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Neste capítulo, passamos a analisar o elo entre a formação/autoformação e a participação no meio sócio-profissional a partir das entrevistas biográficas com os agricultores escolhidos. Tentaremos descobrí-lo nos dois sentidos: em que a autoformação os ajudou a participar e vice-versa, em que a participação os ajudou na sua autoformação. Este elo representa realmente o foco do nosso trabalho de pesquisa.

Afinal, o que extraímos de comparações e de diferenças em tudo isto? No fundo, trata-se de uma colocação em comum baseada na dialética que se joga no tempo – variedades – e nas andanças, ou seja, nos diferentes papéis desempenhados pelas pessoas entrevistadas. Qual é a sua evolução? Para análise desta dialética tínhamos à disposição o conjunto de documentos provenientes da análise e tratamento de dados, a saber, as narrações de vida, os itinerários de vida a partir das bioscopias, as análises interpretativas da formação/autoformação com suas respectivas grades. Fomos, então, extraindo e separando todos os pontos que nos pareciam ser relevantes nos dois sentidos citados acima e que representam o foco da pesquisa: a autoformação que leva à participação e vice-versa, para cada um dos dois biografados (ver tabela em anexo).

Uma primeira constatação que se impõe ao fazer este minucioso levantamento foi que, à primeira vista, foi relativamente mais fácil encontrar exemplos em que a participação levou à autoformação do que o contrário: pontos em que a autoformação levou à participação.

Esta constatação, todavia, pode repousar unicamente na diferença numérica entre os pontos nos dois sentidos, mas pode também deixar transparecer o lado conativo dos dois agricultores, o nível prático que se destacou no seu processo de formação/autoformação.

Chica não participa diretamente do surgimento e da criação da Escola Família Agrícola como tal. De fato, quando ela começa a ter mais contatos com a EFAs, foi através de Gilberto que “era um amigo, ele foi aluno da EFA e ele começou a criar o trabalho lá na comunidade” (HV, 08) e “aí eu ia para as assembléias da escola como representante da comunidade, mas foi através de Gilberto que comecei a participar da EFA” (HV, 08). A EFA já estava funcionando, porque Gilberto era aluno, quando a Chica começou o seu envolvimento nela. O fato interessante no caso de Chica é de constatar que só o fato de representar a comunidade nas assembléias da EFA, já traz responsabilidade: “e aí a gente fica naquela responsabilidade do desenvolvimento do aluno” (HV, 12). E nisto podemos perceber que o movimento vem participando da formação das pessoas: “...aí são coisas, são uma seqüência que a gente também começa a se envolver, a gente aprende muito porque não é só o aluno que aprende né, aí comecei mesmo a participar da EFA” (HV, 12). A participação na EFA, no caso de Chica, trouxe a formação, mas deslanchou também um envolvimento maior na comunidade: “...e aí comecei a participar muito, e aí, isto só foi crescer...” (HV, 08). Quando o aluno Gilberto teve que sair para estudar no espírito Santo, Chica afirma que “... aí eu continuei o trabalho na comunidade junto com outras pessoas...” (HV, 08) e “... também depois que ele saiu, a Associação (local) ficou formada, eu fiquei como tesoureiro da Associação... e a gente continuou, sempre unindo com o pessoal, fazendo tudo que era o trabalho da comunidade, de mobilização e a gente vendo também as coisas que necessitavam na comunidade” (HV, 09). Esta dialética que se instaura entre Chica, como atriz, e a EFA, como movimento, vai crescer ao longo dos anos e a participação vai trazendo formação à pessoa e vice- versa, a formação adquirida através do movimento alimenta a participação, o envolvimento da pessoa e o faz crescer, desenvolver. Esta dialética permite um fenômeno maior que ultrapassa de longe a pessoa em si e o movimento EFAs. Surge a partir desta troca, desta inter-relação pessoa/movimento, um terreno propício ao desenvolvimento das pessoas, do meio. É como um efeito “bola de neve”, uma coisa engendra a outra, ações concretas surgem. No caso de Chica, a luta com a Associação local para o transporte escolar e para a energia elétrica, ou, diretamente com a EFA e a Pastoral rural, a luta pela preservação ambiental como o movimento “basta ao reflorestamento”. É a Pedagogia da Participação funcionando através de atividades pedagógicas (as assembléias na EFA) e de ações coletivas através das lutas, das manifestações, dos mutirões, etc...

Leôncio participou diretamente da implantação e da criação de sua EFA, “Quando apareceu as primeiras pessoas aqui falando de Escola Família Agrícola, eu já não pensei duas vezes para entrar nesse movimento novo, né, que era uma novidade e acabei participando das reuniões, foi até o dia de ser fundada, a Escola é assim” (HV, 02).

No caso dele, a Pedagogia da Participação também funcionou. Começou com as atividades pedagógicas em si, que Leôncio comenta, dizendo: “As monitoras, a Ivone, mais a Nildes e o Edivaldo, e aí nós começamos os encontros né, marcavam encontros lá em Monte Santo e comecei a participar. Quando foi em dezembro de 97 foi a primeira Assembléia, a escolha da Diretoria da Associação e fundação da escola...” (HV, 09). Continuou com as ações coletivas a exemplo dos mutirões dos quais Leôncio se orgulha “Quando a coisa é bem trabalhada, bem feito né, e o trabalho de mutirão, o cara às vezes perde dias mas é coisa bonita o trabalho de mutirão, eu tiro lá pela Escola Família né, a Escola é construída (até hoje) por mutirão né, que a Associação não tinha dinheiro... e aí os próprios alunos e pais de toda a região, foi por mutirão, dois anos de mutirão... e hoje, é uma coisa bonita porque a gente valoriza assim o que faz e valoriza o que tem...” (HV, 16).

O movimento proporciona a Leôncio oportunidades de formação experiencial da qual ele se orgulha porque quando é reeleito, desta vez como Coordenador Geral da Associação da EFA (AREFASE): “... mas foi bom, foi e é ne, acho que tirando o muito trabalho, mas até me orgulho né, principalmente que as pessoas me respeitam, quando me elegem né, porque me consideram e acham que meu trabalho é bom, porque senão não me escolheriam e tamos aí, mas foi experiência boa...” (HV, 09). É uma clara manifestação de autorealização, conceito que, segundo Couceiro, é “próximo ou mesmo traduzindo o nosso conceito de autoformação” (Couceiro, 2000, p. 90). Trata-se aqui de um dos modelos de reconhecimento intersubjetivo sob a forma de solidariedade, citado por Axel Honneth, decorrendo do trabalho de Hegel, reformulado com a ajuda da psicologia social de Mead. “A terceira modalidade de reconhecimento intersubjetivo, para além do amor e do direito, tem a ver com o fato de que “os sujeitos humanos não somente precisam experimentar uma ligação de ordem afetiva e de um reconhecimento jurídico, eles também devem gozar de uma estima social que lhes permite se relacionar positivamente com