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2.3 EM BUSCA DE COMUNIDADE

2.3.1 As Comunidades Intencionais

Comunidades intencionais são grupos de pessoas que escolheram viver juntas a partir de um propósito comum, trabalhando cooperativamente para criar um estilo de vida que reflita seus valores compartilhados. (KOZENY, 1995 / CHRISTIAN, 2003 / FELLOWSHIP FOR INTENTIONAL COMMUNITY, s.d). Cada uma tem suas próprias características, que variam de acordo com a sua localização, o número de membros, os objetivos, princípios e crenças do grupo, o estilo de governança, entre outros. É uma definição ampla, abrangendo uma enorme gama de iniciativas. Das comunidades religiosas (ashrams, monastérios) às estudantis, passando pelas comunidades hippies, Cohousings (moradias compartilhadas), Kibbutzim, Ecovilas, entre outras (CHRISTIAN, 2003).

Essas comunidades são hoje um fenômeno global, podendo ser encontradas, em suas várias formas, em quase todos os países. (OVED, 2013) Segundo Bill Metcalf, a primeira comunidade intencional seria Homakoeion, criada por Pitágoras por volta de 525 AC na região onde atualmente é o sul da Itália. (DAWSON, 2006; METCALF, 2012). Eram centenas de membros, inspirados por caminhos intelectuais e místicos que sonhavam em criar uma sociedade ideal. Os membros eram chamados homakooi „aqueles que se juntam para ouvir‟ e seu salão de assembléia, uma homakoeion, „um lugar para ouvir juntos‟. Eram unidos por práticas de cultos comuns, viviam e comiam juntos, partilhavam seus bens e tinham um profundo respeito pelos animais, tornando-se vegetarianos (KAHN, 2007). Sabemos pouco sobre sua forma de governança, visões comuns e ideais, a não ser a importância da numerologia (METCALF, 2012). Outro exemplo bem documentado diz respeito a Jesus e seus primeiros seguidores, que foram viver juntos em uma „comunidade de valores‟, adotando um estilo de vida simples e compartilhando o que tinham (KOZENY, 1995). Os monastérios cristãos permanecem atuantes até os dias de hoje, sendo uma das formas mais comuns de comunidades intencionais (METCALF, 2012).

As comunidades intencionais podem ser entendidas como experimentos sociais onde novas teorias e possibilidades são colocadas em prática. (MARQUES NETO, 2005). Os valores primordiais são a abertura a novas ideias, tolerância, igualdade, o compromisso de viver o que reflete seus ideais, a busca por mudar comportamentos e atitudes, além do interesse pelo crescimento pessoal, espiritualidade e cultura de paz. (KOZENY, 1995; OVED, 2013). São ambientes de suporte para desenvolver capacidades, para o crescimento pessoal e espiritual, além de satisfazer necessidades de segurança, cooperação, pertencimento, relacionamento e família (KOZENY, 1995/ CHRISTIAN, 2003). Segundo Kozeny, o propósito mais comum para se fundar uma comunidade intencional tem sido a espiritualidade ou a religião (incluem-se aí os centros de meditação, yoga, entre outros), embora atualmente haja um grande interesse pela ecologia (KOZENY, 1995), o uso de tecnologias de baixo impacto e a busca pela auto-suficiência. (OVED, 2013).

Diferente das comunidades tradicionais, com fortes vínculos de parentesco, as comunidades intencionais são formadas por pessoas de origens diversas, vindas, muitas vezes, de diferentes culturas, constituindo grupos bastante heterogêneos. O que as une é o propósito comum (KOZENY, 1995). Buscam reintroduzir os valores comunitários e acreditam que é possível viver de uma forma melhor. (KOZENY, 1995; CHRISTIAN, 2003; MILLER, 2013). O que a maioria tem em comum é idealismo. Geralmente, os ideais emergem de algo que os membros sentem falta na cultura dominante, buscando criar uma vida baseada nos princípios da amizade e da cooperação e tomando decisões de forma participativa (CHRISTIAN, 2003). A idéia não é um retorno a um período histórico idealizado mas distanciar-se desse modelo social que vem alimentando guerras crônicas, injustiça social e desequilíbrio ecológico (EISLER, 2008).

As comunidades intencionais desenvolveram historicamente estilos de vida modestos, em pequenos grupos coesos, caminhando para uma certa suficiência. (MELTZER, 2013). Relacionam-se de outras maneiras com o meio ambiente e vivenciam novos sistemas sociais, voltando-se para a sustentabilidade. Demonstram uma forma de organização da vida comunitária resiliente e relevante. (COATES, 2013) É importante ressaltar, entretanto, que nenhuma delas é perfeita. (KOZENY, 1995). Os membros trazem consigo os condicionamentos da cultura vigente. Os problemas da sociedade dominante (ego, inveja, desonestidade, poucas habilidades de comunicação,

falta de auto-estima, conflitos, ciúme, entre outros) também estão presentes nas comunidades intencionais. Somos parte dessa cultura e ela inevitavelmente nos afeta. (KOZENY, 1995; CHRISTIAN, 2003.) Não basta querer uma vida mais harmônica e integrada, para se viver de um forma melhor, em comunidade, é preciso criar novas maneiras de agir, novas atitudes, comportamentos e modos de relação (CHRISTIAN, 2003).

Uma contribuição da maior parte das comunidades intencionais é que seus membros estão ativamente procurando identificar os problemas e as lacunas existentes e buscando soluções, além de implementarem as novas descobertas em suas vidas diárias. (KOZENY, 1995; BANG, 2013). Os grupos estão, também, cada vez mais se conectando em rede para partilhar experiências, formando alianças e ganhando visibilidade e suporte. (KOZENY, 1995). A história confirma que esses experimentos sociais conduzem a diversas inovações sociais e tecnológicas que podem ser bastante úteis para outros segmentos. (KOZENY, 1995). Suas conquistas revelam novas formas de se viver junto. Seus fracassos mostram as limitações do modo atual de ser comunidade, de ser humano, que não são definitivas, e as questões a serem trabalhadas. Muitas vezes, o isolamento limita suas contribuições. Apesar disso, são laboratórios extremamente relevantes de outras formas possíveis de vida e relacionamento. (OVED, 2013).

A maior parte das críticas às comunidades intencionais deve-se ao fracasso de experimentos no passado, entretanto, os modelos contemporâneos evoluíram em diversos aspectos, entre eles, na crescente busca pela sustentabilidade ecológica e por novos arranjos econômicos, além de uma maior organização social. As Ecovilas vêm buscando equacionar, individualidade, privacidade e diversidade, de um lado, e envolvimento comunitário, coesão social e um propósito comum, de outro, tornando-se estruturas sociais extremamente adaptáveis que merecem uma investigação aprofundada (LOCKYER, 2010), conforme veremos na sessão abaixo.