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4.8 A GOVERNANÇA EM FINDHORN

4.8.6 Os desafios da governança em Findhorn

Os desafios da governança podem ser percebidos cotidianamente e são atribuídos a diversos fatores. Há os que reconhecem a governança como uma das fraquezas da comunidade, seja pelo porte ou pela complexidade da estrutura organizacional, pela falta de habilidades específicas no grupo, ou ainda, pela tentativa de construir um processo diferente, onde não há um único líder que dita regras e toma decisões sozinho, mas sim, a vontade de aprender a fazer de outra forma, em grupo.

O descontentamento em relação à gestão comunitária evidenciou-se em diversas entrevistas, conforme trechos a seguir. “Aqui em Findhorn temos reuniões intermináveis para tudo!” (Nota de campo – conversa com John); Não somos bons em governança nem em política. [...] Existem poucas pessoas com visão estratégica aqui. Oito, talvez dez” (Mel).

Acho que essa comunidade é muito disfuncional em termos de governança. Em parte porque é uma comunidade grande e diversa, o que foi uma das razões pelas quais eu vim para cá. Somos muito diversos em organizações: a Fundação é uma organização, o NFA é outra organização, existem outras ONG‟s, charities, negócios... e todas essas partes do corpo não se comunicam muito bem. Existem muitos departamentos, muitos níveis de tomada de decisão, e a comunicação entre os elementos geralmente não é efetiva. É disfuncional! E isso é uma frustração! (George)

Eu acho que aqui é particularmente mais difícil porque não temos uma estrutura hierárquica clara, onde um guru diz a todos o que fazer, ou um bom rei diz o que devemos fazer, ou temos morais e éticas claras e definidas que determinam, orientam o que cada um deve ser ou fazer. Somos muito abertos. Uma comunidade aberta a todas as tradições, todos os tipos de fé, qualquer um com boa vontade pode ser parte da comunidade. De fato, hoje, infelizmente, qualquer um que tenha dinheiro suficiente pode fazer parte da comunidade. Nos tornamos um pouco grandes demais, então qualquer um pode comprar uma casa aqui. Não há uma razão específica para virem, uma conexão real (Karl).

Cabe observar que quanto maior a comunidade, mais complexa se torna a estrutura de gestão, ao mesmo tempo em que a participação comunitária vai ficando mais restrita, passando a ser representativa em muitos momentos. O tamanho (escala) maior faz com que as pessoas deixem de ter vínculos diretos umas com as outras, dificultando os processos grupais e abrindo espaço para a convergência dos mais diversos interesses. Infelizmente, em Findhorn, assim como na sociedade hegemônica, o dinheiro continua sendo garantia de poder, como destaca outra entrevistada: “Uma grande parte do poder de tomada de decisão vive no mundo dos negócios.” (Mel)

A comunidade cresceu e diversos empreendimentos emergiram e se espalharam pelo Park e região, influenciando, direta ou indiretamente, os processos decisórios na Fundação Findhorn. Em alguns momentos, a voz de um membro, que também é responsável por um dos empreendimentos locais, acaba tendo um peso maior, uma vez que aquela decisão vai atrair mais recursos para a comunidade como um todo.

Outro desafio diz respeito ao número de pessoas envolvidas. O tamanho da comunidade e a forma como está estruturada a tornam bastante complexa. Não apenas é impraticável reunir cerca de 600 pessoas em cada encontro decisório, mas também manter vínculos com todos, ou seja, conhecer pessoalmente cada um dos envolvidos, saber da sua motivação para estar ali, entre outros. Tudo isso afeta diretamente o processo da governança, como relata George:

É parte da disfunção no nível da governança. [...] na escala da comunidade maior, sabe, não nos encontramos enquanto comunidade, não existem encontros da comunidade toda. Existem os encontros comunitários, mas aí vão 100 de 200/300 pessoas que moram aqui. Temos 500/600 no entorno, mas sabe, é difícil reunir 500/600 pessoas. Impossível! É impossível viver juntos.[...] Então, o processo decisório no nível da comunidade é realmente difícil. E geralmente leva muito tempo, muitos encontros, vários processos, muitos desentendimentos, indo e voltando na decisão. É um processo. Acho que é algo que poderíamos fazer muito melhor (George).

Não apenas a escala, mas a vontade de serem inclusivos faz com que os processos se tornem lentos. O que deveria servir para potencializar o coletivo, acaba por desestimulá-lo. A mudança do consenso para a sociocracia vem em busca de equacionar essas questões, tornando os processos decisórios mais ágeis e definindo os limites e as responsabilidades de cada círculo, uma vez que atualmente, embora haja vontade e

abertura para integrar outras perspectivas, a estrutura se mostra ineficiente, como se evidencia também no depoimento de uma das gestoras: “É difícil encontrar os limites de quem é responsável pelo quê. Os encontros são abertos para serem inclusivos, mas nem todos possuem todas as informações” (Marion).

Para que cada integrante da comunidade possa opinar a respeito das situações cotidianas que envolvem a gestão comunitária é preciso que as informações sejam acessíveis a todos, o que infelizmente não tem acontecido em Findhorn. Este é mais um dos motivos que levou o grupo a optar pela mudança do consenso para a sociocracia, uma vez que o modelo sociocrático envolve um cuidado maior em relação aos fluxos das informações e transparência nos processos.

Outro aspecto relevante a ser observado relaciona-se à estrutura, ainda hierárquica, de tomada de decisão, com um adendo: a grande maioria dos trustees, representantes legais e última instância nos processos decisórios relacionados à Fundação Findhorn, não moram na comunidade, estando desligados do processo cotidiano da vida comunitária. Alguns dos managers também não residem na Ecovila, mas na comunidade expandida. Todas essas questões são percebidas pela comunidade, gerando reações diversas. Há os que simplesmente observam: “A gestão está fora. As pessoas não moram lá, não estão lá no dia-a-dia. É um sistema complexo”. (Jenis) e os que analisam o impacto disso na vida comunitária: “Perdemos a capacidade de auto- regulação quando colocamos as decisões fora” (Cristopher). Na perspectiva desse antigo morador, também permacultor, atento aos ciclos e a vitalidade dos sistemas vivos, o fato da gestão não fazer parte do cotidiano da comunidade os priva da capacidade de auto- regulação, tão essencial quando se trata da construção de um estilo de vida e de uma cultura que possam ser perpetuados.

A partir da pesquisa de campo fica claro que todos esses aspectos precisam ser observados e equacionados para que o grupo possa seguir seu caminho na criação de um novo modelo de vida. Existem ainda outras questões mais subjetivas a serem investigadas, como aponta Karl, que vive a mais de 30 anos em Findhorn:

O problema é que temos muita visibilidade, muitos holofotes apontados pra cá. Temos que ser/parecer perfeitos. E na vida real não é assim. As pessoas erram, fazem coisas ruins, mas isso não pode aparecer. Então segue-se adiante e espera-se o tempo „apagar‟ [...] Um erro é que não avaliamos. Essa comunidade não revisa os processos. Como está a gestão

agora? Está lá nos documentos, mas não acontece. O problema não é que não foi pensado ou que não foi escrito, é que não é colocado em prática. Na prática, não acontece. Ao invés de parar e rever, tenta-se corrigir e seguir em frente. Fazem-se curativos. É preciso parar, olhar e mudar, e isso não se faz com „o carro andando‟. Tenta-se consertar, não realmente rever (Karl).

O excesso de visibilidade e o status de „mãe das Ecovilas‟ geram uma certa sobrecarga no grupo. Findhorn é um experimento, como muitos outros. Tem aspectos muito bem desenvolvidos e outros disfuncionais, que precisam ser aprimorados. Revisar os documentos do grupo e investir o tempo e a energia necessários para esses ajustes possam ser feitos torna-se uma demanda eminente no caminho da comunidade.

Vale ressaltar que as comunidades que conseguiram sobreviver aos anos iniciais possuem acordos claros e documentos que norteiam sua caminhada (CHRISTIAN, 2003). Findhorn é uma delas, embora as entrevistas nos mostrem que os documentos comunitários nem sempre são utilizados.

Como vimos, são muitos os desafios relacionados à gestão comunitária. Uma vantagem é que muitos desses desafios já estão sendo trabalhados pelo grupo. Em um grande encontro comunitário, que acontece duas vezes ao ano, onde é feita uma avaliação do processo da comunidade naquele período, a equipe de gestão reconheceu que „algumas estruturas não estão mais funcionando‟ e que chegou o momento de „mudar as coisas, não consertá-las‟ (Marion). E estão no momento, revendo o próprio propósito da Fundação Findhorn, buscando solucionar alguns de seus desafios atuais.