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Co-criação com a Natureza e o Divino: conexão com „algo maior‟

4.9 ESPIRITUALIDADE

4.9.5 Co-criação com a Natureza e o Divino: conexão com „algo maior‟

A espiritualidade e a co-criação com a natureza possuem um papel central na história de Findhorn. Dorothy Maclean descobriu, logo de início, o dom de se comunicar com os espíritos da natureza, os quais denominava Devas. Foi através dessa „guiança‟ que o cultivo de alimentos prosperou. Essa relação de parceria com a natureza e com os demais seres vivos é cultuada na comunidade, sendo uma de suas fortalezas.

Uma das especificidades de Findhorn é a dedicação profunda ao espírito/espiritual. Nossos fundadores enfatizavam: coloque o espírito antes de tudo. Temos uma vela no centro de cada círculo. É uma representação de colocar isso no centro da sua vida, de tudo o que faz. Essa dedicação forte ao espírito eles demonstravam através de suas vidas. Ao mesmo tempo em que começaram a viver aqui, veio a conexão com os espíritos da natureza, os Devas, através da habilidade de ouvir a Deus, ao espírito e quase que acidentalmente surgiu a possibilidade de comunhão com a natureza. Construíram então essa conexão com a natureza e a espiritualidade profunda. São duas coisas que, combinadas, não encontrei em muitos lugares e que ressoam profundamente em mim (Karl).

Aqui novamente evidencia-se o papel central da espiritualidade na vida comunitária de Findhorn, uma espiritualidade que possibilita a conexão com o Divino, com o sagrado, com a natureza e os demais seres vivos. Em minhas visitas à comunidade não ouvi falar muito a respeito dos Devas, a não ser quando os moradores contam a história do lugar. No dia-a-dia, é bem forte a presença dos Anjos. Os Anjos passaram a integrar o cotidiano da comunidade a partir da criação do Jogo da

Transformação, nos anos 70, um jogo de tabuleiro com foco no desenvolvimento

pessoal, criado por 2 membros para contribuir com a caminhada de auto-conhecimento em grupo. O jogo inclui diversas cartas, entre elas, as cartas dos Anjos, que acabaram ganhando vida própria na comunidade.

Ao chegar para participar de um dos cursos ou programas da Fundação, cada pessoa recebe um Anjo, que a acompanhará durante aquele período. Na perspectiva do grupo, esse Anjo traz uma qualidade que você está representando naquele momento, ou algo que precisa desenvolver. Quando cheguei à Findhorn para a pesquisa de campo, fui recebida e direcionada para uma das casas comunitárias que serve de hospedagem aos visitantes. Sobre minha cama estava o Anjo do Poder. Foi um convite a investigar essa qualidade, esse elemento. Durante as atividades comunitárias, também é comum tirarmos as cartas dos Anjos. Pode ser um para cada participante ou um só Anjo para todo o grupo.

A presença dos Anjos e a reverência ao sagrado pode ser percebida no dia-a-dia da comunidade, vista por muitos membros como um foco de luz.

[Findhorn] tem muitos níveis. A nível espiritual é um foco de luz, é um lugar onde a gente é dado espaço e a gente convida e a gente vive em relação com vários seres, então, de alguma forma, os Anjos são reais em Findhorn, os seres da natureza são reais em Findhorn. A gente reconhece isso. A gente permite essa dimensão de existir e a gente, de alguma forma, cultua essa dimensão de existir. [...] esse lugar mudou muito, tem história, tem magia, tem milagres, tem assim... espiritualmente não é uma historinha. Tudo isso existe e acredito que são realmente as pessoas que permitem uma coisa existir mais do que outra. (Milla)

Outro aspecto que me chamou a atenção durante a pesquisa de campo foi perceber que o cartão de visitas da comunidade vem com os dizeres: „Expect a Miracle‟ (em português: espere por um milagre). Essa crença é bem forte na comunidade que quando não tem respostas para alguma situação, deixa sempre o espaço aberto para que um milagre possa acontecer. Os milagres cotidianos foram relatados por alguns entrevistados, estando relacionados aos mais diversos aspectos da vida, geralmente trazendo uma solução pouco provável ou não imaginada, mas providencial, para uma determinada situação, como no exemplo abaixo:

Eu vim finalmente fazer o Ecovillage Training (Treinamento em Ecovilas) e foi assim transformador [...] vim para passar um mês e não tinha nenhum compromisso depois disso, mas também não tinha dinheiro, então a minha idéia de que para estar aqui precisa de ter muito dinheiro porque Findhorn custa, mas na verdade se o espírito de Findhorn abre as portas para você, tudo é possível. E eu realmente senti que o espírito de Findhorn abriu as portas para mim, porque no último dia do Ecovillage eu fui na meditação e eu senti essa guidance („guiança‟) que me disse: “seria legal se você ficasse mais!” e eu tava “ Yes! Claro adoraria ficar!” aí, assim, em dois dias toda uma historia aconteceu. Precisava de gente na cozinha. “Você quer trabalhar na cozinha?” a gente... eu falei: “sim, eu adoraria mas não tenho dinheiro.” Eles falaram: “não, a gente está precisando, então a gente ajuda.” Então no fim, em uma semana eu consegui... hamm, assim, nos dias finais do meu Ecovillage Training eu consegui uma parceria com a Fundação e eles me pagaram para fazer o meu LCG que é o Living in Community Guest, para que eu pudesse... é um programa transitório para poder trabalhar na Fundação. Então eu lembro que assim, no „attunement‟ normalmente por mês é ao redor de 300 a 400 pounds. Eu lembro que eu paguei tudo o que eu tinha, era 70 pounds, e assim, eu paguei tudo o que eu tinha e tive fé e depois disso eu acabei ficando 6 meses [...] eu senti que Findhorn abriu as portas pra mim, mesmo sem ter dinheiro, e aqui a gente fala que os milagres são possíveis quando você está alinhado. E ai foi perfeito, porque eu pude estar aqui (Milla).

Fica claro que, em Findhorn, cada acontecimento é visto como parte de algo maior, cada ação é, na verdade, uma cooperação com o todo, com a teia da vida

(CAPRA, 1997). Pelo que pude perceber, essa crença de que o inesperado pode acontecer a qualquer momento, gera uma tranquilidade nos membros, no sentido de não precisarem ter todas as respostas ou soluções. Não é necessário fazer tudo sozinho. Faça a sua parte e a vida se desdobrará. Basta estar aberto e alinhado, disponível para escutar e perceber. Nas situações mais difíceis, espere por um milagre!

Figuras 54 e 55: „Cartão de Visitas‟ Findhorn (frente e verso). Fotos: Taisa Mattos