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CAPÍTULO V – A potestade normativa das agências reguladoras brasileiras

5.5. Ato Administrativo e ato geral

A discussão não prescinde do questionamento de se os atos normativos são

considerados atos administrativos, uma vez que ato geral e regulamento são tidos

como sinônimos, em face do caráter abstrato de ambos, além de muitos autores

excluírem da noção de ato administrativo os gerais, normativos.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o regulamento não é um nomen júris, que designe

com precisão uma categoria de atos uniformes, e sim um designativo que recobre atos de “virtualidades jurídicas distintas”, nem sempre oriundos de fonte normativa equivalente. Daí, assevera

resultar um único denominador comum a caracterizar o regulamento: é ser ato geral e normalmente abstrato, expedido por órgão diverso do competente para a edição de leis, o parlamento.

Tal posição engloba na denominação ‘regulamento’ todos os atos de índole normativa expedidos pela Administração. Conseqüentemente, muitos autores afastam da noção de ato

administrativo os atos de índole normativa, passando a aceitar como ato típico administrativo apenas os concretos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro considera atos da Administração todos aqueles praticados no exercício da função administrativa 87. Assinala que, do prisma objetivo, esses atos consistem em

emanação de produção jurídica complementar em aplicação concreta do ato de produção jurídica abstrato contido na Lei; atuação que independe de provocação, não absorvida apenas na realização

concreta de interesses coletivos, mas contendo também a função política ou de governo, que compreende atividade co-legislativa e de direção. Assim, não há, afirma, uma separação precisa

entre esses dois tipos de função (2000, p. 55).

A autora enumera de forma individualizada entre os atos da administração: os atos de

direito privado, os atos materiais, os de conhecimento, opinião, juízo ou valor, os atos políticos, os

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Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, do ponto de vista da Administração Pública em sentido objetivo, a função administrativa abrange o fomento, a polícia administrativa, o serviço público e, para alguns autores, a intervenção. A função administrativa de natureza intervencionista compreende a regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza privada, bem como a atuação do Estado no domínio econômico, que se dá por meio de empresas estatais. Sustenta a autora que na intervenção apenas a fiscalização da atividade econômica de natureza privada merece ser considerada função administrativa, posto ser seu regime de direito público, ao passo que a atuação por meio de estatais constitui atividade tipicamente privada exercida em regime de monopólio (2000, p. 59-60).

contratos, os atos normativos e os atos administrativos propriamente ditos (DI PIETRO, 2000, p. 175- 176).

Fica claro da exposição que atos normativos, atos políticos e atos administrativos não são sinônimos para a doutrinadora, estando englobados no gênero atos da Administração.

Nessa linha, para ilustrar essa posição, entendemos ser oportuna breve análise da conceituação de ato administrativo 88 dada por Celso Antônio Bandeira de Mello:

Declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional (1999, p. 271).

A declaração do Estado é jurídica, ou seja, manifestação que produz efeitos de direito, tais

como: certificar, criar, extinguir, transferir, declarar ou modificar direitos e obrigações, devendo provir de ente investido e no exercício de prerrogativas públicas.

As providências jurídicas deverão ser complementares da lei; admitindo-se advirem diretamente da Constituição, contudo, nessa hipótese, o ato deverá ser totalmente vinculado. Por fim,

não tem o ato caráter definitivo frente ao direito, podendo ser examinado, sob o prisma da legalidade, sublinhe-se, pelo Poder Judiciário.

Complementa o autor ser esse seu conceito abrangente para incluir atos gerais e abstratos e atos convencionais, como os contratos administrativos. Um conceito estrito, afirma, implicaria incluir

no conceito a expressão unilateral – para afastar do entendimento os contratos – e concreto, para afastar os atos abstratos, ditos normativos (MELLO, C., 1999, p. 271-272).

A introdução do termo ‘concreto’ revela a exclusão dos atos normativos da noção de ato administrativo. Todavia, apesar de ser a concretude a principal característica dos atos administrativos,

não se pode esquecer que há atos administrativos normativos, ou seja, aqueles que contêm um

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Outros conceitos de ato administrativo: “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor obrigações aos administrados ou a si próprio.” (MEIRELLES, 1997, p. 133) “Toda a emanação de vontade, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte diretamente interessada numa relação jurídica, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, ou haurida diretamente da Constituição sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo.” (GASPARINI, 1982, p. 6)

comando geral da Administração, não sendo leis em sentido formal, como leciona Hely Lopes Meirelles89 , nem tampouco regulamento de lei.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello aponta que a primeira explicação científica de ato administrativo se encontra no Repertório Guizot-Merlin, de 1812, que o define como “ordenança ou

decisão de autoridade administrativa, que tenha relação com a sua função”.

Nos tempos modernos, afirma, conceitua-se ato administrativo do prisma subjetivo

(orgânico-formal) e objetivo (material), podendo-se, ainda, conceituá-lo de forma ampla, abrangendo suas duas espécies, a normativa e a executiva. Critica a concepção dada pela maioria dos

doutrinadores que o limita à concepção de ato executivo, individual, concreto e pessoal, independentemente de seu sentido subjetivo ou objetivo.

Sugere que a melhor solução seria a adoção da expressão ato executivo como espécie do gênero ato administrativo, que se reservaria ao sentido lato, envolvendo este os atos normativos.

Afirma que tal sugestão não teve a acolhida dos juristas que consagraram a expressão atos administrativos apenas para os concretos, que na sua orientação seriam os atos executivos.

Parece-nos que a diferenciação proposta por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello é atual e emergencial para o equacionamento do problema dos atos normativos editados pelas agências

reguladoras.

Vimos que os atos gerais não são considerados atos administrativos por boa parte dos

autores consultados, sendo a diferenciação proposta de relevo para a solução do problema em estudo.

Em apertada síntese, percebe-se que dois aspectos conceituais permeiam toda a discussão: a inclusão dos atos políticos na categoria dos atos administrativos e a exclusão dos atos

normativos de tal conceito.

A concepção que engloba toda a normatividade na órbita da Administração, sem diferenciá-

la, nos parece ser resultado de uma interpretação doutrinária que reflete a idéia de estado liberal,

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Hely Lopes Meirelles classifica como uma das espécies de atos administrativos os atos normativos. O autor, contudo, não obstante inclua os regulamentos sob o manto dos atos administrativos normativos, observa que há outros atos como os Regimentos que são de índole normativa, decorrentes não do Poder Regulamentar e sim, do Poder Hierárquico. Tais atos administrativos, por ele denominados atos regulamentares internos, não se destinam a regular situações gerais, bem como não estabelecem relações jurídicas entre a Administração e os administrados, que são de índole regulamentar propriamente dita. Destinam-se a prover o funcionamento dos órgãos da Administração, atingindo unicamente as pessoas vinculadas à atividade regulamentar, isto é, aquelas que se acham sujeitas à disciplina do órgão que os expediu

caracterizado pelo reduzido número de serviços prestados diretamente e pela pequena interferência normativa do Estado na sociedade.

Ocorre que o Estado, que viveu um período de expressiva intervenção nos mais diferentes setores da sociedade, hoje, passa por profundas reformas em que são desatreladas do Poder Público

as tarefas de execução de variada gama de serviços públicos, com um ponderável incremento na execução de uma política regulatória de todos os setores da economia em que empresas estatais

atuavam no papel de concessionárias (WALD; MORAES , 1999, p. 143).

É evidente que os atos normativos editados pela Administração não podem ser

considerados divorciados dos atos administrativos. Consideramos adequada a visão de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, pois entendemos que devem os atos administrativos ser vistos como

gênero englobando os atos jurídicos normativos emanados da Administração denominados normativos por Hely Lopes Meirelles, e os atos executivos, concretos, de uso comum, no dia-a-dia

administrativo do Estado.

É necessário discutir-se, na tentativa de equacionamento do problema, se o

regulamento, tal como previsto no art. 84, inciso IV, da Constituição Federal de 1988,

é ato administrativo.