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CAPÍTULO VIII: OPÇÃO PELO SERTÃO E LUTA PELA CIDADANIA

1. Apresentação de Leôncio Manoel de Andrade

5.1. A participação nos movimentos

5.1.2. O trabalho como dirigente de associação

Leôncio aprendeu com o pai que “... às vezes era muito melhor ter amigo do que dinheiro né...” (HV, 02) e, de fato, ele se relaciona bem com as pessoas até o ponto de dizer que “... eu tenho muito orgulho do ser que sou e da amizade que eu tenho aqui no meu povoado e nos povoados vizinhos, onde eu ando, graças a Deus, tenho amigo, arrumo amigo...” (HV, 02). E afirmar “... eu acho que a minha virtude é eu, gosto muito de ter amigo... é uma das coisas que mais gosto é ter amizade, ter amigos...” (HV, 02 e grade 1.1.1. a). É claro que esta qualidade herdada do pai “meu pai é uma pessoa muito amigueira e eu também” (HV, 02) se torna valiosa no exercício das funções que desempenha como dirigente de Associação, seja como Presidente, Coordenador Geral ou Tesoureiro.

A definição que Leôncio nos dá de movimento e do papel deste em relação à pessoa humana, nos permite descobrir que ele valoriza o conceito de cidadania, outro trunfo importante para um dirigente associativo: “...eu acho que movimento, que diz que você, por exemplo, tem que ser uma pessoa humana, não é só tar na Igreja, mas você tem que ser uma pessoa humana, você tem que saber tratar, esses movimentos que mobiliza o povo para qualquer movimento social, político, sindical, todos esses movimentos, que é movimento do povo né, dos seus direito, que ensina a ter o conhecimento do que você tem direito ou não, como você deve agir dentro de seu...né, cobrar do poder Público, você tem de saber, dentro dos movimentos, como é que cobra, de que jeito...” (HV, 07 e grade 1.3.2. a).

Associativismo, é pra aprender cuidar das criações e manejo da terra e o curso é mais ou menos dentro da nossa realidade né, é muito importante...” (HV, 13 e grade 1.3.2. c).

Mas, invoca a falta de tempo para não enfrentar uns estudos mais formalizados: “...estudar eu tenho até vontade de estudar, mas agora o tempo... vontade tem, mas, a gente envolvido com estas coisas, muito trabalho, acaba sobrando uma carga e aí fica difícil de estudar, mas algum curso eu...” (HV, 13 e grade 1.3.1. b).

O cultivo da amizade, do bom relacionamento, a visão de cidadania, a vontade atualizar-se nos parecem ser amostras de que Leôncio busca a sua emancipação, a sua autonomia. A autoformação que o fez transformar oportunidades e acontecimentos de sua vida em novas formas de agir e dentro desse agir, dar o seu toque pessoal, nos permite afirmar que apropriou-se deste seu processo de formação, concretizando assim uma manifestação evidente de “empowerment”. Esta mesma constatação pode ser feita em relação à preocupação do dirigente Leôncio com o crescimento da EFA: “... e aí a preocupação também do futuro né, ... porque eu acho que ela ta crescendo, tamos querendo o segundo grau, e aí é que quanto mais cresce mais aumente e acaba aumentando muito mais o trabalho né,... hoje você vê construção e vendo o espaço que já tá pouco e vem dormitório que já tá pequeno, cama que falta e é muito...a coisa quanto mais cresce mais aperta né...” (HV, 11).

Mas, onde esta autoformação que se opera em Leôncio vai assumir um caráter mais evidente, vai ser na sua veemente defesa da partilha das responsabilidades que ele expressa da seguinte maneira: “... Coordenador Geral é que tem que fazer isto, tem que fazer aquilo, às vezes é obrigação dele, bota tudo, não é ele que tem que fazer, se a gente não tiver um contato, uma amizade com os outros pra você não tar ajudando nas tarefas, às vezes acaba você não por na cabeça dos outros diretores que se não for o grupo todo, se você for só esperar pelo presidente, pelo Coordenador Geral...” (HV, 11). Leôncio, ao nosso ver, atinge aqui um estágio em que se torna heteroformador de outros, ou seja, permite que outros tenham acesso ao processo de formação. Tendo se apropriado de um certo saber, recebido pelos seus próprios heteroformadores no percurso de sua vida “...andei muito né, Thierry, no mundo né... a convivência aqui, a própria,

(HV, 07 e grade 2.2.2. d) ele transmite, de maneira pessoal e não conformadora, criando assim oportunidades para que outros também se formem.

A dimensão afetiva na autoformação de Leôncio aparece claramente quando ele reconhece que “... talvez muitos frutos não foi mais, é assim mesmo, às vezes o pouquinho que a gente vai tendo, com suor, com força de vontade, a gente vai tendo com muito amor né, essas coisas vejo acontecendo assim e me sinto até meio realizado né, tenho ainda alguns, tenho muitos planos, né...” (HV, 29 e grade 1.1.2. c) e quando diz que “...eu mesmo como Coordenador Geral sinto orgulho do que tem lá hoje, é muito trabalho mas é assim mesmo... e eu acho que ta de parabéns, eu acho também né, pessoas comprometidas, muita gente comprometida que não tinha dó de perder dia não, de trabalhar, ali foi uma coisa interessante...” (HV, 16 e grade 1.1.1. c).

O sentimento de realização pessoal e de orgulho com o trabalho realizado como dirigente de associação pode indicar que na busca e realização de sua emancipação como pessoa, indivíduo, em relação ao movimento, Leôncio foi relativamente bem sucedido. Trata-se aqui de um processo de autoformação na ação.

Finalmente poderíamos interpretar também a alusão feita pelo biografado às pessoas comprometidas no trabalho como o reconhecimento de que esteja havendo uma co-formação através da colaboração recíproca, sendo que a co-formação é um misto de heteroformação e de autoformação: afinal, o “co” é aquilo que o mundo associativo tenta fazer. A co-formação é um meio de passar do hetero à autoformação e esta passagem não acontece de uma só vez, mas no movimento associativo pode acontecer, por exemplo, através da militância, ou mais concretamente, no caso específico que nos ocupa, através dos mutirões.