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CAPÍTULO II: FORMAÇÃO / AUTOFORMAÇÃO

2. Formação formal, informal ou experiencial e teoria tripolar

Formar-se, é reconhecer que nenhuma forma acabada existe a priori, que nos seria dada do exterior. Essa forma sempre inacabada depende da nossa ação. Sua construção é uma atividade permanente” (Pineau, 1983, p 113) e o mesmo autor afirma, citando Honoré, que a formação é vista como uma “função da evolução humana” (Honoré, in Pineau, 1983, p. 113)

“Essa função” continua Pineau “evoluiria e teria condições dialéticas de exercício. Ela seria exercida e pelo indivíduo (autoformação) e pela sociedade (heteroformação), mas segundo tempos e lugares diferentes. Seu primeiro exercício para as pessoas socialmente responsáveis desta função – os pais e os docentes – só desenvolveu formas heterônomas de formação: o ensino, a instrução, o meio familiar. É urgente descobrir a autonomização desta função pela autoformação” (Pineau, 1983, p. 113).

Em relação aos conceitos da formação e da autoformação, Couceiro, no primeiro capítulo de sua tese de Doutoramento, denominado “Formação e Transição Paradigmática” (Couceiro, 2000, pp. 11- 46), parte do conceito polissêmico da formação e nos faz descobrir a delimitação do campo semântico da mesma. Citando Goguelin, a pesquisadora diz que formar é independente de ensinar, frouxo em relação a educar e acima de instruir e se aparenta mais com palavras como criar, compor, conceber, constituir, apontando para a modelação que induz mudança: não somente traz acréscimo, mas integração e novas estruturas, numa dimensão processual. Já, para Fabre, também citado por Couceiro, formar implica uma ação profunda no ser todo, ou seja, nos saberes, no saber-fazer e no saber-ser, podendo vir de fora ou da dinâmica do sujeito (Couceiro, 2000, p. 14).

Falando das formações em dois tempos e três movimentos no capítulo X do seu livro “Temporalidades em Formação” (“Temporalités em formation”), Pineau parte de dois tempos a considerar na formação, ou seja, diurno e noturno, afirmando que “precisou a crise aguda de uma educação das ‘Luzes’, com domínio do formal, relegando o experiencial, para levar em conta as lições, mesmo brutas, da experiência dos atores, da vida, da ação” (Pineau, 2000, p. 128) e para que a estrutura temporal noite/dia se impusesse progressivamente. Tomar essa estrutura temporal como referência da formação

permanente não é inédito. Platão, com o mito da caverna, e mais recentemente várias abordagens científicas, permitiram experimentar a potencia e a pertinência da “modelização ao mesmo tempo sistêmica, simbólica e dialética do comprido circuito educativo através de todas as idades da vida” (Pineau, idem).

Três movimentos, a saber, a personalização, a socialização e a ecologização, e “compreender esta dialética de emancipação/autonomização numa problemática de formação permanente levou a forjar os conceitos de auto, hétero e ecoformação” (Pineau, 2000, p. 129).

O termo autoformação traduz a autonomização dos atores em formação através da tomada em mãos de seu poder de formação, que provoca um movimento de personalização, de individualização e de subjetivação da formação. Como este ator tem de conviver com outros, em sociedade, este pólo auto o coloca numa situação social complexa em tensão, “tão diferente, mas também tão ligado quanto a noite pode estar ao dia” (Pineau, 2000, p. 131).

Se a autoformação encontra na noite, através das situações de solidão e de intimidade que oferece (ver o regime noturno da autoformação no ponto seguinte deste capítulo), seu espaço/tempo privilegiado, a héteroformação pertence ao dia por causa “das relações sociais constrangidas que impõe” (Pineau, idem). “A superposição de dois tempos e dois movimentos é heurística” diz Pineau (p. 131) e fez descobrir um terceiro pólo, fonte de um terceiro movimento, a ecoformação, mais discreta e silenciosa.

A ecoformação, embora seja difícil identificar sua dimensão formativa, sobe com o movimento de educação ambiental, mas diz Pineau que “só sabendo como o meio nos forma, nos dá uma forma, para saber como formar um meio-ambiente viável, podendo ser vivido e vital” (Pineau, 2000, p. 132).

afirma que “a unidade vital da pessoa não é garantida somente pelo seu organismo, nem pelo seu meio, mas pelo conjunto de operações entre os dois que agrupa de maneira estranha um concentrado de inter-trans-co- ações” (Pineau, in Couceiro, 2000, p. 86). Agir sobre o meio, comunicar com os outros são dimensões que devem interferir na compreensão de si mesmo.

Inspirando-se nos três mestres fundamentais da Educação de Rousseau, a própria pessoa, os outros e as coisas e “para nomear essa trilogia, Pineau introduz prefixos que sublinham conceitos próprios da formação, designando-os por autoformação, heteroformação e ecoformação” (Couceiro, 2000, p. 84) pondo “em relevo diferentes pólos que interagem por atração ou por repulsão” (idem).

Pineau afirma que “a formação resulta de uma transformação permanente por transações entre o organismo e o seu contexto ecológico e social” (Pineau, in Couceiro, 2000, p. 85). O conceito de transação, escreve Couceiro, “faz ressaltar a questão da multipolaridade que a complexidade das relações introduz” (Couceiro, 2000, p. 85) e Freynet fala de um conceito “nómada” (Freynet et al, in Couceiro, 2002, p. 85) porque entra no quadro da sociologia, da psicologia, do direito, da economia e, atualmente, no campo da educação onde Dewey o utiliza para explicitar “a natureza da interação educativa entre um organismo e o seu contexto” (Pineau, in Couceiro, 2002, p. 85).

A transação possibilita “a aspiração a recriar laços destruídos” (Couceiro, 2000, p. 85), próximo ao conceito de reliance, muito usado por Morin, e de negociação, “podendo conduzir a compromissos práticos para encontrar novos modos de co-existência” (idem). Inerente a uma forma de sociabilidade da vida cotidiana e podendo ser definida como a “operação de base das relações sociais” (Pineau, 1983, p. 257), “as transações são vitais em tensão entre o social e o pessoal, a heteroformação e a autoformação” (Freynet, et al., in Couceiro, 2000, p. 86) e Pineau afirma que “o seu exercício e, principalmente, seu domínio, com justamente suas múltiplas dimensões, parecem-nos um índice importante de

autoformação” (Pineau, 1983, p. 259) embora toda transação não é autoformadora, algumas sendo mais heteroformadoras “quando o modo de troca criado é imposto, principalmente por um outro que não si mesmo”.

A transação, diz Pineau, além de comunicacional, inclui uma dimensão transformacional, supondo um modo relacional (idem) e Couceiro acrescenta que “dessa inter-relação emerge um ‘terço’, um terceiro termo, incluído, que nos transporta a um outro nível de realidade, citando Nicolescu, para um nível de complexidade (Couceiro, 2000, p. 86).

Além de constatar que as transações são operadoras da formação e de dizer que Pineau chama a atenção para a forte conivência paradigmática entre transação e formação, Couceiro cita Mezirow e o seu conceito de “self-directed learning” com suas três funções, a saber, instrumental, dialogal e de autoreflexão, afirmando que a importância de agir sobre o meio e de comunicar com os outros são dimensões que devem interferir com a compreensão de si mesmo, encontrando assim alguma conivência e vizinhança com a trilogia “auto-hetero-eco” desenvolvido por Gaston Pineau na teoria tripolar da formação (Couceiro, 2000, pp. 86 – 87).

Analisando a coformação como transação entre auto e heteroformação, Couceiro cita Pineau, dizendo que a principal função estratégica da coformação é ser “espaço fronteira entre a apropriação e a desapropriação pelas pessoas do seu poder de formação, entre auto e heteroformação” (Pineau, in Couceiro, 2000, p. 87). Relações de poder, de reconhecimento ou de reciprocidade podem decorrer das transações entre os pólos e o importante é ver o que resulta de formativo dessas relações interpessoais que Pineau divide em três: relações amorosas, de amizade e de amor-dominação podendo incluir também grupos e redes em torno de interesses e objetivos comuns. Couceiro busca em Honneth a definição do conceito de reconhecimento para uma melhor compreensão da dimensão decisiva da coformação no processo de autoformação e este autor apresenta três modelos de reconhecimento intersubjetivo: de amor, que permite a confiança em si-mesmo; de direito que exprime o reconhecimento da cidadania e possibilita o respeito dos outros por si e, enfim, de

concretas. “Deste modo, o reconhecimento não traduz uma mera tolerância passiva, mas um verdadeiro sentimento de simpatia para a particularidade individual da outra pessoa” (Honneth, in Couceiro, 2000, pp. 89 – 90). A autorealização individual sendo “a livre realização de si e dos objetivos que um indivíduo escolhe fixar para a sua própria vida” (Honneth, in Couceiro, 2000, p. 90), podemos considerar o conceito de autorealização como próximo ou mesmo traduzindo o nosso conceito de autoformação (Couceiro, 2000, p. 90). O papel dos outros é determinante na autoformação de cada sujeito e ressalta-se assim o papel formador não só dos íntimos e dos amigos, mas também de todas as redes de socialidade próxima mesmo fora dos quadros instituídos da formação. Esta coformação supõe co-organização da vida, co-implicação, co-responsabilidade, co-construção e co- criação porque trata-se, afinal, de “construir sentido juntos, em solidariedade” (Josso, in Couceiro, 2000, p 91).

Num dos subcapítulos do seu artigo “Experiências de aprendizagem e Histórias de Vida”, Pineau nos fala de “processos de empreender e de procurar (Pineau, 2001, p.331) e conta como o pioneiro da formação de adultos, H. Desroche, liga a iniciativa pessoal à “autobiografia pensada, ou seja, um retorno reflexivo sobre o seu trajeto para dele construir um projeto de procura-ação-formação” (Pineau, 2001, p. 331).

Os relatos de experiências num grupo de formação orientado por H. Desroche, através do seu tratamento cooperativo “construiu progressivamente a primeira utilização sistemática das Histórias de Vida nos cursos universitários de formação de adultos ... e mais recentemente o DURF (Diploma Universitário de Responsável de Formação) desenvolve esta autoformação assistida pela produção de saberes nos quais a História de Vida constitui uma base importante de exploração e de integração pessoal das aprendizagens” (Pineau, 2001, p. 331).

Transformar os problemas vividos em projeto de pesquisa dentro de um processo de formação-ação-pesquisa que se torna uma autoformação diplomadora é que Pineau chama de “antropoformação” (Pineau, 2001, p. 331).