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CAPÍTULO III: A PARTICIPAÇÃO SOCIAL

2. Uma pedagogia da participação

2.3. Os resultados práticos da experiência: dificuldades e acertos

A autora avalia e interpreta os resultados práticos da experiência a partir de três grandes temas, a saber: a mudança no comportamento dos habitantes, a interação do animador externo com os habitantes e os papéis do animador externo.

Todavia, a análise a seguir restringir-se-á ao primeiro tema citado, ou seja, à mudança no comportamento dos habitantes, por considerá-lo mais pertinente em relação ao objeto dessa

pesquisa, sem, por isso, desconsiderar de forma nenhuma a importância dos dois outros temas citados acima.

Para a autora “dois tipos de resultados foram observados: os que mostram uma melhoria do quadro de vida dos habitantes e os que demonstram a existência de um processo de aprendizagem da cidadania, resultado da pedagogia da participação” (Nunes, 2002, p. 106). É interessante notar que a autora chega a comungar com a definição da autoformação, explicitada nos capítulos II, VII e VIII desta pesquisa, quando comenta que existe “um conjunto de sinais que revelam que os (habitantes) que se engajaram nas iniciativas passaram a um estado superior da cidadania: aquele em que cada um é capaz de agir sobre seu destino” (Nunes, 2002, p. 106).

Enfatizando a importância do estímulo dado através das intervenções de animadores externos à confiança das pessoas em si e no grupo, a autora cita Dumas e Seguier afirmando que “em grupo, as pessoas marginalizadas estão á altura de vencer as múltiplas dificuldades para afirmar sua identidade e tomar parte no jogo social” (Nunes, 2002, p. 106).

O despertar do interesse das pessoas para o coletivo foi um dos primeiros resultados obtidos, fazendo passá-las de uma solidriedade de proximidade, de tipo quase tribal, que enfrenta os problemas imediatos do grupo, para uma solidariedade coletiva, baseada em uma racionalidade mais ampla, que não é natural e precisa ser aprendida, diz Nunes. “A passagem da solidariedade de proximidade àquela que concerne a coletividade é tributária, em sua origem, de uma construção ideológica” (Nunes, 2002, p. 107) e a mesma autora acrescenta que “em um país como o Brasil, onde esta construção ideológica ainda não está completa, este tipo de solidariedade coletiva ampliada não está inscrita profundamente nos usos e costumes” (Nunes, 2002, p. 107).

Nunes considera que “o movimento mais importante não foi a transformação dos habitantes em reinvendicantes e credores de serviços de uma maneira coletiva. O essencial foi que

tomassem consciência de sua capacidade de fazer valer os seus direitos” (Nunes, 2002, p. 107).

Através de várias atividades como a organização da associação e da creche, exemplos da construção da idéia de solidariedade coletiva, e principalmente através das respostas ao questionário final e na capacidade de iniciativa nos habitantes, pode ser constatado “a ultrapassagem das preocupações privadas como o interesse principal da vida das pessoas” e do conseqüente “grau de engajamento nos problemas do bairro” (Nunes, 2002, p. 108) confirmando nisto o que Freire diz: “deste modo, a presença dos oprimidos na busca da libertação, mais que pseudoparticipação, é o que deve ser: engajamento” (Freire, 2000, p. 56).

No que diz respeito ao aprendizado das iniciativas de trabalho coletivo, incluindo nisto o debate e a negociação, houve necessidade, para o grupo engajado, de buscar os meios materiais e o conhecimento específico, indo até a profissionalização, e apesar das dificuldades encontradas, a exemplo da fragilidade de cada vitória, provocando idas e vindas das pessoas, tendo que recomeçar tudo várias vezes, “de uma certa maneira, a partir de determinado momento da pedagogia da participação, jamais se recomeça um projeto do zero, porque as pessoas que foram formadas no trabalho coletivo podem sempre ser responsabilizadas em caso de necessidade” (Nunes, 2002, p. 109).

A emergência de um líder mobilizador, aquele “que constrói sua ascensão sobre os outros a partir da influência do exemplo” (Nunes, 2002, p. 110), ou do “testemunho” diria Freire, “é assim um sinal de um processo maior de transformação de mentalidades” (Nunes, 2002, p. 111). Na experiência piloto de Vila Verde, se não foi possível formar um líder mobilizador no espaço de um ano, todavia, foi “possível criar uma atmosfera favorável a seu surgimento” (Nunes, 2002, p. 111). O que leva os líderes potenciais a se revelarem, diz a autora, “é o sentimento de ser apoiado, de estar sustentado por alguém ou por um grupo” (Nunes, 2002, p. 111).

A relação entre os habitantes e a Prefeitura mudou perto do fim da experiência. A capacidade de discussão, de negociação e de iniciativa substitui a tradicional relação entre “pedintes” e autoridades, “derivada daquela, majoritária, de dependência dos pobres relativamente à elite dirigente” (Nunes, 2002, p. 111).

Uma tempestade de verão ocorrida no local ofereceu a oportunidade de verificar até que ponto a capacidade de ação coletiva autônoma tinha se tornado realidade. A formação de um grupo eficiente e solidário de socorro improvisado consolidou alguns líderes e desacreditou outros e a autora conclui perguntando “se tudo isto aconteceria desta forma se ninguém tivesse tido antes as experiências de trabalho coletivo no bairro’ e respondendo à mesma pergunta negativamente, dá a entender que “foram a formação do grupo de trabalho, a compreensão das etapas a cumprir para entrar em acordo e poder agir, e a confiança mútua das pessoas envolvidas que constituíram as bases da ação” (Nunes, 2002, p. 113). Refletindo sobre as conquistas da experiência, a autora destaca a importãncia das relações humanas acima do “saber-fazer” puramente técnico e frio. Na qualidade das relações humanas é que se pode responder à “busca profunda do outro, do olhar do outro, do reconhecimento da utilidade de cada um para seu entorno – parceiro, família, grupo ou sociedade” (Nunes, 2002, p. 114).

“O que importa aqui é reconhecer a efetiva importância das relações entre as pessoas como dado essencial do sucesso da experiência coletiva e, também, compreender melhor esse reconhecimento que seria o motor das relações humanas” (Nunes, 2002, p. 114).