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CAPÍTULO VIII: OPÇÃO PELO SERTÃO E LUTA PELA CIDADANIA

1. Apresentação de Leôncio Manoel de Andrade

4.2. As influências familiares: a filosofia de vida do pai

As influências familiares vão desempenhar um papel importante no desenrolar da vida do entrevistado. A Bioscopia nos revela o quanto esta influência familiar vai se repercutir sobre os vários fatores e as grandes ações que compõem a vida de Leôncio. Além disso, ao ler sua narração de vida, percebe-se nitidamente a grande admiração que o narrador nutre pela pessoa do pai: “Quanto à minha vida pessoal, eu sou uma pessoa que aprendi com meu pai...” (HV, 02) e nos faz compreender isto quando descreve enfaticamente alguns ensinamentos paternos que se tornam, sob certos ângulos, uma verdadeira filosofia de vida. Desde o início da narração vamos aprendendo assim com o genitor de Leôncio que “É bom primeiro respeitar os outros para os outros respeitar a gente né...” (HV, 02). E talvez o filho atribui ao pai a sua tendência para o bom relacionamento social que construiu no seu meio, dizendo “... tocar a vida, tocar a vida pra frente, então aprendi muito com meu pai. Meu pai é uma pessoa muito amigueira e eu também” (HV, 02). Até mesmo quando fala de como aprendeu a ler e escrever antes de ir pra escola municipal aos treze anos, Leôncio cita o pai “Isso foi na convivência com os outros, com os irmão né que era dos mais novos e meu pai também” (HV, 04).

O acontecimento como tal da influência familiar, centralizada na pessoa do pai, vai repercutir de maneira significativa na sua própria vida familiar e podemos interrogar-nos sobre a constatação de que Leôncio em nenhum momento de sua narração menciona a sua mãe. Talvez seja aí o reflexo da tradicional sociedade rural nordestina, baseada no patriarcado, onde o papel do homem é preponderante diante da mulher, na sombra do marido, mas afeita aos afazeres domésticos e mão forte nos trabalhos da roça. O próprio entrevistado acaba revelando a este respeito que a sua esposa questiona às vezes este estado de coisas, quando nos diz “às vezes minha mulher diz ‘às vezes deixa até de tá comigo para ta lá com os amigos’ eu digo é bom ta lá juntos com os amigos né, a gente se diverte, às vezes joga uma bola, depois você senta, toma uma cervejinha, eu adoro isto aí...” (HV, 02).

A família também está na base da formação escolar formal e não formal recebida por Leôncio na fase da infância e da adolescência. A inexistência de escola pública no povoado do Salgado, como na maioria dos povoados do sertão nordestino até um passado bem recente, faz com que o Leôncio só comece a freqüentar a escola formal aos 13 anos, mas “... foi muito pouco a escola que eu fui” (HV, 04). Deixemos a palavra com ele mesmo sobre este assunto: “... eu quando fui pra escola já estava com 13 anos e acabei estudando uns 3 ou 4 anos com este professor (municipal)... Uma coisa muito interessante nesta história é que eu era muito bom em matemática, quando fui pra escola eu já havia lido alguns livrinhos mesmo sem nunca ter ido pra escola, mas eu tinha aprendido a ler e escrever e contar, eu tava muito esperto nas contas...” (HV, 04). Como acontecia em muitos lugares do sertão naquele tempo, as famílias, diante da ausência total do poder público, tomavam a iniciativa, por conta própria, de convidar professores de fora e “dava aula em casa e às vezes vinha uma escolinha assim particular, pros outros mais velhos e outros nenhum ficava sem escola não, só que era escola muito assim uns dias, escola paga e acabava sendo assim, agora escola mesmo assim num prédio pra vir um professor assim que nem agora, foi só em 1976...” (HV, 05). E “Foi na convivência com os outros, com os irmãos né, que eu era dos mais novos e com meu pai também...” (HV, 04) que Leôncio chega na escola sabendo ler, escrever e fazer as contas “... e de certo, cara, depois de sete ou oito anos que a gente já vai né, os outros que vão para escola, que iam antes, aí a gente ia pegando...” (HV, 05). Também data daquela época o contato com a literatura popular que deduzimos ser a de cordel, veículo da cultura nordestina há décadas: “Aí também e naquele tempo o pessoal tem lá muito interesse, e nós se interessava em ter aqueles livros, não era de piada não, sei lá de quem era, e a gente se interessava, aí acabava aprendendo mesmo, assim livrinhos bem bom mesmo, sei que eram livros que falavam de Lampião, de assuntos assim, com poucas páginas, bem pequenininho, a gente pegava e quando era com duas horas já tinha lido” (HV, 05). Mesmo depois de ter terminado o ciclo na escola (4 anos), a família ainda lhe propicia alguma oportunidade “e depois eu tive ainda alguma escolinha particular...” (HV, 04).

E a autoformação dentro de tudo isto? Parece-nos que os acontecimentos que decorrem da influência familiar tais como os ensinamentos do pai, a formação formal escolar e não escolar, não formal e informal, o contato com a cultura popular vão gerar na vida de Leôncio ações

de uma convivência mais amiga. Os relatos do seu relacionamento tanto na região do sertão quanto em são Paulo são testemunhos disto:”... eu tenho amigos aqui dentro do povoado, dentro do povoado vizinho, tanto faz chegar na Tapera como na Engorda, como na Lagoa do Saco, onde eu chego pra mim que eu ta em casa, não tenho dificuldade...” (HV, 03) e quando organiza uma festa na Associação da qual é Presidente, para festejar o término da construção da sede: “ ... o povo se entusiasmaram, muita gente daí pra cá quando viram aquela festa tão bonita, aquele trabalho reconhecido, muita gente daí pra cá já entrou de sócio e paga em dia” (HV, 15 e 16), ou ainda na região quando fala, convicto, do valor do mutirão, citando o exemplo da construção da Escola Família Agrícola, da qual era, na época, tesoureiro: “... e aí os próprios alunos e os pais de toda a região, foi por mutirão, dois anos de mutirão, foi até construída, não toda, mas as primeiras construção né, hoje é uma coisa bonita porque a gente valoriza assim o que faz e valoriza o que tem, é como diz o ditado “tudo que a gente faz com o suor, tem que valorizar o que tem...” (HV, 16). Em São Paulo também reencontramos as mesmas características “... acho que São Paulo como experiência para a minha pessoa foi muito bom, amizade também é muito boa, trabalhei numa firma que tinha um grupo, todo mundo era amigo, até hoje mesmo muitas pessoas me telefonam e tem treze anos que eu saí de lá...” (HV, 26).

Uma ação concreta que decorre diretamente da sua formação formal e não formal, que a família lhe propiciou, e onde mencionou “...que era muito bom em matemática...” (HV, 04) é o fato dele assumir o cargo de Tesoureiro nas duas associações da qual participa da diretoria: “... e agora sou mesmo Tesoureiro né...” (HV, 02) e “... e aí naquela Assembléia saí como tesoureiro e fiquei por dois mandatos...” (HV, 09). E não são cargos de fachada não, porque ele descreve suas atividades: “... você também tem a questão financeira que é uma das coisas que leva tempo também né, na 6ª feira o tesoureiro mais o presidente, nós não pode perder porque além disto ainda tem o movimento de dinheiro... e você tem que tar atento toda hora né, e porque tem conta nossa no Banco do Brasil e é no Euclides da Cunha e ás vezes ir para Euclides já perde o dia né, pra você ir lá tirar um extrato, um talão de cheque...” (HV, 10).

Finalizando este ponto dentro dos itinerários de vida de Leôncio, citamos uma frase da sua narração que parece-nos a explicitação clara de que houve um processo de autoformação a partir

de acontecimentos que geraram ações: “ ... mas se você não tiver a prática, se você não for pra luta, você não tem experiência rica não...” (HV, 17)

4.3. A mudança no sistema de atendimento pastoral da igreja Católica e o trabalho do Pe