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A expressão autoridade administrativa independente apareceu pela primeira vez na Lei de 6 de janeiro de 1978, que regulou informática, arquivos e liberdades, tendo em seu artigo 8º disposto

que “la C.N.I.L. [Comission Nationale de l’Informatique et des Libertés] est une autorité administrative indépendente” (SABOURIN, 1983, p. 278).

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Uma particularidade das agências reguladoras britânicas é observada na regulação do sistema financeiro que, na Inglaterra, é exercida pela Autoridade de Serviços Financeiros (FSA), a única instituição supervisora de toda a atividade financeira no Reino Unido, reunindo o trabalho de nove agências reguladoras diferentes. A Divisão de Grupos do Complexo da FSA trata com os principais conglomerados financeiros radicados na cidade de Londres (LA FUENTE DE ENERGIA MUNDIAL, 2001, p. 16).

Segundo Bernard Stirn,33 de há muito tempo existiam na França instituições administrativas dotadas de fortes garantias de independência, como os júris de exames ou de concursos, as

comissões departamentais de reconstituição de terrenos desmembrados. Lembra que o próprio Conselho de Estado foi, ao longo da história, reforçando sua independência no interior da

administração daquele país (2001, p. 1).

Realça que as autoridades administrativas independentes surgiram na França de forma

empírica, podendo ser vistas como uma nova forma de administrar, em certos setores. Sua instituição não decorreu de uma lógica pré-determinada. Pelo contrário, foi paralelamente à constituição de

novas instâncias pela atribuição de poderes e garantias que se foi delineando o conceito de autoridade administrativa independente (STIRN, 2001, p. 1).

As autoridades administrativas independentes francesas são de grande diversidade. As próprias fronteiras da categoria não são determinadas com rigorosa clareza. Elas apresentam traços

comuns, que permitem defini-las como “instituições criadas pela lei, à margem das estruturas administrativas tradicionais, sem personalidade jurídica própria, mas dotadas de autonomia

solidamente assegurada, e incumbidas de missão reguladora em determinado terreno” (STIRN, 2001, p. 1).

Alexandre Santos de Aragão destaca o aparente paradoxo do pluricentrismo administrativo resultante da atuação das agências reguladoras ser adotado pela França, que sabidamente sempre

teve a unidade e a organização hierárquica como paradigmas de sua Administração Pública (2002, p. 237).

Nessa linha, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti assinala ser o sistema francês secular inspiração para boa parcela das administrações públicas latino-americanas. Trata-se, afirma,

de uma administração estruturada a partir de órgãos centrais, compostos do Presidente da República, do Primeiro Ministro, dos Ministros e outros órgãos de direção. A partir desse centro, bifurca-se em

duas linhas: a primeira, que parte de critérios geográficos, vincula-se às regiões e departamentos, e a segunda, à especialização de serviços públicos (2000, p. 261).

Alterando essa estrutura, encontram-se as autoridades administrativas independentes, entes autônomos sem subordinação a ministérios, sem previsão constitucional. Essas organizações

foram questionadas, inicialmente, sobre se seriam novas figuras ou roupagem jurídica nova a figuras

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já existentes. Além disso, questiona-se a sua compatibilidade com o sistema constitucional francês sobre o controle judicial, seus atos e, finalmente, a natureza das normas por elas criadas

(CAVALCANTI, 2000, p. 261-262).

Dentre as peculiaridades dessas autoridades independentes, Alexandre Santos de Aragão

ressalta a ausência de personalidade jurídica, que, paradoxalmente, é considerada na França um requisito da independência de tais entes, por afastá-los da tutela exercida pela administração central,

uma vez que não há pessoa jurídica naquele país que não se submeta a um forte controle ministerial (2002, p. 237).

Paul Sabourin destaca que Georges Braibant verificou que a palavra “independente” aplicada às autoridades administrativas é contraditória, uma vez que, na tradição política francesa, a

administração não é independente; ela é subordinada ao governo e, por meio dele, ao Parlamento. A independência propriamente dita é reservada, pela Constituição Francesa, à autoridade judiciária, que

também é relativa (SABOURIN, 1983, p. 291).

As instâncias emissoras de normas não se podem subsumir às clássicas, cujo desrespeito

implica sanção. O sentido de tal entendimento da doutrina francesa é destacado por Alexandre Santos de Aragão como o de uma “autorité morale”, mais amplo portanto que a imposição

administrativa clássica34, que, contudo, influi de forma positiva por seu caráter persuasivo, não obstante seus atos constituam meras recomendações (ARAGÃO, 2002, p. 239).

Ao lado de tal característica, destaca o autor que, ao contrário de muitos países, tais como o próprio Brasil, as autoridades administrativas independentes não estão limitadas a regular apenas os

setores econômicos ou de serviços públicos delegados a particulares, abrangendo também funções de proteção aos direitos fundamentais e de proteção aos cidadãos frente à Administração, não se

vinculando de forma exclusiva ao Direito Econômico (ARAGÃO, 2002, p. 240).

A proteção dos direitos dos cidadãos, e mais particularmente dos administrados, foi

inspirada no ombudsman sueco. A lei de 3 de janeiro de 1973 criou o Mediador, que evoluiu para Mediador da República por determinação da lei de 13 de janeiro de 1989. Ela o qualifica de

"autoridade independente". “Nomeado pelo Conselho de Ministros, o Mediador pode ser solicitado por

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“As autoridades administrativas independentes contribuem tanto para a elaboração do Direito quanto as autoridades administrativas clássicas, por meios que não são necessariamente de constrição e de imposição, mas que – geralmente – não são menos eficazes: informação, investigação, proposição e recomendação.” (TIMSIT apud ARAGÃO, 2002, p. 239)

qualquer parlamentar a interferir em questões de dificuldades encontradas por um cidadão em suas relações com a administração” (STIRN, 2001, p. 2).

A atribuição de poderes normativos às autoridades administrativas independentes francesas é admitida pelo Conselho Constitucional daquele país, que, contudo, exige que a lei estabeleça os

standards para seu desenvolvimento, com a ressalva de as políticas públicas ficarem a cargo do Governo, da Administração Central, que pode editar normas na área de competência da autoridade

independente (ARAGÃO, 2002, p. 244).

Bernard Stirn sublinha que a idéia de incluir na Constituição francesa o princípio da

existência de autoridades administrativas independentes, ou mesmo de nela mencionar algumas delas, não se impôs. Aduz que surgiu, por outro lado, a questão da compatibilidade dessas

autoridades com o artigo 20 da Constituição da França, segundo o qual "o Governo dispõe da administração". Todavia, ressalta que o Conselho Constitucional considerou que não havia

obstáculos para a criação dessas autoridades tendo reconhecido, inclusive “que a lei poderia conferir- lhes um poder regulamentador, desde que tivesse alcance limitado e ficasse subordinado ao respeito

tanto das leis quanto dos decretos” (2001, p. 4).

Verifica-se que o modelo das autoridades administrativas independentes francesas tem

diferenças significativas das agências reguladoras brasileiras. Elas dizem respeito à inexistência, naquele país, de uma pessoa jurídica reguladora e ao fato de não possuírem previsão constitucional.

Não obstante, nosso sistema guarda, mutatis mutandi, semelhanças com o francês, em especial no que se refere à subtração das agências brasileiras do controle hierárquico do Poder

Executivo, aqui obtido pela criação das agências reguladoras como autarquias especiais, descentralizadas e com poder normativo alargado.