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2. HOBBY: IDEIAS INTERESSANTES DE FÁCIL EXECUÇÃO PARA

2.9 As capas

A análise do conjunto de imagens que integram as capas de Hobby permitiram realizar observações no tocante às significações e representações em circulação. O uso de imagens coloridas e chamativas, mais do que uma estratégia de vendas teve um papel significativo na divulgação do programa da revista, bem como dos valores culturais da sociedade, ou o que se esperava que ela reproduzisse. Tomando-se em consideração as cento e vinte capas registradas, foi possível observar a preponderância de ilustrações em relação ao uso de fotografias. Acreditamos que o emprego excessivo de ilustrações deveu-se à facilidade de expressar, em imagens, o que a revista desejava enfatizar e destacar como essencial para publicação.

Inicialmente, esperávamos fazer um recorte em categorias de acordo com as temáticas veiculadas pela revista, mas tendo em vista a complexidade das ilustrações que, muitas vezes, não permitiam classificá-las em apenas um tema, escolhemos fazer uma tabela resumida com a descrição mais ampla das capas. Os dados fornecidos pela tabela permitem identificar a variedade de representações e aspectos que, numa análise individual, não seria possível visualizar. O agrupamento sintético dos temas estabelece uma aproximação segura para interpretação das imagens.

Tabela 4 - Ilustrações das capas

Tema Total de capas

Inventores – capa número 1 trouxe a fotografia de Thomas Alva Edison

1

Progresso e modernidade 5

Ciência – laboratório, microscópio 7 Aeromodelismo – aviação durante a guerra 10

Hobby – família 15

Hobby – jovens 39

Hobby – objetos ou atividade 43 Fonte: Revista Hobby.

A maior parte das capas apresenta imagens de objetos construídos através de um

hobby, ou ainda, que representem a atividade hobbista. Dentro desse repertório de

ilustrações destacam-se figuras de ferramentas, bancadas, caravelas, estantes e barcos. Como atividades hobbistas, pescaria, filatelia, fotografia e iatismo. Inseridos neste grupo classificamos as capas comemorativas de aniversário e as que representam o propósito da revista. Duas capas se destacam, por exemplo, e expressam o conceito evocado para publicação. Na primeira (Figura 5), uma lâmpada mágica, como na história de Aladin, ao invés de surgir um gênio que realiza três desejos, saem os objetos representativos de diversos hobbies. O que disto podemos inferir, é a representação de que as possibilidades são infinitas de quem se dedica a um hobby. Os desejos de coisas materiais e conhecimento podem ser realizados, seja pela aplicação dos saberes em alguma atividade para ganhar dinheiro ou pelo simples prazer de desenvolver um projeto criativo. Na segunda, (Figura 6), da mesma forma, das páginas de Hobby, surgem os mais variados

objetos. A lâmpada mágica funciona como uma analogia à revista, cuja imagem passou a vir impressa na primeira página em todas as edições a partir de então.

FIGURA 5 – Capa – jun. 1940 FIGURA 6 - Capa - abr. 1944

Em trinta e nove capas houve a ocorrência de ilustrações em que jovens apareciam exercendo algum hobby, o que demonstra este ser um dos segmentos privilegiados como público-alvo da revista. O grupo familiar participando da atividade hobbista, ou lendo uma das edições apareceu quinze vezes, uma vez que os hobbies eram extensivos a qualquer um. Muitas capas traziam o que parecia ser o pai ou o irmão mais velho ajudando ou orientando na realização de alguma criação. Os hobbies, apesar de serem caracterizados como atividades solitárias, eram retratados pela revista como elemento de agregação familiar e capazes de promover a amizade entre os seus praticantes.

Dentre os vários hobbies apresentados, destacamos o aeromodelismo que teve dez ocorrências, mas durante a Segunda Guerra Mundial, houve um número maior de capas com o tema. Algumas imagens mostravam jovens segurando uma miniatura de avião e observando o mesmo modelo passando no céu. A intensificação na divulgação de imagens de avião e aeromodelos tinha a ver com o interesse dos leitores em conhecer mais sobre assuntos relacionados à guerra, e motivá-los a aderir à prática de aeromodelismo. Por ocasião do início da publicação da seção dedicada ao tema, o primeiro artigo já questionava: “¿Es útil la práctica del aeromodelismo? (HOBBY, n. 23, jun. 1938). Os argumentos são vários: países da Europa e os EUA já o tinham consolidado e chegavam a denominá-lo como esporte-

científico; ajudava a elevar o nível cultural dos jovens; contribuía para melhorar a aviação; servia para formar uma “consciência aeronáutica”, ou seja, naturalizar a ideia dos benefícios da aviação para a sociedade. Prosseguindo, o artigo informa que mesmo um pequeno modelo seria um instrumento pedagógico e faria com que os jovens se familiarizassem com os termos da aviação, cujos conhecimentos poderiam catapultá-los para uma carreira de aviador, mecânico ou engenheiro aeronáutico. Para a editora era muito lucrativo a inserção de uma nova seção de

hobby. Livros e kits de montagem diversas passavam a ser oferecidos e vendidos

para os leitores.

A situação não é muito diferente quando a revista publicou capas com imagens de laboratórios, instrumentos químicos ou jovens junto ao microscópio. Com sete ocorrências, tinham o caráter de reforço de conteúdo e continuidade em atrair novos leitores. E, não muito diferente do aeromodelismo, essas publicações ofereciam microscópios e conjuntos de lâminas para venda. Um artigo veiculado no terceiro número, refletia em seu título, a concepção da revista sobre o microscópio para a ciência e, sobretudo, para o hobbista: El microscópio para el aficionado es un valioso

instrumento de investigación científica (HOBBY, n. 3, out. 1936). Uma explicação

detalhada informava ao leitor o que era o instrumento, como utilizá-lo e o seu enfoque. O microscópio, além da função de ampliação de imagens, é um instrumento pedagógico e representa a porta de entrada para aqueles que desejavam adentrar no campo das ciências. De toda forma, o microscópio e o laboratório, atualmente, ainda são utilizados como símbolos da ciência, pois “para muitos escritores, o laboratório químico representa o arquétipo do meio-ambiente científico32” (LAFOLLETTE, 1990, p. 112).

A vinculação entre os hobbies e a ideia de progresso foi muito clara nas cinco capas encontradas. Para a revista Hobby, do ponto de vista da economia, a concepção de que se a indústria contasse com uma força trabalhadora capacitada, ela conduziria a um maior progresso do país. Sob esse aspecto, a Argentina nos anos anteriores à Segunda Guerra, apresentava um cenário econômico de expansão e diversificação, tanto nos setores agrícolas quanto nos industriais, apesar da crise econômica internacional que se instalara nos anos 1930 (FAUSTO E DEVOTO, 2005). Houve

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uma readequação da política econômica e um maior incentivo à industrialização “enmarcada en los limites y características de lo que generalmente se conoce como processo de sustitución de importaciones” (TEDESCO, 1985, p. 201). A indústria representou um dos elementos propulsionadores do interesse na aquisição e aprimoramento de determinados saberes que também seriam úteis no campo profissional. Embora não seja o objetivo da nossa pesquisa, convém ressaltar que houve um crescimento do ensino técnico a partir dos anos 1930, e mais intensamente a depois da década de 1940. Tedesco (1985) estabelece uma relação entre o crescimento industrial e o sistema educacional, embora este tenha respondido às necessidades do processo produtivo com um pequeno atraso. Contudo, podemos afirmar que há uma relação, não muito precisa, entre o crescimento industrial e uma formação profissional prática orientada para o trabalho. Uma capa representativa desses aspectos é a de número 19, onde há a imagem de um hobbista na oficina entre ferramentas e projetos, observando ao longe um complexo industrial. Curiosamente, nos chama a atenção um exemplar da edição 8 de Hobby em cima da bancada. Produzida com o objetivo de sensibilizar o leitor para a prática hobbista, a ilustração conta uma história que serve para reforçar a ideia de progresso com a “grandiosidade” aparente da imagem da indústria, a qual o leitor parece almejar pertencer, o que ocorrerá por meio de suas habilidades adquiridas pela revista.

FIGURA 7 – Capa do n. 19 – fev. 1938.

Edison, o que foi uma característica marcante da publicação. Como símbolo da modernidade, Edison representava o que podemos denominar de “espírito capitalista”. Suas invenções aliadas à sua capacidade empreendedora permitiram seu lançamento à fama e à riqueza. Somado a isto, os EUA trilhavam, na frente, o caminho do desenvolvimento tão almejado pelos países latino-americanos. Sarlo, esclarece:

O inventor é um tipo social em todo o Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, mas encontra-lo na Argentina pode dar uma ideia da força cultural da modernização e, sobretudo, de seus mitos, implantados no país relativamente marginal e, sem dúvida, intelectualmente distante do impulso inovador que varria o Norte, ainda que não fosse insensível a uma ideologia que refutava o espiritualismo da elite cultural novecentista com outra ideologia, o “americanismo”, mais adequado ao que parecia desejável não só no mundo plebeu, mas no dos organizadores capitalistas e no dos fundadores de novos Estados como a Rússia soviética. (2005, p. 254). Não resta dúvida, de que a revista ao fazer a associação da imagem de Edison, logo no primeira edição, refletia a atmosfera da época. Porém, as ideias professadas não eram uma simples cópia do que se passava culturalmente no “Norte”. A publicação sempre enfatizou aos seus leitores o propósito de passar uma identidade própria, adequada aos anseios da sociedade argentina.

No levantamento e exame detalhado das capas não identificamos muitos autores das ilustrações. Das poucas assinaturas, algumas ficaram impossibilitadas de reconhecimento por estarem ilegíveis. Em certo sentido, a ausência de autoria, permite-nos afirmar que grande parte teve origem nas capas enviadas pelos leitores para o concurso promovido durante o primeiro ano de publicação. Ao todo, 210 trabalhos foram apresentados e três foram escolhidos pela banca examinadora composta por colaboradores da revista. O primeiro colocado teve a sua capa impressa na mesma edição em que foi publicado o resultado, cujo número era o comemorativo do primeiro aniversário. É interessante notar, que o segundo colocado foi justamente o diretor de artes, Roberto Serrano, que teve um certo número de capas publicadas. Os demais leitores tiveram o nome publicado e receberam o diploma de menção especial. Na divulgação do resultado do concurso, foi veiculada uma fotografia do mural (Figura 8) onde as capas foram expostas na sede da revista Hobby. Aparentemente, em um primeiro exame, não é possível visualizar as ilustrações, porém ao ampliarmos a imagem, conseguimos identificar várias capas que posteriormente foram publicadas. Notamos que o concurso disponibilizou

trabalhos de qualidade, produzidos com zelo, criatividade e em consonância com o programa que norteava a publicação, considerando o uso das ilustrações em muitos números.

FIGURA 8 – Fotografia do mural onde foram exibido as capas enviadas pelos leitores Fonte: Hobby, n. 12, jul. 1937

3. CIÊNCIA POPULAR ARGENTINA: UMA REVISTA DE DIVULGAÇÃO DE