• Nenhum resultado encontrado

5. CIÊNCIA POPULAR: UMA REVISTA, DUAS EDIÇÕES

6.3 Leitores brasileiros de ciência

6.3.1 Conversando sobre ciência com os leitores

As revistas de divulgação científica no Brasil, como na Argentina, tinham em comum, dentre outras coisas, o objetivo de buscar formas de interação com os leitores. A associação dos leitores brasileiros com as publicações era feita, principalmente, na seção de cartas e, não ocorreu, como no caso das revistas argentinas, um contato pessoal através de conferências e visitas às oficinas montadas para testar os

projetos e as colaborações enviadas.

Alguns aspectos muito semelhantes são os concursos e o convite para envio de colaborações. Desde os primeiros números da Ciência Ilustrada, aparecem chamadas para motivar os leitores a contribuírem com a revista. Tal iniciativa pretendia ser um instrumento de diversificação de artigos a serem publicados, mas estimulava os leitores a construírem e a organizarem o próprio conhecimento na medida em que necessitavam fazer pesquisas e melhorar o projeto a ser publicado. A busca pelo conhecimento era visto como algo bom, necessário e deveria ser constante. As palavras de incentivo nas respostas publicadas na seção não deixam dúvida quanto ao caráter educativo e utilitário da revista.

A sua colaboração está um pouco fraca. Tente outra vez. Continue mandando coisas novas que ficaremos gratos. (CI, fev. 1948, n.7, p.32). A sua colaboração não pode ser publicada porque veio escrita dos 2 lados do papel e desenhos feitos a lápis.

A colaboração está boa, somente os desenhos não puderam ser aproveitados devido não estarem feitos a “nanquin”. (CI, jan. 1948, n.6, p.32).

As suas colaborações não servem devido não se adaptarem à nossa revista. (CI, dez. 1949, n.2, p.54).

Essas breves respostas do editor revela-nos o mecanismo de aceitação dos trabalhos. O envio de colaborações estava vinculado a uma série de instruções destinadas a compor um padrão para fins de publicação. Não bastava escrever e apresentar o projeto, era necessário que o conteúdo fosse adequado ao programa da revista e apresentasse um nível de acordo com os artigos por ela veiculados. O leitor-colaborador já deveria ser educado, cientificamente, para poder acompanhar e contribuir com a revista. Mesmo que o desenho do projeto não estivesse pronto para publicação, as informações deveriam estar corretas. A questão da necessidade do leitor-colaborador possuir um conhecimento prévio, como observado nas revistas argentinas, também está presente nas publicações brasileiras.

Questionado por um leitor, a respeito de artigos que lhe pareciam incompreensíveis, o editor responde:

Sim, Ciência Ilustrada publica artigos que podem ser chamados de incompreensíveis, mas apenas para os absolutamente leigos na matéria. Seria inconcebível que nós iniciássemos um artigo sobre eletricidade, por exemplo, explicando o que é amperagem e voltagem. A maioria de nossos leitores possuem essas noções básicas e estão satisfeitos com a direção e organização das diversas seções da revista (CI, nov. 1948, n. 4, p. 62). Para a revista, divulgar ciência e tecnologia ia além de passar conceitos básicos os

quais pressupõem um aprendizado anterior, que poderia ter ocorrido na escola ou em cursos. É a possibilidade de aplicação e ampliação daquele conhecimento em “coisas práticas” e na capacidade de relacioná-lo com o contexto social, político e econômico.

Comprovando a preocupação com estas mudanças, encontramos dentre as correspondências, algumas instituições escolares120, solicitando a assinatura da revista para compor o acervo de suas bibliotecas. Seria simplismo apontar o interesse de uma mudança no processo de ensino, apenas, pela avaliação da seção de cartas. Contudo, a análise dos editoriais e do conjunto de artigos direciona para o entendimento de uma relação de reforço mútuo entre a escola e a popularização da ciência na sociedade.

Como discutimos anteriormente, as ideias em circulação a respeito dos motivos para “vulgarizar e popularizar a ciência”, com o objetivo de formar uma “cultura científica” na sociedade, ganharam força nos anos 1920 e 1930 nas Américas e Europa. No Brasil, um dos textos mais citados é o de autoria de Manoel Ozorio de Almeida,

Vulgarização do Saber, publicado em 1931, no qual ele apresenta os argumentos a

favor da divulgação do conhecimento científico na sociedade brasileira. Membro atuante do grupo de intelectuais e cientistas participantes do movimento de intensificação das atividades de divulgação científica nos anos 1920, Almeida, teve papel significativo na divulgação da ciência e no processo de conscientização da comunidade científica sobre a sua importância para a sociedade (MASSARNI; MOREIRA, 2004).

No texto de Almeida (1931), identificamos algumas similaridades e diferenças em comparação aos argumentos propostos por Gruenberg (1935). Vejamos o que diz Almeida:

A utilidade de pôr o grande público a par do movimento científico tem parecido duvidosa a muitos espíritos. O receio dos perigos que oferece a “meia ciência” é uma das principais objeções levantadas. Entretanto, esses perigos são mais imaginários que reais. Uma instrução popular bem orientada é feita de modo tal que não deixa dúvidas sobre a competência efetiva dos que a adquiriram. Não é difícil instruir sem deixar ilusão sobre os limites desse saber e sobre as possibilidades exatas que ele confere. Por outro lado, a vida moderna está cada vez mais dependente da ciência e cada vez mais impregnada dela. Não são só as pessoas cujas profissões reconhecidamente têm uma base científica, como a medicina ou a

120

engenharia, que têm interesse em estar mais ou menos em permanente contato com diferentes ciências. Hoje, todas as indústrias, a agricultura e um grande número de outras profissões sofrem uma evolução rápida, devido à introdução dos métodos e processos científicos. A técnica moderna evolui para um estado racional, muito mais preciso e de rendimento muito maior. A difusão científica traria como resultado a familiaridade de todos com as coisas da ciência e, sobretudo, uma confiança proveitosa nos métodos científicos, uma consciência esclarecida dos serviços que estes podem prestar.

(..) Essa difusão pode também exercer um papel importante no despertar de novas vocações. O contato constante com as coisas da ciência aguça a curiosidade e revela tendências que poderiam de outro modo permanecer para sempre ocultas. (1931, p.236).

O texto demonstra os benefícios da difusão da ciência e, sobretudo, como ela poderia melhorar a sociedade, principalmente nos seus aspectos econômicos. Ponto comum na matriz geradora do discurso da divulgação científica é a necessidade de despertar novas vocações. Todavia, nos parece que subjaz, predominantemente, no pensamento de Almeida, as vantagens que a divulgação científica traria para a própria ciência. Nesse sentido, Fonseca (2011, p. 40) reforça a nossa ideia:

A cultura científica que Almeida queria promover se referia ao conhecimento de como a ciência avança (ou poderia avançar, se alicerçada no espírito de finura daqueles dedicados à ciência pura), como também o reconhecimento social e governamental acerca da importância das instituições científicas (associações, laboratórios e institutos de pesquisa) e de seus papeis para o progresso da nação.

Certamente, a divulgação científica tem o papel de ampliar e consolidar a ciência na sociedade e é um aspecto inseparável do seu processo, como por exemplo, “a compreensão da função do cientista na sociedade” (GRUENBERG, 1935, p. 59). O que queremos chamar a atenção é a ausência de uma preocupação com o indivíduo em si e, as consequências do ponto de vista sociocultural.

⃰⃰⃰⃰ ⃰⃰ ⃰⃰

Retomando a análise da seção de cartas, constatamos que a predominância de correspondentes do sexo masculino ocorreu em todas as publicações. A que podemos atribuir a falta de interesse feminino nas revistas de divulgação científica, para além da sua ausência histórica no campo da ciência? Talvez o próprio contexto social do período no dê algumas pistas. Na sociedade brasileira, o discurso conservador da década de 1950 proclamava que o papel da mulher se restringia ao de esposa, mãe e dona de casa. A inserção da mulher no mercado de trabalho, apesar de crescente, não se comparava às oportunidades oferecidas aos homens. A

eles, cabia ser o chefe da família e provedor. Os rígidos padrões morais e de comportamento eram difundidos pelas revistas femininas, e apresentavam a figura de uma mulher dócil e voltada para o lar. Nesse contexto, havia um mercado editorial direcionado exclusivamente ao público feminino (BASSANEZI, 2004, p. 608- 609). É plausível supor que, para conquistar um número maior de leitoras de ciência, as revistas de divulgação científica deveriam veicular assuntos que se enquadrassem naquele perfil de mulher.