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O quadro legislativo português para as Comunidades

CAPÍTULO 1 DO FENÓMENO MIGRATÓRIO ÀS POLÍTICAS

1.3. POLÍTICAS LINGUÍSTICAS DO CONSELHO DA EUROPA

1.3.3. O quadro legislativo português para as Comunidades

A afirmação de que Portugal nunca definiu uma política de língua para as Comunidades aparece, frequentemente, no seio da diáspora portuguesa e quase se tornou um lugar-comum. A afirmação da LP no mundo passa por uma política linguística definida constitucionalmente e institucionalizada pela Lei 74/77 e pela Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 que têm por objectivo a defesa dos direitos linguísticos dos lusodescendentes e a conservação do direito à protecção da língua e cultura nacionais. No entanto, continua a não haver uma política definida para as Comunidades (Portugueses não-residentes e lusodescendentes) mesmo que a importância e actuação das Comunidades portuguesas no estrangeiro tenham sido e continuem a ser objecto privilegiado dos discursos oficiais, sobre a posição e afirmação de Portugal no mundo, a propugnação de valores ligados à portugalidade e à noção de Portugal como pátria de Comunidades, nação compreensiva de todos os Portugueses, os residentes no Portugal continental e insular e os residentes no exterior do território nacional.

Não obstante, a preocupação de manter os Portugueses não residentes e lusodescendentes ligados ao país pelos vínculos da Língua e da Cultura é uma constante da história recente de Portugal, expressa por diversos Governos e governantes. Aliás, a análise dos discursos políticos (Lusa, 2007, Conferências em Paris) mostra que o objectivo assumido de forma mais evidente tem sido a manutenção da ideia de Nação de que a Cultura e, particularmente, a Língua constituíram os veículos privilegiados.

Inúmeros exemplos elucidativos de um discurso alheado de uma qualquer sustentabilidade na relação do Estado português com as Comunidades podem ser retirados dos vários programas dos Governos e de muitas informações de governantes com responsabilidades governativas:

“Comunidades Portuguesas – uma prioridade estratégica. […] Nesse sentido está em curso, um amplo projecto político que tem como grande objectivo a definição de uma e uma só política dirigida à emigração e às Comunidades, superando a tradicional desarticulação entre entidades de nossa administração, procurando envolver todos em torno de fins comuns”. (Secretário Estado das Comunidades, José Cesário, 2003-07-31).

“ A valorização das Comunidades Portuguesas em todas as suas vertentes será um dos objectivos fundamentais do Governo. Para isso, o Governo estimulará a participação cívica dos membros daquelas Comunidades e a elevação do seu estatuto social, económico, educacional e formativo, à luz do princípio de igualdade de oportunidades entre todos os Portugueses, independentemente de serem ou não residentes em Portugal.” (Programa do XII Governo, 2005- 03-22)

“E porque a dimensão de um País também se mede pela pujança da sua língua e cultura e pela valorização da sua diáspora, empenhar-nos-emos na defesa e na promoção da língua e da cultura portuguesas, bem como na prestação de efectivo apoio às Comunidades de Emigrantes e Luso- descendentes espalhados pelo mundo”. (José Sócrates, 2005-03-12).

“Em relação às políticas para Comunidades centradas no eixo Língua, Cultura e Identidade, tudo está por fazer!” (Luís Amado, MNE, Dez. 2006).

Pinto Ribeiro, que falava em Paris nos Estados Gerais do Multilinguismo (2007), manifestou a sua preocupação com as diásporas, onde considera ser necessário fazer um:

"trabalho de ensino como primeira língua, como língua estrangeira, e como língua que concorre com a língua dos países para onde essas comunidades emigraram". (Paris, 26 Set 07, Lusa).

Os temas principais dos Estados Gerais do Multilinguismo, inserido no Dia Europeu das Línguas (ano 2007) foram "A Criatividade e a Inovação Pedagógica no Ensino das Línguas", "A Competitividade Económica e a Coesão Social", e "A Tradução e Circulação de Obras Culturais".

No seu enquadramento legal o Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa é também um órgão consultivo do Governo para as políticas relativas à emigração e às comunidades portuguesas e representativo das organizações não governamentais de portugueses na Europa com competência para se pronunciar sobre matérias relacionadas com as comunidades portuguesas na sua área geográfica.

Enquanto órgão consultivo é-lhe atribuído várias incumbências das quais se destaca a do Artigo 2º, alínea a) ”Contribuir para a definição de uma política global de promoção e reforço dos laços que unem as Comunidades portuguesas entre si e Portugal e de políticas específicas relativas às diversas comunidades”.

Os objectivos estratégicos e programáticos são definidos em consonância com uma visão global societária das Comunidades portuguesas na Europa. A estrutura organizativa é constituída por Grupos de Coordenação responsáveis pela elaboração de Planos de Actividades.

É pertinente e necessária a participação e contribuição na definição, não só de uma política global, mas também de políticas específicas relativas às diversas comunidades na Europa, que são de particular relevância para a definição de uma política global:

• Defender e afirmar a língua e a cultura portuguesas;

• Manter uma estreita ligação às comunidades portuguesas e aos estados que as acolhem.

Obviamente que nunca esteve em curso um amplo projecto político que tivesse como grande objectivo a definição de uma e só política dirigida às Comunidades quando se aconselhava uma revisão global das políticas públicas de apoio às Comunidades portuguesas, nem hoje estará em curso a criação de uma qualquer política articulada no eixo língua, cultura e identidade apesar de promessas feitas nesse sentido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros visando a Valorização das Comunidades, em 2008. O que está verdadeiramente em curso é uma nova estratégia assente numa nova realidade como sendo a única via possível e credível para afirmar Portugal no mundo, visto que a afirmação de Portugal já não passa só pelas Comunidades portuguesas. Com mudanças propostas que não distinguem objectivos e princípios para os portugueses e lusodescendentes de objectivos e princípios destinados a cidadãos e cidadãs dos países de acolhimento, o Governo assume a estratégia da capitulação, não investindo no Ensino de Português Língua Materna (PLM) nas Comunidades para conquistar e salvar os lusodescendentes para um projecto modelado por uma verdadeira identificação linguística, cultural e identitária com Portugal no sentido de as futuras gerações de lusodescendentes se sentirem motivadas afectiva e efectivamente estarem com Portugal. O que o Estado português não pode continuar a fazer, querendo resolver os problemas crónicos das Comunidades, é continuar a excluir, discriminar, silenciar e elidir da sua memória uma parte importante de uma Pátria comum.

O Programa do Governo utiliza as categorias de cidadãos nacionais no estrangeiro e lusodescendentes, preterindo o uso de emigrante. Ora é importante definir e distinguir quem são os principais destinatários. Os emigrantes de 1ª geração (que permanecem

nos países de acolhimento ou pensam regressar) sendo cidadãos nacionais ou não continuam a ser sempre emigrantes, e destinatários, em parte, de uma atenção particular de um qualquer Programa de Governo. Agora os lusodescendentes de 2ª, 3ª, 4ª geração, sendo ou não cidadãos nacionais, já não são emigrantes e, por conseguinte, destinatários de objectivos políticos diferentes e especiais. Daí a necessidade de definir e distinguir em termos de desígnio e projecto nacionais as políticas direccionadas para os emigrantes de 1.ª geração e para as várias gerações de lusodescendentes. Os portugueses e os lusodescendentes na Europa, tendo características linguísticas e culturais particulares, devem, por definição, ser categorizados como minorias imigradas ou minorias étnicas nos países de acolhimento e, como tal, com direito a políticas orientadas para a preservação linguística, cultural e identitária e de políticas de integração que na prática sejam políticas de diversidade.

O governo não teve até hoje uma definição clara de um objectivo estratégico sobre a identidade nacional face à globalização e à integração europeia, nunca se afirmou no mundo através de factores culturais e da defesa da língua portuguesa nem nunca privilegiou uma coordenação nem uma convergência de políticas culturais promovidas por diversos ministérios, de forma a criar sinergias, optimizar a gestão daquelas políticas no exterior e contribuir para o desígnio nacional de afirmação da língua e da cultura portuguesas.

A estes objectivos acrescentamos a continuidade da língua e cultura portuguesas, o prolongamento de Portugal e da Portugalidade na Europa e no mundo, a defesa de uma nova identidade a partir de uma etnicidade lusa (luso-francesa), a defesa de um modelo de identificação assente em novas políticas de língua, cultura e Identidade e no reforço do movimento associativo como espaço privilegiado de portugalidade e criador/produtor de actividades multifacetadas e plurais, objectivos estratégicos inadiáveis.

O que se deveria privilegiar, conhecendo a experiência histórica das sociedades de acolhimento de práticas de homogeneização linguística e cultural e de intolerância face às opções identitárias do Outro, são as acções que defendam a luta contra a inevitabilidade da integração cultural/assimilação redefinindo e reformulando os objectivos estratégicos enunciados por outros que defendam a língua, cultura e identidade portuguesas nos países de acolhimento. Tal só será possível através de objectivos estratégicos que visem a edificação na Europa de sociedades

multiculturais10 e multilingues onde o direito à opção linguístico-cultural e identitária dos lusodescendentes seja respeitado como um dos mais fundamentais dos seus direitos humanos.

Pensamos que é pertinente trabalhar-se para a edificação de sociedades multiculturais e multilingues numa Europa verdadeiramente multicultural onde os direitos linguísticos, educacionais, culturais e identitários dos portugueses e lusodescendentes sejam salvaguardados (Bizarro, 2007). A visão do nosso modelo societário está consubstanciada na aceitação dos nossos valores étnico-culturais e na rejeição de toda e qualquer política de assimilação.

A nossa visão de uma Europa verdadeiramente multicultural e multilingue assenta num processo integrativo resultante da cooperação e do diálogo entre as sociedades maioritárias e os grupos étnicos minoritários. Esta visão só será viabilizada se se definir uma política de minorias que dê uma real liberdade de escolha às minorias imigradas e étnicas e que essa escolha seja respeitada pelas sociedades maioritárias. A pertença a um grupo étnico (luso-francês) e o reconhecimento dessa pertença pelas sociedades maioritárias (em países de acolhimento) tem de ser considerado como um dos mais fundamentais dos nossos direitos humanos.

Temos de reconhecer que as comunidades portuguesas dispersas pelo mundo são um vector da política externa que importa valorizar, através de acções que privilegiem a integração social, política e cívica dos cidadãos nacionais nos países onde residem. Pensamos que esta tarefa não cabe só a Portugal mas também aos países de acolhimento que deverão (re)definir políticas de integração, a alocação de recursos e a implementação de medidas que visem a integração estrutural dos cidadãos nacionais. Na integração estrutural estão incluídas a integração social, política e cívica que devem, exclusivamente, ser da responsabilidade desses países.

Dever-se-ia privilegiar, conhecendo a experiência histórica das sociedades de acolhimento de práticas de discriminações estrutural e institucional e de intolerância face às opções e aos direitos sociais, económicos, culturais e políticos das minorias imigradas/étnicas, acções que defendam a adopção de políticas de integração estrutural que na prática sejam de diversidade e cujos valores prevalecentes assentem

10

Multiculturalismo é um termo que descrevea coexistência de várias culturas num mesmo

país, cidade ou localidade. Estas culturas podem coexistir ou não de uma forma positiva ou pacífica. Algumas doutrinas defendem que as culturas minoritárias são discriminadas, devendo merecer reconhecimento público. Pelo contrário, a interculturalidade refere-se à interacção positiva entre culturas de forma recíproca, favorecendo o seu convívio e integração assente numa relação baseada no respeito pela diversidade e no enriquecimento mútuo. (Dicionário de termos linguísticos: www.ait.pt)

no reconhecimento da identidade e dos interesses particulares dos portugueses e lusodescendentes.