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As características principais do baile de corredor

3. O BAILE DE CORREDOR

3.1. As características principais do baile de corredor

Os bailes funk, em meados da década de 90, podiam ser divididos em três categorias: o baile normal, o baile de corredor ou de embate e o baile de comunidade, o qual será estudado no capítulo seguinte. Bailes de comunidade são em geral gratuitos, realizados em quadras, clubes e terrenos dentro das favelas ou bairros populares. Conforme visto no capítulo anterior, nesses bailes as brigas não são admitidas pelos traficantes.157 Já os bailes normais e os de corredor são pagos e ocorrem em clubes, escolas de samba e CIPES do subúrbio do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Contam geralmente com instalações precárias e área física incompatível com o número de frequentadores. A diferença entre o baile normal e o baile de corredor está no tempo e no espaço destinados ao confronto entre as galeras. Na maioria dos bailes normais, as brigas são vetadas. Há outras atrações, como sessões de músicas lentas, românticas e eróticas, shows de MCs e gincanas.

Na minoria dos bailes normais em que a briga é permitida, o tempo dela é limitado severamente pelos organizadores. Durante o evento, os seguranças reprimem qualquer esboço de briga, mas, quando o baile chega ao final, se afastam e ocorre o que se convencionou chamar de “quinze minutos de alegria”, momento em que temporariamente o baile fica dividido em dois territórios e as galeras se enfrentam em um “corredor”.

Já nos bailes de corredor, que são minoritários e sofreram a influência dos “quinze minutos de alegria”, a briga é a tônica da festa e é organizada pelas equipes de som e DJs. O espaço do baile é dividido em dois territórios, lado A e lado B, para que as galeras se confrontem abertamente. O corredor forma uma linha imaginária que separa amigos e inimigos e onde ficam seguranças que controlam a excitação excessiva. Ao contrário do baile comum, em que as galeras rivais convivem nos mesmos espaços, no baile de corredor nenhum membro dos territórios A e B se atreve a cruzar a fronteira marcada pelo corredor. Para evitar que isso aconteça, existem bares e banheiros localizados em ambos os lados.158

157 CUNHA, Olívia M. G. Bonde do mal. In: MAGGIE, Yvonne; REZENDE, Cláudia B. (org). Raça como

retórica: a construção da diferença. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 147-148.

158 HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip hop invadem a cena. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. p. 173-174; CECCHETTO, Fátima. “As galeras funk cariocas: entre o lúdico e o violento”. In: VIANNA, Hermano (Org.). Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: Editora da

Os bailes de corredor são, em sua grande maioria, realizados em territórios “neutros”, onde as galeras representam seus territórios de origem. O conflito, desta forma, é de domínio territorial e de afirmação geopolítica. Quanto mais distantes do seu território de origem, mais esses jovens se sentem frágeis e, por mais paradoxal que possa parecer, mais engajados em lutar por um lugar, pelo reconhecimento.159

De acordo com depoimentos de seus membros, algumas galeras vão aos bailes apenas para brigar, armadas de paus, correntes, pedras. Impedidas de levá-los para dentro dos clubes pelos seguranças, que fazem revistas rigorosas na entrada, esses instrumentos permanecem escondidos fora e são recuperados na saída, quando os conflitos se radicalizam.160 Muitas vezes, os embates regulados dos salões ficam fora de controle na saída dos bailes e as galeras, ainda eufóricas, dão continuidade às brigas com ainda mais violência: invadem edifícios, fazem barulho, promovem quebra-quebras e outros distúrbios nas ruas das proximidades. Por essa razão, os moradores das vizinhanças enxergam os bailes como sinônimo de confusão, violência, “reunião de desocupados”, e tentam encontrar uma forma de acabar com eles.

Os ônibus para transportar os jovens já são poucos e, com medo de depredações e confusões, os motoristas, conhecendo o horário do final dos principais bailes, mudam suas rotas ou se recusam a parar nos pontos onde a multidão que sai das festas se aglomera. Os frequentadores do baile têm que esperar horas para voltar de ônibus para casa, mas geralmente moram perto do local da festa e voltam andando em bandos para suas ruas.161 Pensando no risco do encontro de galeras rivais na saída dos bailes, vários clubes organizam o transporte para as galeras de diversas localidades. Os líderes de galera coordenam a evacuação do baile e sabem que qualquer briga naquele momento pode significar a perda do direito ao ônibus que os organizadores dos grandes bailes colocam à disposição.162

UFRJ, 1997. p. 99-100; DAYRELL, Juarez. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 128; ARCE, José Manuel Valenzuela. Vida de barro

duro: cultura popular juvenil e grafite. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. p. 106-107; VENTURA, Zuenir. Cidade partida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 121. O relato etnográfico de um baile comum em

Belo Horizonte pode ser encontrado em DAYRELL, Juarez, op. cit. p. 137 et seq. 159 HERSCHMANN, Micael, op. cit. p. 160-161.

160 GUIMARÃES, Eloísa. Escola, Galeras e Narcotráfico. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2003. p. 185. 161 RIBEIRO, Manoel. "Funk'n Rio: vilão ou big business?" In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional, n. 24. Ministério da Cultura, IPHAN, 1996. p. 288.

162 HERSCHMANN, Micael, op. cit. p. 142. Cf. um relato etnográfico do baile de corredor em Ibid. p. 134 et seq. Cf. o relato de Dudu Nobre dos problemas enfrentados pelas galeras nas saídas dos bailes em ESSINGER, Silvio. Batidão: uma história do funk. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 115-117.

Se as brigas não são resolvidas no baile ou em suas imediações, por causa da atuação dos seguranças ou da fuga dos grupos que se encontram em desvantagem, numérica ou instrumental, elas se transferem para outros espaços, como as escolas. As brigas são um importante instrumento na constituição das galeras e na preservação de sua existência.163 Elas podem surgir em contextos diversos, ocorrendo sempre que duas ou mais delas se encontram, mas a situação mais propícia à sua eclosão parece ser a dos bailes, pela possibilidade de reunião de grupos diferentes, quando qualquer ação ou, às vezes, a simples presença dos grupos inimigos pode desencadear o conflito.164 A esse respeito, destaca-se a seguinte jurisprudência, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

0019477-49.1996.8.19.0000 (1996.059.00999) - HABEAS CORPUS

DES. ALBANO MATTOS CORREA - Julgamento: 12/11/1996 - PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

“Considerando que o crime imputado aos dois primeiros acusados foi incluído no rol dos denominados crimes hediondos; considerando a repercussão e o clamor público provocado pelo evento criminoso, tendo o mesmo dado continuidade a outros crimes da mesma natureza e circunstâncias, pelas chamadas ‘galeras’ de baile funk, deixo de conceder liberdade aos dois primeiros acusados, como forma de garantir a ordem social e final julgamento, possibilitando eventual aplicação da norma penal” (...) “2-Trata-se de crime praticado dentro de um clube, em plena pista de dança, durante um baile funk que ali se realizava. Este foi mais um dos crimes ocorridos na região decorrentes de divergências entre as chamadas galeras”. A leitura atenta dos autos não traz à mente nenhum argumento favorável à soltura do Paciente.

0012390-81.1992.8.19.0000 (1992.059.00885) - HABEAS CORPUS

DES. PAULO GOMES DA SILVA FILHO - Julgamento: 01/12/1992 - PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

O Dr. Juiz de Direito não deixou de atender ao requisito da fundamentação, pois afirmou, no despacho impugnado, que os autos encerram informes ensejadores da imposição da custódia, necessária, “principalmente para garantia da ordem pública, vez que o acusado em liberdade pode vir novamente a maculá-la, como bem ressaltou o doutor Promotor de Justiça em sua promoção de fls. 43”. E em tal pronunciamento o representante do Ministério Público salientou que se cuida de acontecimento relacionado com disputa entre “gangs”. É de ver-se, portanto, que a essência da denegação do benefício reclamado, que não se pode ter como direito absoluto do réu, está na possibilidade de reeditar-se a prática ilícita, e isso o magistrado deixou bastante claro, servindo a invocação final do parecer do órgão acusador como simples respaldo para a assertiva, pelo fato de estarem envolvidos no fato jovens integrantes de grupos adversários, frequentadores dos chamados “bailes funks”, como advertem as informações. E são notórias e frequentes as badernas para as quais descambam tais reuniões, propícias a excessos.

163 GUIMARÃES, Eloísa, op. cit. p. 185.

0031275-31.2001.8.19.0000 (2001.050.02678) – APELAÇÃO

DES. MANOEL ALBERTO - Julgamento: 09/10/2001 - QUINTA CÂMARA CRIMINAL

Justifica-se a pequena exacerbação da pena-base quando o apelante ostenta antecedentes, afinal concretizada no mínimo legal pelo reconhecimento das atenuantes da menoridade relativa e da confissão espontânea. Substituição da pena privativa de liberdade. Defender-se de integrantes de galera rival de bailes funk, justificativa apresentada pelo apelante para andar armado, recomenda a imposição de sursis, e não a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Recurso a que se nega provimento.