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2.3 EM BUSCA DE COMUNIDADE

2.3.2 Ecovilas

Elas representam uma visão completamente nova de desenvolvimento, com diferentes fundamentos econômicos, usos de energia, estruturas sociais e valores daqueles da sociedade industrial. Ecovilas fornecem modelos para se viver próximos da terra e em comunidade uns com os outros. (NORBERG-HODGE, 2002 – tradução nossa).

O movimento das Ecovilas emerge globalmente como uma resposta consciente ao problema extremamente complexo de como mover a sociedade em direção a um modelo de vida sustentável. (KIRBY, 2004). Ele funciona como catalisador de uma mudança cultural, ética, ambiental, econômica, política e social, e aos poucos se torna a convergência de outros movimentos contemporâneos que também questionam o sistema atual e os valores da nossa sociedade (KOZENY, 1995), como os Movimentos de Permacultura, de Economia Solidária e da Transdisciplinaridade, entre outros.

Ecovilas são comunidades intencionais dedicadas a criar e demonstrar a sustentabilidade ecológica, econômica, social e espiritual. (CHIRAS; CHRISTIAN, 2003; KASPER, 2008). Buscam formas de vida mais humanas e integradas. (CHRISTIAN, 2003). A primeira definição consolidada de Ecovila surgiu em 1991, a partir de uma pesquisa de campo encomendada pela ONG dinamarquesa Gaia Trust, em que o casal Robert e Diane Gilman, então editores da Revista In Context, percorreram diversas iniciativas pelo mundo buscando identificar os exemplos mais relevantes no campo das comunidades sustentáveis. A pesquisa incluiu comunidades tradicionais, comunidades alternativas rurais e urbanas, projetos de Permacultura e Cohousing, entre outros, buscando relevar as melhores práticas a nível internacional. Não havia um projeto exemplar, mas um conjunto de iniciativas que esboçavam a visão de uma nova cultura, com um estilo de vida simples, comunitário e integrado com a natureza. O resultado da pesquisa revelou uma síntese dos aspectos em comum entre elas e os atributos que poderiam nos direcionar na transição para um modelo de vida sustentável. (DAWSON, 2006). No relatório, Ecovillages and Sustainable Communities, Ecovila é definida como:

assentamento de escala humana, multifuncional, no qual as atividades são integradas sem danificação ao mundo natural, de forma a apoiar o desenvolvimento humano saudável, podendo continuar num futuro indefinido. (GILMAN e GILMAN 1991 - tradução nossa).

A partir daí, representantes de algumas dessas comunidades começaram a se reunir para partilhar experiências e buscar estratégias para aprimorar e difundir o conceito e o modelo das Ecovilas. Em 1992, um outro relatório “Tecnologias para a

vida, tecnologias sustentáveis para Ecovilas” assinado por Michael Boddington, que

trabalhou com Schumacher, também foi instrumental para o desenvolvimento de tecnologias intermediárias que iam de encontro às necessidades das Ecovilas. Passados

alguns anos, os pioneiros do movimento estavam prontos para se lançar. (DAWSON, 2006). Em 1995, na Conferência Ecovilas e Comunidades Sustentáveis - modelos de vida para o Século XXI, realizada na comunidade de Findhorn (Escócia), foi criada a Rede Global de Ecovilas (GEN, em suas iniciais inglesas) e lançado mundialmente o conceito de Ecovilas (GREENBERG, 2013). De acordo com a GEN, Ecovilas são:

assentamentos humanos, rurais ou urbanos, que buscam a criação de modelos de vida sustentável. Surgem de acordo com as características de suas próprias bioregiões e englobam tipicamente quatro dimensões: a social, a ecológica, a econômica e a cultural, combinadas numa abordagem que estimula o desenvolvimento comunitário e pessoal. (GLOBAL ECOVILLAGE NETWORK, 1995, tradução nossa).

Dentre as prioridades das Ecovilas estão: a produção local e orgânica de alimentos; a utilização de sistemas de energia renováveis; construções de baixo impacto ambiental, priorizando o uso de materiais locais; sistemas de apoio social e familiar; cuidados com a saúde integral; diversidade cultural e espiritual; governança participativa; economia solidária; educação transdisciplinar holística e processos colaborativos de comunicação.

Diversas comunidades intencionais se atraíram pela proposta das Ecovilas e o movimento rapidamente se disseminou. (CHRISTIAN, 2003; SEVIER, 2008; ERGAS, 2010.) Algumas antigas comunidades precisaram adaptar aspectos na direção da sustentabilidade (passaram a construir com matérias ecológicos ou adicionaram novas formas de captação de energia) para se denominarem Ecovilas, (CHRISTIAN, 2003; WAGNER, 2012), como é o caso de Findhorn, na Escócia, principal estudo de caso desta pesquisa, enquanto outras apenas preservaram a sustentabilidade que sempre praticaram, caminhando na direção de uma melhor qualidade de vida. (KESSLER, 2008). Não é simples afirmar se uma comunidade é ou não uma Ecovila, uma vez que não existem critérios específicos (WAGNER, 2012), mas algumas características as distinguem das demais comunidades intencionais ou projetos ecológicos. São elas: a importância central da vida em comunidade; um conjunto de valores partilhados; o foco na sustentabilidade; a busca por recuperar o controle sobre os recurso de que necessitam, como alimento e energia; uma gestão compartilhada dos bens, além de serem iniciativas de indivíduos, apoiadas nos recursos e visões dos membros; e de atuarem, em sua maioria, como centros de treinamento e espaços de demonstração dessas novas

ferramentas e tecnologias sociais, ecológicas e econômicas (DAWSON, 2006; SEVIER, 2008).

A típica Ecovila não existe, sendo esta flexibilidade um fator de sucesso do movimento. Cada uma tem o seu visual e caráter próprios, de acordo com a localização, o clima, a cultura local, o tamanho do espaço, entre outros (SEVIER, 2008). Trata-se de um movimento repleto de diversidade, com experiências rurais, urbanas, em subúrbios, vizinhanças, presentes em todas as partes do mundo, incluindo culturas e climas variados. De tribos tradicionais à retrofits urbanos, projetos recém criados ou já estabelecidos. (JOSEPH; BATES, 2003; DAWSON, 2006). Ecovila é um processo, assim como uma visão (SIRNA, 2000). É um lugar para se viver, trabalhar e brincar, nascer e morrer, celebrar e comercializar serviços e produtos, além de incluir todos os aspectos de uma vida saudável. (GILMAN; GILMAN,1991). São experimentos em escala humana, onde é possível as pessoas conhecerem-se umas as outras (GILMAN; GILMAN, 1991; SIRNA, 2000) e influenciarem as decisões comunitárias. (CHRISTIAN, 2003). Não esperam por financiamentos, colocam a mão na massa. (JOSEPH; BATES, 2003). Uma Ecovila se propõe a prover casa, oportunidades de trabalho e de crescimento pessoal e espiritual, criando uma comunidade o mais auto- suficiente possível (GILMAN; GILMAN, 1991; CHRISTIAN, 2003).

O Conceito de Ecovila oferece, portanto, um único modelo, embora com múltiplas manifestações locais. No núcleo do conceito está a celebração da diversidade cultural, espiritual, ecológica e o impulso de se recriar comunidades humanas onde as pessoas possam redescobrir relações saudáveis e sustentáveis consigo mesmas, com a sociedade e o planeta. Vale ressaltar que saúde aqui não significa a ausência de doenças, mas sim “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” (também psíquico e espiritual), além de “um direito humano fundamental.” (DECLARAÇÃO DE ALMA- ATA, 1978, p.1).

O modelo das Ecovilas combina um contexto de apoio sócio-cultural com um estilo de vida de baixo impacto, ecologicamente sustentável, fomentando a educação e a saúde integral, através da implementação de sistemas participativos e justos. Cabe ressaltar que “mudar os modos de vida, de trabalho e de lazer tem um significativo impacto sobre a saúde”, sendo a saúde “o maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal”. (CARTA DE OTTAWA, 1986, p. 3 e 1 respectivamente).