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2. HOBBY: IDEIAS INTERESSANTES DE FÁCIL EXECUÇÃO PARA

2.3 Ciência como hobby; hobby como ciência

Um aspecto ainda pouco explorado e, aparentemente, deixado de lado nas discussões sobre popularização da ciência é o relativo ao papel das publicações sobre hobbies na promoção do conhecimento científico na sociedade. No período coberto pelo nosso estudo ocorreu a expansão do número de revistas, cujas temáticas versavam sobre atividades a serem desenvolvidas durante o tempo livre e, ao mesmo tempo, tivessem uma utilidade prática. Muitas dessas publicações buscavam aliar o prazer da recreação com o aprendizado de várias áreas do conhecimento. Seriam, por assim dizer, uma forma de educar e procuravam despertar o interesse do público por diversas razões, seja ela estética, apelo cultural, vocacional ou apenas curiosidade.

Como já foi dito, alguns hobbies necessitavam da aquisição de um corpo de conhecimento específico para a sua prática e, em alguns casos, incluem-se conteúdos próprios do campo científico. Neste caso, poderíamos caracterizar o

hobbista como como cientista amador? Sim, talvez. Aqueles que se dedicam no seu

tempo livre a um campo específico da ciência como a astronomia, a geologia, a química, a botânica ou a física podemos afirmar que são cientistas amadores. Contudo, alguns tipos de hobbies não podem ser rotulados como “científicos”, mas à ciência se conectam e combinam uma variedade de atividades e conhecimentos. Por exemplo, um hobbista dedicado a montar rádios, como observamos na revista

Hobby, é um estudante que utiliza livros e textos de referência, um eletricista, um

conhecedor de ferramentas e uma pessoa com habilidades para montagem de peças. O que percebemos é que a adoção de um hobby se constitui em mais um canal para a aquisição do conhecimento científico. O editorial da revista Hobby de 1940, deixou claro que, em seu programa. a ciência era um fator importante e de interesse dos leitores:

La realización de experimentos químicos, en más de una oportunidade, ha tentado a numerosos “hobbistas”. Iniciamos el estímulo de esta afición tratando através de diversos artículos ilustrativos y de enseñanza, todo lo que han menester saber quienes tengan espíritu de investigación y deseen franquear los primeiros peldaños para el conocimiento de tan interessante rama científica. Previamente, proporcionaremos las indicaciones necessárias para la instalación del pequeno laboratório que implique la menor inversión de dinero y luego, entraremos de lleno en las primeras sencillas experiências. (HOBBY, n. 51, out. 1940).

O editorial demonstra muito bem a relação entre hobby e ciência e as habilidades necessárias para começar a praticar “experimentos químicos”. Além do “espírito de investigação”, também assinalava a necessidade de aquisição e montagem de um laboratório, o que pressupõe ser indispensável possuir e/ou desenvolver habilidades técnicas para lidar com os aparatos e instrumentos. Todavia, tratava-se de oferecer a oportunidade de iniciação de um hobby para os interessados, visto que o texto passa a ideia de facilidade na apreensão do conteúdo por meio de publicação de artigos ilustrados e explicativos.

Num estudo dedicado a conhecer as características do cientista amador18, e valendo-se de diversas pesquisas e questionários aplicados nos EUA, durante os anos de 1939 e 1941, W. Stephen Thomas demonstrou que a maioria não conseguia dar uma resposta satisfatória quando questionada porque havia começado um

hobby. Frequentemente, desejavam combinar ciência em uma forma recreativa com

habilidades manuais. O autor ainda constatou que aproximadamente cinquenta por cento das pessoas entrevistadas tinham interesse em diferentes campos da ciência. Ele atribui à conexão e interação entre os hobbies, o fato de haver grande diversidade de interesses entre os seus praticantes. A fotografia, por exemplo, poderia ser um complemento para diversas atividades e utilizada na entomologia, no estudo dos pássaros, peixes, etc.

Estudo similar fizeram Root-Bernstein, Bernstein e Garnier (1995), em que utilizaram entrevistas realizadas com cientistas, no período entre 1958 e 1978, e constataram existir uma correlação entre determinados hobbies e os vários modos de pensar cientificamente. Apesar da maioria dos cientistas19 afirmarem ter praticado ou ainda

18 Thomas (1942), não faz a distinção entre os termos hobbista e cientista amador e, sobretudo,

prefere utilizar apenas a palavra amador.

19

Um dos cientistas entrevistados no ano de 1958, afirma que sempre teve interesse em hobbies e costumava construir aviões e coisas similares. Ele acreditava que o seu interesse pela ciência remontava à essas práticas quando jovem. Outro cientista descreveu como comprava e trabalhava com rádios antigos e, ao frequentar a faculdade, o conteúdo apresentado não era totalmente

praticarem algum hobby e explicitarem a sua importância como treinamento para as atividades profissionais, os autores chamam a atenção para a questão, frisando não haver qualquer evidência de o fato de engajar-se nessas atividades beneficiariam sua ciência. Entretanto, reforçam a necessidade de “uma educação que torne evidente as ligações específicas entre hobbies, habilidades e a ciência, que os cientistas descobriram por si mesmos20”(p.134).

Essas perspectivas contribuíram para melhor compreendermos o que estava implicado nas temáticas veiculadas pela revista Hobby e a própria concepção acerca do programa divulgado. O conjunto das edições da revista mostra, em seus artigos sobre hobbies, a forte contribuição para reforçar os valores da ciência. As posições tomadas pela direção da revista voltavam para a escolha de artigos que promovessem a criatividade, a valorização da experiência e do pensamento crítico, o despertar da curiosidade intelectual, as habilidades de concentração, a disciplina, a contribuição entre os pares, a ética e a imparcialidade, habilidades diretamente ligadas ao “fazer científico”, e porque não mencionar, relacionadas também ao mundo do trabalho.

Na edição de agosto de 1945, o diretor da revista pregava os benefícios de formação de clubes de hobbistas e estimulava a “jóvenes que tienem predilección por matérias o especialidades teóricas, científicas o literárias” a formar grupos para cultivar a amizade e compartilhar dos “muchos conhecimentos que son aportados por los sócios más capacitados” (p.3). O discurso desse editorial foi reproduzido várias vezes e é possível notar a ênfase dada à capacidade dos clubes de difundirem o conhecimento científico, bem como de incentivarem a amizade.

Como aponta Gelber (1995, p. 747), nas primeiras décadas do século XX, para além da crença de que os hobbies fomentavam a amizade, havia a percepção clara de que tais amizades transcendiam classes sociais e fronteiras e, por isso, tinham o caráter democrático. Da mesma maneira, essas representações poderiam ser atribuídas à ciência. Uma explicação possível para isso, centra-se na noção de que as representações sociais são produzidas e compartilhadas dentro de determinado contexto (CHARTIER, 1999). Considerando a produção e circulação do novidade.

20

“(...) an education that makes apparent the specific connections between hobbies, skills, and science that the successful scientists discovered for themselves.

conhecimento como parte de um mesmo projeto cultural, é natural que valores e discursos sejam mútuos.