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CAPÍTULO VIII: OPÇÃO PELO SERTÃO E LUTA PELA CIDADANIA

1. Apresentação de Leôncio Manoel de Andrade

5.1. A participação nos movimentos

5.2.1. As condições climáticas: o semi-árido

Como já vimos, o clima semi-árido marca a vida do sertanejo e Leôncio e sua família não escapam desta realidade “...a gente vive né, uma vida também que não é fácil, nossa região é uma região carente de chuva, muito seca como também se fosse com chuva eu acho que era uma região muito boa de se morar, é bom de se morar por um lado, mas tem suas dificuldades...” (HV, 03). E deixa transparecer que a seca está presente em tudo: “...mas se tem um ano bom de chuva tem dois que a gente passa dificuldade né, dificuldade financeira, a coisa não é fácil pra quem é pai de família, cuidar de sua família direitinho, fazer tudo pelo filho pra ver se não falta nada, não é fácil não você tem que rebolar mesmo...” (HV, 03).

A alimentação na infância e na juventude de Leôncio também sofreu as consequências da seca “...passamos uma vida meio amarga, porque as coisas antigamente não eram fáceis,... e as coisas muito difíceis... a gente trabalhar e comia muito feijão puro...” (HV, 01). E até quando volta de São Paulo para ficar um tempo antes de retornar, já adulto, “...passei dois anos aqui, até dois anos de grandeza, mas pra dizer que só o outro, só tinha feijão e farinha, tinha muito, agora outra coisa não tinha, não tinha como ganhar dinheiro, e eu optei por ir em São Paulo de novo...” (HV, 23). Diante de todo esse quadro de dificuldade na sua região, Leôncio decide voltar “...mas trabalhei lá três anos, Thierry, a questão financeira me ajudou muito, acabei comprando várias coisas aqui, lá não, terreno, roças, madeiras e coisas de casa e acabei quando foi em 90 eu optei por vir embora e só voltar (a São Paulo) por causa da precisão, mas não tinha mais plano de voltar, é de me afirmar aqui, né, e aí vim e não me arrependi não, tou aqui até hoje...” (HV, 23).

Ele enfrenta a realidade e explica “Eu pra chegar... a gente não tem muitas opções né, a gente começa a pegar pelo que vai, dependendo da ... a gente vai se agarrando, o que passa pela gente, a gente vai tentando né, não tem muitas opções não, mas conforme a vida vai levando a gente, a gente vai se apegando, se apegando e tendo conhecimento do mato e tendo gosto por outro e com todo gosto vai se viver por aí, né Thierry...” (HV, 29).

Enfrenta a profissão de agricultor novamente e as dificuldades não o desanimam completamente embora “... às vezes perde a animação né, você plantar pra perder a safra...” (HV, 19) porque afirma categoricamente “... mas, eu adoro trabalhar na roça, planto feijão, milho, mandioca, melancia, abóbora, estas coisas....” (HV, 19) e fica orgulhoso de poder dizer “...eu graças a Deus, na minha idade, acho que nunca comprei, nunca faltou...feijão e farinha, nunca faltou mesmo tendo dois anos que eu não tenho, mas eu tenho o suficiente para, até hoje, eu acho que sai da casa do meu pai e até hoje, eu acho que nunca comprei nem feijão nem farinha....” (HV, 19). Mas, surge o velho problema do agricultor “...agora o pior é a questão financeira porquê a roça quando, tem não dá dinheiro e quando não tem o cara não pode vender... aí pra você começar a dar diária, pra ganhar diária, e você às vezes tem que sair, aí você daqui a pouco não vai poder fazer a feira pra dentro de casa, né...” (HV, 19).

Leôncio escapa de ter de dar diárias fora “...porque eu tenho um motor de sisal, e eu tenho o sisal... só dava pra fazer a feirinha ...mas acabou de uns três meses pra cá, houve um salto bom (no preço do sisal)... e eu acabei tendo até um lucrinho aí no meu sisal...” (HV, 20). Este motor lhe dá uma certa folga porque tendo instalado ele na roça de outro “... tá sobrando até um dinheirinho...” (HV, 20) e lhe permite ser um tipo de empresário rural já que “... o bom do motor é que você dá ganho para oito ou dez pessoas...” (HV, 20) mas “... o ruim é quando o preço (do sisal) ta muito baixo, barato...” (HV, 20). Leôncio reconhece que é um privilegiado “... eu às vezes tenho essa facilidade, mas eu sei que tem muita gente que passa no apuro...” (HV, 20). Não é de se estranhar que nessas circunstâncias de dependência total do clima “...que tem um ano que tem, tem outro que não tem e no ano que você não pode vender, você precisa comprar uma

(HV, 20). Muitos sertanejos ficam á mercê de exploradores, sejam comerciantes, sejam políticos inescrupulosos ou se submetem a trabalhos de semi-escravidão por preços irrisórios.

Qual é, afinal de contas, a postura de Leôncio diante deste quadro negro da realidade nordestina ligada ao seu aspecto climatológico, tão influente e determinante na vida do homem e da mulher que lá vivem?

Além de percebermos que o narrador não faz parte, certamente, da camada mais desfavorecida da população de sua região, como ele mesmo afirmou, podemos observar que ele entendeu que a solução do semi-árido passa pela organização do povo em associações conscientes, mas, sobretudo, pela capacitação adequada e adaptada dos agricultores à realidade local, por isto, talvez valoriza tanto o projeto da EFA e coloca nele muita esperança e confiança, mais do que em qualquer outra coisa! Ele mesmo compreendeu que “... a Escola Família talvez fosse uma das esperanças de nos trazer talvez umas técnicas de melhoramento para nossa região, porque nossa região com poucas chuvas, se você não tiver técnicas para... pra você ter uma chuva num ano e passar mais um ou dois sem chuva, se você não tiver técnica até de criar ou de se trabalhar na roça, você não vai a lugar nenhum...” (HV, 31 e grade 1.3.2. i).

A convivência com a seca aparece para Leôncio como a única maneira de sobreviver dignamente na região e o papel da EFA é para ele fundamental neste sentido “...então pra mim como trabalhador rural, eu acho que é uma oportunidade e uma esperança também que a escola venha a nos ajudar né, que venha recurso para ter alguma técnica, que se tenha algum jeito de se aprender como se trabalha, como é que se cria hoje na nossa região, algumas técnicas que vem nos ajudar a criar e a produzir plantando e as vezes mesmo com pouca chuva se possa sobreviver nessa região, muito difícil como já falei da falta de chuva, mas se você não tiver técnica muito mais difícil fica, né...” (HV, 31 e grade 1.2.2. h).

E, coerente com aquilo que afirma, diz que “... tamos aí no curso, lá na escola...” (HV, 13) e acrescenta “...e agricultor aqui do município de Monte Santo, de Cansanção, de Itiúba, de Uauá e aí tamos aí no curso...” (HV, 13), justificando que “...os temas eu acho que é rico, é curso é de

dentro da nossa realidade né, é muito importante...” (HV, 13 e grade 1.3.2. c). E este curso, a exemplo de muitos outros, é organizado pela EFA e “...é de 10 sessões né, começou agora em março e vai até acho que é dezembro... são três dias né, começa no sábado e vai no domingo e na segunda- feira, foi no final de semana porque a gente é mais...” (HV, 13).

A militância de Leôncio em prol do projeto da EFA, fruto da compreensão que teve da necessidade de capacitação dos agricultores da região no que diz respeito à convivência com a seca, pode, na nossa opinião, ser interpretada como o desabrochar de um lento processo de passagem da heteroformação, recebida e acumulada ao longo de sua vida, para a autoformação, tendo passado pelo estágio da co-formação, transação entre as duas. Isto, afinal, é o objetivo do associativismo, o que tenta fazer.