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As competências discricionárias da ANP: a justificação das ações inovadoras da Agência

4 A POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL

4.4 A POSIÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO ENQUANTO RESPONSÁVEL

4.4.3 As competências discricionárias da ANP: a justificação das ações inovadoras da Agência

O poder discricionário é um fenômeno proveniente da especialização em funções pelos Poderes Estatais429. Ele se trata de uma especificidade garantida ao Poder Executivo em razão do exercício da função administrativa em seu papel de concretizador do interesse público430.

A concretização do interesse público somente pode ocorrer caso haja poder conferido à instituição para fazê-la acontecer. No Estado Democrático de Direito, apenas ordenamento jurídico é capaz de conceder poder a pessoas ou instituições para tanto. Quando isso é feito a concentração do poder, nomeado de competência431, faz torna o órgão administrativo apto a realizar atos executórios.

No ordenamento brasileiro a competência para a concretização do interesse público é conferido de duas maneiras, através de normas com conteúdo objetivo que permitem a sua mera execução pela Administração, ou por normas com caráter abstrato que necessitam da prática de um exercício de escolha subjetiva do agente para torna-lo concreto432, sendo ambas provenientes do ordenamento como um bloco unitário433.

O poder discricionário se ligaria, então, com esse segundo tipo de competência conferida, na qual o administrador recebe a prerrogativa de quando da prática de suas ações, o fazer através de uma liberdade de escolha em relação à conveniência, oportunidade e conteúdo das mesmas434.

429 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação Judicial da Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000. p.17-18.

430 O interesse público não deve ser entendido como um somatório de interesses individuais dos membros de uma sociedade, estes devendo ser resolvidos pelos próprios indivíduos, mas diriam respeito ao controle da força (a vis absoluta do poder) e o da condução eficiente da sociedade, o que abria espaço para o desenvolvimento conjugado das disciplinas gêmeas do poder, a política e o direito. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.

431 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.

432 A potestade regrada(vinculação à lei) ´que pode ser encarada como uma operação automática, apesar de ser analisada como regra, na verdade, raras vezes seria utilizada perante a necessidade de interpretação e avaliações para a adequação de uma norma ao caso concreto, enquanto a potestade discricionária (discricionariedade), tratada como exceção, em vistas da necessidade de uma atuação captadora das circunstâncias singulares que permitem a aplicação da norma passariam a ser vistas como corriqueiras na dinâmica da Administração. ENTERRIA, Eduardo Garcia de. FERNANDEZ, Tomás-Ramon. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1990. p.389-390.

433 Esse bloco unitário, também conhecido como bloco de legalidade, envolve o ordenamento como um todo sistêmico, formado pela Constituição, leis, regulamentos gerais e setoriais. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.141.

434 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação Judicial da Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p.92.

Dessa forma a discricionariedade seria presumida como um juízo subjetivo de valoração dos motivos e escolha do objeto dentro dos limites a ela conferido pelo ordenamento em vistas ao alcance do interesse público435.

Essa valoração diria respeito a: o juízo de oportunidade, o agir ou não agir, a liberdade de escolha entre os interesses públicos estabelecidos na norma jurídica, a forma introdutória do ato e a eleição da medida considerada idônea para satisfação da finalidade pública em face de um determinado fato concreto436.

Nestes termos, a função técnica da discricionariedade seria de uma acepção muito simples: integrar um ato abstrato no que seja necessário, em termos de interesse público, para que possa ser executado437. Assim sendo, a discricionariedade poderia ser vista como a qualidade da competência concedida por uma norma jurídica pertencente ao ordenamento à Administração Pública para integrar a definição de elementos essenciais à prática de atos de execução voltados ao atendimento de um interesse público específico438.

Essa liberdade discricionária, ou poder discricionário, garantido a administração se daria não em vista de um defeito da norma que conferiu a competência ao administrador, mas por causa do melhor preparo e aproximação do administrador a um determinado problema concreto439.

Localizada em um ambiente de interesse estratégico para nação, especialmente no que se refere ao abastecimento nacional de recursos energéticos, produção de utensílios e desenvolvimento tecnológico industrial, a Agência Nacional do Petróleo surge através do seu perfil de especialidade sobre o setor de exploração e produção do petróleo propondo uma estrutura de fomento440 para o mesmo.

Na Lei do Petróleo, Lei 9478/97, ficou estabelecida, uma coletividade de atribuições discricionárias a serem exercidas pela Agência quando da promoção da regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo441.

435 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 85

436 Ibdem. p. 85

437 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p.33

438 Ibdem. p.33

439 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação Judicial da Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p.93

440 Barroso, Luís Roberto. Apontamentos Sobre as Agências Reguladoras. In: MORAES, Alexandre (Org.). Agências Reguladoras. São Paulo: ed. Atlas, 2002. p.111.

441 BRASIL. Lei 9478 de 1997. Brasília: Casa Civil, 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm > Acesso em: 25 mar 2014.

Assim, pode-se notar a discricionariedade conferida à agência quando a ela é dado o poder de escolha das hipóteses possíveis de serem utilizadas a seus critérios de conveniência e oportunidade no que se refere a implementação da política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Trata-se de uma norma que permite, sem sombras de dúvida a liberdade do administrador em escolher como irá realiza-la. E mais, mesmo que a norma aponte que deva ser dada ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o território nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos, essas duas normas não limitam

as escolhas da agência sobre o seu “modus operandi”, apenas definem uma determinada

finalidade a ser buscada durante suas ações.

Assim, competências como promover o estudo das áreas a serem postas para contratação442, regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção petrolífera443, autorizar a prática das atividades da indústria444, fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo445, estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias para a atividade446, seriam exemplos de liberdades discricionárias conferidas pelo legislador à Agência para que ela pudesse adequar as especificidades técnicas dos casos práticos à orientação normativa contida no ordenamento.

Com sua atuação pautada exatamente pela ideia de dinâmica e especificidade técnica

aliada a um distanciamento de posicionamentos políticos que poderiam ser vistos como “a- técnicos”, a discricionariedade se torna o instrumento mais importante para a execução das

tarefas impostas por lei às Agências.

Acontece que essa liberdade de atuação da Administração deve ser observada através de lentes de severa limitação, pois se apenas a norma jurídica pode criar a competência

442 Art. 8º - II. “promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão ou contratação sob o

regime de partilha de produção das atividades de exploração, desenvolvimento e produção;” BRASIL. Lei 9478 de 1997. Brasília: Casa Civil, 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm > Acesso em: 25 mar 2014.

443 Art. 8º - III. “regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção petrolífera, visando ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases não-exclusivas.” BRASIL. Lei 9478 de 1997. Brasília: Casa Civil, 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm > Acesso em: 25 mar 2014.

444 Art. 8º - “V. autorizar a prática das atividades de refinação, liquefação, regaseificação, carregamento, processamento, tratamento, transporte, estocagem e acondicionamento”. BRASIL. Lei 9478 de 1997. Brasília: Casa Civil, 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm > Acesso em: 25 mar 2014.

445 Art. 8º - “IX. fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus

derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente” BRASIL. Lei 9478 de 1997. Brasília: Casa Civil,

2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm > Acesso em: 25 mar 2014.

446 Art. 8º - “X - estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino

e processamento.” BRASIL. Lei 9478 de 1997. Brasília: Casa Civil, 2014. Disponível em: <

discricionária a ser manejada pelo administrador, a ela o administrador deve obediência, estando impossibilitado o desbordo447.

Então há de se notar que a discricionariedade, apesar da corriqueira terminologia empregada, não se trata de uma liberdade pura, algo que seja entendida como uma faculdade extralegal, gerada de um poder originário da Administração, mas, sim, um caso de “remissão

legal” em que a norma se põe parcialmente, para completar suas condições de exercício, à uma

avaliação administrativa realizada caso a caso, ao mesmo tempo em que se procede o processo de sua aplicação448.

Nestes termos, a Agencia Reguladora estaria vinculada aos termos da legalidade449, devendo apenas conseguir estruturar de maneira prática, efetiva, aquilo que a lei propunha no âmbito do dever-ser, em prol da condução das atividades econômicas a resultados necessários ao bem comum450. Em outras palavras, tanto será impedido às Agências Reguladoras atuar em desrespeito às normas legais, quanto a elas também não é autorizado regulamentar matéria na qual inexista um conceito genérico previsto451.

Não haveria, com isso, discricionariedade á margem da norma estabelecida pelo ordenamento, ou em melhor dicção, só haveria discricionariedade em conformidade com a norma que a confere452. Não cabendo assim, a possibilidade de a Administração Pública criar normas através da discricionariedade.

Com isso, torna-se necessário analisar o universo discricionário através do qual a Agência Nacional do Petróleo desenvolveu a política de Conteúdo Local.

447 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação Judicial da Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000. p.46.

448 ENTERRIA, Eduardo Garcia de. FERNANDEZ, Tomás-Ramon. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1990. p.390.

449 Existe uma vertente do pensamento regulatório que entende que a regulação abrangeria toda a atividade normativa do Estado, inclusive a legiferante em seu sentido estrito, no entanto, essa é uma perspectiva do fenômeno regulatório que não garante muita segurança, uma vez que não se pode dizer que a agência reguladora poderia, em paralelo com o Estado, editar leis. NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e Planejamento: A criação do PRO- REG. In: Direito concorrencial e Regulação econômica. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2010. p.472.

450 NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e Planejamento: A criação do PRO-REG. In: Direito concorrencial e Regulação econômica. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2010. p.473.

451 MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: ed. Atlas, 2002. p. 22.

452 ENTERRIA, Eduardo Garcia de. FERNANDEZ, Tomás-Ramon. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1990. p.390.

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