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Desafios na Criação e Manutenção de Ecovilas e Outras Comunidades

2.3 EM BUSCA DE COMUNIDADE

2.3.6 Desafios na Criação e Manutenção de Ecovilas e Outras Comunidades

Muitos estão buscando mais comunidade em suas vidas, para sair desse modelo capitalista dominante de isolamento e alienação, mas as pesquisas mostram que 90% dos grupos fracassam na tentativa de implementar comunidades intencionais, sejam elas Ecovilas ou não. (CHRISTIAN, 2003). Muitas pessoas que buscam a vida em comunidade não procuraram investigar a história das comunidades intencionais, e é importante conhecer as experiências para não cair nos mesmos erros (METCALF, 2012). Há uma enorme diferença entre o sonho e a realidade. (KOZENY, 1995; JOSEPH; BATES, 2003). Além disso, a maior parte dos grupos não faz idéia da demanda necessária para se implementar um projeto como este. É preciso tempo, dedicação, planejamento e recursos financeiros, além de um grupo comprometido, com um propósito comum e uma visão clara. (CHRISTIAN, 2003) Fazer com que um grupo de pessoas chegue a um acordo sobre uma visão comum, tome decisões justas colaborativamente e some seus recursos financeiros para partilhar a posse de uma propriedade pode fazer emergir processos emocionais profundos. (CHRISTIAN, 2003). Por todos esses motivos, é de extrema importância que os grupos se capacitem, desenvolvam bons processos grupais, criem formas de resolução de conflitos e aprimorem suas habilidades de comunicação, caso queiram ver seus projetos prosperarem. (CHRISTIAN, 2003).

O casal Gilman, durante a pesquisa de campo realizada nos anos 90, para identificar os principais aspectos que poderiam direcionar as comunidades para caminhos sustentáveis, já elencaram diversos desafios na construção uma comunidade sustentável. Desde os desafios ecológicos, de preservar o meio ambiente, evitar impactos ambientais, buscar fontes de energia renováveis, reciclar e compostar o lixo, tratar as águas e produzir alimentos saudáveis; até os desafios econômicos, de criar uma economia local vibrante, capaz de gerar os recursos necessários para a implementação e manutenção da comunidade, sem explorar as pessoas ou o meio ambiente. Existem ainda, os desafios de governança, de se estabelecer efetivamente processos participativos e, antes disso, de se criar uma visão comum para o grupo. Sem contar as inúmeras mudanças necessárias para se adaptar a esta nova forma de se viver, que demanda tempo, recursos e planejamento. O motivo do fracasso de alguns grupos é

tentar fazer rápido demais, sem ter clareza do processo necessário à implantação de um projeto deste porte (GILMAN, 1991).

Ao longo dos anos, outros desafios, além dos acima mencionados, se evidenciaram no caminho dos Ecovileiros, como a dificuldade de encontrar terras acessíveis, compatíveis com o projeto, e de conseguir as permissões legais necessárias à construção (CHRISTIAN, 2003; SEVIER, 2008; KASPER, 2008). Muitos não conseguem levantar os recursos necessários, outros não chegam a acordos em relação a questões importantes. (CHRISTIAN, 2003). Conflitos emergem já na escolha da propriedade e junto com isso vem o stress pelo alto investimento e o medo de não dar conta da vida em comunidade. Estas são razões comuns para as pessoas desistirem logo no início da empreitada. (CHRISTIAN, 2003; KASPER, 2008). Há ainda os que implementam a comunidade mas não encontram residentes, ou não conseguem criar uma economia interna que possibilite a manutenção do projeto a longo prazo (KASPER, 2008). Uma comunidade, para ser viável, requer um certo número de membros capazes não só de dar conta das tarefas cotidianas, mas também para possibilitar o desenvolvimento de uma economia local forte. Apesar disso, a maior parte das iniciativas continua com um número pequeno de moradores, o que acaba se tornando um desafio para a sua manutenção. (KASPER, 2008). O número de moradores necessários vai depender do tamanho da propriedade e das atividades a serem empreendidas. Existem experiências com aproximadamente 20 pessoas, como é o caso de Terra Una (Brasil) ou Torri Superiori (Itália), assim como pequenas cidades, como Auroville (Índia) com cerca de 2.500 integrantes.

As questões financeiras têm sido também um desafio para a maioria dos grupos. (KASPER, 2008). Desenvolver economias fortes em pequena escala não é algo fácil e leva tempo. (TRAINER, 2000) Muitos precisam trabalhar fora para ter a renda necessária para sua sobrevivência, apesar de concordarem que o ideal seria ter oportunidades de trabalho no local, ou bem próximo (KASPER, 2008). Isso é mais simples de resolver nas comunidades urbanas, mas também pode levar a conflitos, uma vez que alguns vão achar que estão trabalhando mais pelo espaço comum, ou irão se ressentir pelo fato desses outros terem rendimentos maiores. Para minimizar esse tipo de questão, alguns grupos, como é o caso da Vila Yamagushi, em São Paulo, optaram pela criação de um caixa único para a comunidade, que recebe toda a verba gerada por cada

membro individualmente, e também advinda do trabalho coletivo. O grupo faz encontros diários, onde decidem juntos em que investir seus recursos, entre outros. Outro exemplo é o da Ecovila Piracanga, na Bahia, onde, independente das funções e tarefas que realizam, todos os membros recebem o mesmo pró-labore, e destinam 10% de cada retirada ao caixa comum da comunidade, criando assim, um fundo rotativo para alavancar os novos empreendimentos do grupo. Uma outra possibilidade é ter acordos claros definindo tarefas e remunerações, ou mesmo estabelecer o tempo que cada membro deve dedicar ao coletivo.

Nas comunidades urbanas, os principais desafios são o custo das propriedades e as questões legais. Existem muitas leis e regulamentações que fazem as inovações serem ilegais ou demandem muita burocracia. (KOZENY, 1995) Transformar espaços urbanos é geralmente mais difícil. (JOSEPH; BATES, 2003). As Ecovilas urbanas são normalmente adaptadas às construções já existentes, e não construídas. (SEVIER, 2008) A vantagem é que possibilitam aos membros continuarem integrados a suas vidas e trabalhos nas cidades, favorecem as trocas entre a comunidade e a cidade e recebem um maior número de visitantes, tornando-se mais vibrantes socialmente. (KASPER, 2008) Já nas regiões rurais, as propriedades são mais baratas e as regras de construção, menos rígidas. (KASPER, 2008). Geralmente as iniciativas adquirem um visual mais próximo ao sonho coletivo, uma vez que podem testar as diversas tecnologias ecológicas. Ao mesmo tempo, os desafios econômicos são maiores, devido ao isolamento/distância, e também por atraírem um número menor de membros. Mesmo assim, são as mais comuns, embora as cidades e subúrbios necessitem de experimentos inspiradores como estes por perto (TRAINER, 2000). No Brasil, grande parte das iniciativas estabeleceram-se em regiões rurais, enquanto os interessados advêm de contextos urbanos, fazendo com a adaptação à vida no campo seja mais um desafio.