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5. CIÊNCIA POPULAR: UMA REVISTA, DUAS EDIÇÕES

5.14 Ciência em revista

Nossa proposta neste capítulo foi mostrar como duas revistas de divulgação científica brasileiras, Ciência Popular e Ciência Ilustrada, foram concebidas. Verificamos as principais características e as mudanças ocorridas durante o período de publicação. Diante de duas propostas editoriais distintas, foi possível observar que no pós-guerra o cenário cultural permitiu a consolidação das revistas no mercado. Por outro lado, a primeira edição da Sciência Popular, lançada no ano de 1929, não conseguiu a aceitação do público e a sua duração não passou dez

números. A conjuntura político-social do período não favoreceu as iniciativas de divulgação científica, uma vez que o arrefecimento das atividades ocorrida no início da década de 1920 já se encontrava em declínio.

Procuramos destacar a trajetória dos editores e compreender a concepção de ciência e divulgação cientifica em cada periódico. Enquanto Ciência Ilustrada parecia não possuir um projeto editorial definido, Ciência Popular, apesar da grande variedade de artigos e seções, buscou manter a mesma proposta delineada na primeira edição.

Os dois periódicos demonstraram uma visão positiva da ciência e reforçaram a ideia de que somente promovendo uma cultura científica na sociedade, o país alcançaria o desenvolvimento e progresso almejado. Ciência Ilustrada ainda frisou a necessidade de capacitar os jovens para indústria, bem como despertar vocações para a ciência.

TERCEIRA PARTE

6. AMIGOS LEITORES: TODA PERGUNTA TEM RESPOSTA

O processo de formação da cultura científica na sociedade envolve compreender como os conhecimentos científicos foram apropriados. No caso dos periódicos, os leitores fazem parte desse processo, na medida em que interagem com as publicações dando sugestões, solicitando temas e informações, e tecendo opiniões sobre diversos assuntos. Entendemos que a formação do leitor se constrói de acordo com as condições históricas de cada época refletindo as relações sociais com suas contradições e singularidades. Por isso, conhecer os leitores dos periódicos contribui para a compreensão dos valores circunscritos ao processo de produção e circulação do conhecimento como demonstram Lajolo e Zilberman (1996, p.14),

Se não podemos escrever a biografia do leitor, temos condições de narrar sua história, que começou com a expansão da imprensa e desenvolveu-se graças à ampliação do mercado de livros, à difusão da escola, à alfabetização em massa das populações urbanas, à valorização da família e da privacidade doméstica e à emergência da ideia de lazer. Ser leitor, papel que, enquanto pessoa física, exercemos, é função social, para a qual se canalizam as ações individuais, esforços coletivos e necessidades econômicas.

A formação do público leitor é uma atividade afetada por diferentes aspectos, sejam eles editoriais, culturais, políticos ou econômicos. Como resultado da associação destes fatores, ocorre um processo dinâmico de relações entre as propostas editoriais e os leitores. Dessa forma, é possível afirmar que as publicações e as relações estabelecidas com o seu público-leitor não são estáticas e tampouco unívocas, ou seja, elas refletem as diferentes concepções sociais do período. Todavia, não cessam aí a pluralidade de relações possíveis que os periódicos podem apresentar. Com o objetivo de alcançar o maior número de leitores, as publicações buscam incorporar o que pode ser mais atraente em termos de conteúdo e forma. Dentro desse processo, enquanto as editoras criam estratégias de publicação, os leitores produzem as suas maneiras de ler e de apropriarem-se de saberes e com isto, definem caminhos, “assumem o comando, dão significado às obras e as inventam com suas próprias expectativas” Chartier (2007, p. 31). Em

ambos os casos, tanto leitores, quanto editores devem ser compreendidos dentro de um contexto mais amplo, marcado pelas interações e trocas culturais.

É nessa perspectiva que voltamos nossa atenção a um dos elementos tradicionais nas publicações periódicas que são as seções de cartas. A presença de uma seção de correspondência pretende a construção e o fortalecimento de uma “comunidade de leitores”. Compreende-se a expressão tal como Chartier (1998) a concebe, ou seja, como determinado grupo compartilha hábitos, interesses, expectativas, normas, modelos e usos relacionados à cultura da escrita e da leitura. Em um cenário de surgimento de novas publicações em área ainda pouco explorada, como a de divulgação científica, era necessário estimular e fomentar o interesse de parcela da população para a leitura dos conteúdos veiculados. Algumas dessas estratégias e iniciativas podem ser observadas ao longo das publicações, como mencionamos nos capítulos anteriores. As cartas também cumprem o papel de construção da identidade dos leitores, uma vez que dão sentido e revelam o significado às leituras efetuadas.

O que podemos fazer na história da leitura [e da escrita] não é restituir a leitura [ou a escrita] de cada leitor do passado ou do presente, como se tratássemos de chegar à leitura do primeiro dia do mundo, mas sim, organizar modelos de leitura [e escrita] que correspondam a uma dada configuração histórica em uma comunidade particular de interpretação. Desta maneira, não se consegue reconstruir a leitura [ou a escrita], mas descrever as condições compartilhadas que a definem, e a partir das quais o leitor pode produzir esta criação de sentido que está presente em cada leitura [ou escrita] (CHARTIER, 2001, p. 33).

O principal objetivo deste capítulo é destacar como os leitores participaram da formação de uma cultura científica nas sociedades brasileira e argentina através dos sentidos atribuídos as cartas e à sua leitura por parte dos editores dos periódicos. Nas cartas e respectivas respostas encontram-se as ideias e anseios referentes às publicações e à difusão de saberes científicos e técnicos. Elas mostram que existe uma dinâmica própria na imprensa periódica de divulgação científica que ao mesmo tempo em que forjavam e delineavam comportamentos na sociedade, também por ela eram influenciadas. Em suma, conhecer os leitores sob a luz da análise comparativa, possibilita-nos explorar os meandros sutis dos modos de circulação do conhecimento científico, perceber as contradições e transformações sociais e, sobretudo, o processo de apropriação ocorrido.

O capítulo está estruturado em três partes. Na primeira parte, traçamos o perfil dos leitores das revistas argentinas com o objetivo de levantar aspectos para, numa

perspectiva comparativa, buscar similaridades com os leitores brasileiros, cuja análise é apresentada na segunda parte. Na terceira, analisamos os interesses dos leitores pelo conhecimento científico e os seus modos de ver a ciência, destacando, também, os traços comuns de cada cenário editorial.