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Capitalismo e a Crise Global – uma mudança é possível?

2.2 OS DILEMAS DO DESENVOLVIMENTO

2.2.12 Capitalismo e a Crise Global – uma mudança é possível?

O capitalismo se confunde com a modernidade e a crítica ao capitalismo é tão antiga quanto o próprio capitalismo. Critica-se a mercantilização de tudo, a dominação/opressão, a degradação ambiental, as crescentes desigualdades sociais. A falta de internalização das externalidades, isto é, a não valoração e não contabilização dos impactos sócio-ambientais negativos nos preços de bens e serviços, reforça a equação básica de maximização do lucro via redução dos custos de produção, mascarando a insustentabilidade do sistema ao transferir os custos para o social e fazendo com que o capitalismo continue parecendo „viável‟, mesmo frente a tamanha degradação.

Boltanski e Chiapello chamam a atenção para a „plasticidade do capitalismo‟ e sua capacidade não apenas de se manter, mas também de se expandir, através de mudanças, reconfigurando-se ao longo do tempo. Recordam sobre o conceito de Weber do „espírito do capitalismo‟ (WEBER, 1967), a ideologia que justifica o engajamento nesse modelo e que visa deixá-lo desejável. São argumentos e dispositivos que determinam valores, que justificam a sua existência. O „espírito do capitalismo‟ está submetido a algumas variáveis de acordo com o contexto e com o momento histórico. Sua fórmula básica - o que se mantêm ao longo dos anos - é a exigência de acumulação ilimitada (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 1999).

Existe uma fórmula excitante no capitalismo, de estimular prazeres, mas esse sistema traz em si contradições notáveis. Ao mesmo tempo em que possui alguns componentes estáveis, como o progresso tecnológico e econômico, e a eficácia de uma produção estimulada pela concorrência, sendo, em teoria, um regime favorável às liberdades individuais e políticas, o capitalismo é também „uma máquina de morte‟. (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 1999). O que vemos é a proliferação de armas físicas, químicas, nucleares e biológicas, a disseminação maciça de uma cultura de guerra, o

aumento da violência e das relações de dominação: da natureza, do outro e de tudo ao redor.

As críticas ao atual modelo sociopolítico-econômico são diversas. Para Bauman, sem meias palavras, o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não pode fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivência. (BAUMAN, 2010, p.8)

Estamos vivendo um momento de declínio do modo de vida capitalista. Resta saber se se trata apenas de uma reconfiguração, ou realmente de seu fim. O „hospedeiro‟ ao qual Bauman se refere é o planeta Terra, que atinge índices alarmantes de degradação, já comprometendo a possibilidade de vida de inúmeras espécies.

O capitalismo está em crise porque transforma tudo em mercadoria, mas existem coisas que não podemos comprar, como a felicidade, a paz, o amor e a própria vida. É preciso pensar em uma economia do suficiente, criar novos índices que não avaliem apenas o crescimento econômico, mas a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas, além dos aspectos ambientais. A exclusão faz parte da engrenagem atual, e a violência é uma consequência inevitável dessa exclusão. É fundamental substituir as questões atuais por outras. Não mais „quem eu devo ser‟ ou „o que preciso comprar‟, mas „do que realmente necessito‟. Torna-se necessária uma mudança de hábitos e da forma de ver o mundo, respaldada por uma nova ética, a ética do cuidado, para podermos garantir a vida no planeta a longo prazo (BOFF, 1999).

Antes havia crises localizadas, agora elas são globais, planetárias. Vivemos uma crise sistêmica: mudanças climáticas, perda da biodiversidade, dependência dos combustíveis fósseis, desigualdade social, violência, insegurança. A globalização, a ocidentalização e o modelo de desenvolvimento em curso, fazem parte da mesma engrenagem que produz uma pluralidade de crises, sendo a crise planetária mais marcante, a crise da humanidade (MORIN, 2011 apud IRVING, 2014).

Cabe lembrar que, na raiz dos problemas socioambientais, encontra-se a cisão histórica entre sociedade e natureza. Os atuais desafios ecológicos referem-se, em última análise, à própria produção da existência humana em novos contextos. Torna-se

necessário refletir acerca dessa racionalidade que não leva em consideração os limites ecológicos e valores culturais que sustentam o planeta. Guattaripropõe uma articulação ético-política (a qual denomina „Ecosofia‟) entre os três registros ecológicos: o ambiente, as relações sociais e a subjetividade humana, como resposta. (GUATTARI, 1990, pp. 8; 15). Sem dúvida, a discussão em torno da sustentabilidade envolve necessariamente “uma reflexão ética e política profunda”, “um sentido de cidadania planetária” (IRVING, 2014 p. 26).

A noção de sustentabilidade transcende o compromisso de preservação de recursos naturais e de um desenvolvimento em harmonia com a natureza e implica compromisso de equilíbrio de ser humano consigo mesmo, com o planeta e o universo, ou seja, com o próprio sentido de existência (GADOTTI 2008 apud IRVING, 2014 p. 31).

É necessário despertar o sentido de responsabilidade universal, uma vez que estamos todos interligados e que nada existe sem relação. O universo não é a soma das coisas que a ele pertencem, mas uma grande teia de relações. A degradação do planeta e do nosso tecido social nada mais é do que a degradação das possibilidades de vida no planeta. Em sua primeira visita ao Brasil, em 1992, sua santidade, o Dalai Lama afirmou:

Creio que para enfrentar o desafio de nossos tempos, os seres humanos terão que desenvolver um maior sentido de responsabilidade universal. Cada um de nós terá que aprender a trabalhar não apenas para si, sua família ou país, mas em benefício de toda a humanidade. A responsabilidade universal é a verdadeira chave para a sobrevivência. É crucial reconhecermos as incongruências da lógica atual, para rumarmos em outra direção, na direção de uma vida mais simples, e da ação coletiva para o cuidado dos bens comuns, do local para o global, ou universal. Felizmente, como nos provam os físicos modernos, o caos nunca é apenas destrutivo, é também, regenerativo. Precisamos despertar a nossa capacidade de regeneração, para assim reinventarmos nossa cultura e forma de vida.

Muito provavelmente em resposta a isso, nas últimas décadas vem sendo notado um número crescente de pessoas que se articulam em grupos, nos mais diversos contextos, procurando criar uma conectividade e um engajamento mais fortes com o mundo (YANKELOVICH, 1981 apud KIRBY, 2003). Trata-se de um desejo por relações interpessoais mais profundas e de um equilíbrio entre aspectos práticos e

subjetivos, o que se evidencia na busca por estilos de vida em que os valores comunitários, a relação com a natureza, o baixo consumo e o baixo impacto ambiental são predominantes. Esses grupos se multiplicam a olhos vistos, nos cenários rurais e urbanos, nos mais diversos países, revitalizando os laços comunitários, engajando-se em prol de uma mudança efetiva e consciente que gera qualidade de vida ao mesmo tempo em que busca preservar e regenerar o meio ambiente. São iniciativas coletivas, como a das Ecovilas, que operam em uma lógica distinta a da atual lógica capitalista, como veremos a seguir.

A atual crise civilizatória exige mudanças profundas que envolvem uma nova maneira de ver o mundo, de lidar com a natureza, além de novos valores que nos conectem a nossa humanidade. Nesse contexto, a ONU reconhece a busca da felicidade como um direito fundamental do indivíduo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011). A mera sobrevivência, e os aspectos puramente materiais vão sendo, aos poucos, substituídos por uma nova demanda, a de assegurar o direito não apenas à qualidade de vida, mas também à felicidade e ao bem-estar (IRVING, 2014). Esforços estão sendo feitos para integrar estes aspectos ao conceito de desenvolvimento (BÔLLA, 2012), buscando incentivar uma nova maneira de desenvolver-se.