade, para uma extraterritorialidade. Ao nível endógeno, o termo pode reforçar a ideia de descendência directa e fortalecer os laços de sangue. Concordamos com Leandro (2000) quando se refere à dificuldade de denominar grupos - étnicos ou outros -, e das suas fronteiras. Auto-definir-se lusodescendente, português ou jovem de origem portuguesa não tem o mesmo significado. Os termos abrangem representações nacionais mais ao menos identificadas. Estas categorias de denominação são determinadas de forma nacional. A este respeito, podemos referir as representações que têm os franceses ou os portugueses sobre a Comunidade portuguesa que são pontos de vista diferentes. Neste aspecto o termo lusodescendente é mais conciliador, uniformizador: “pessoas de origem portuguesa”, “binacionais franceses e portugueses”, “franceses por aquisição” ou ainda “franco-portugueses”. A temática identitária lusodescendente não pode ser compreendida nem analisada sem o

contexto da relação política, institucional e simbólica existente entre Portugal e as suas Comunidades. No contexto francês o termo “lusodescendant” apareceu como um termo novo e relativamente neutro (Santos, 2007) como representativo de uma nova primeira geração de emigrantes. Estas foram as nossas razões pela escolha do termo lusodescendente para denominar o nosso público.

2.2.2. Definição do conceito da identidade(s)

Os conceitos de cultura, identidade, interculturalidade, língua são promotores de polémicas, porque submetidos a manipulações ideológicas diversas.

As culturas são inerentes ao próprio indivíduo e não podem ser veiculadas por intermediários. Além disso, as culturas são fenómenos dinâmicos, móveis, variáveis, por consequência difíceis de analisar fora de contexto (Abdallah-Pretceille, 1996). A pertença a uma cultura reencaminha para uma identidade e uma memória colectiva. Ora, na medida em que nos construímos na alteridade, precisamos do olhar do outro e da sua posição para nos definirmos como um ser outro (Geraldi, 1991). Concordamos com Laplantine, quando afirma a impossibilidade de definir a identidade, “L’identité, ce n’est pas un concept, mais une notion floue qui s’étale” (1999, p.18), útil, a nosso ver, na tarefa de identificação e de compreensão do processo de descobrimento das pertenças que são sempre múltiplas (sociais, nacionais, sexuais, familiares, linguísticas, culturais…) e transitórias, porque se redefinem constantemente através da acção, em situações novas de comunicação e de aprendizagem no sentido de Boyer (1997). Para a 3ª geração é necessário interrogarmo-nos sobre o significado da Identidade-Pertença na diáspora portuguesa. Será que ser português é ter a mesma comunidade linguística como afirma Oriol (2004). Não podemos esquecer que a construção da identidade não é apenas um processo de construção de uma outra pertença, mas é, também, um processo de construção de uma identidade capaz de transformar, adaptar, se adaptar às comunidades às quais pertence (Erickson25, 1966; Kaufmann, 2004). Estes jovens possuem uma identidade dupla na senda de Fishman (1966) e na maioria dos casos, uma dupla pertença (Muñoz, 1999). Como este fenómeno de construção identitária é complexo (Maalouf, 1998), estes lusodescendentes fazem um “bricolage identitário”, isto é, as suas representações estão enraízadas em processos cognitivos, discursivos, sócio-históricos, próprios a cada indivíduo e a cada grupo, fazendo parte do seu processo de construção da realidade. Os factores responsáveis por esse processo são os mecanismos identitários (Muller, 1997), os aspectos sócio-económicos e políticos (Martel, 1997), o valor das línguas no território francês (Papaloizos, 1997). Cada sociedade é constituída por diversas comunidades com culturas próprias que apresentam traços diferenciados; a forma como vai gerindo a sua diversidade cultural determina o seu isolamento ou

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abertura aos outros (Cordeiro, 2004). Falamos, nesse caso, de entidades culturais mestiçadas, alveolares, parcelares (Abdallah-Pretceille, 2002, 2008), criadas numa lógica de pertença. Assim “Il faut prendre en compte le fait qu’actuellement on a de moins en moins à faire à des entités culturelles globales, stables et parfaitement délimitées les unes par rapport aux autres mais à des ensembles métissés, alvéolaires, parcellaires voire à des fragments” (2008, p.15).