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4 UMA SÍNTESE TEÓRICA SOBRE O DESENVOLVIMENTO

4.1 O Complexo Debate do Desenvolvimento

4.1.3 As Condições Indispensáveis para o Desenvolvimento

Por fim, a terceira delimitação refere-se às condições indispensáveis para que o processo de desenvolvimento ocorra Ou seja, o desenvolvimento não ocorre, de qualquer maneira, e em qualquer lugar, pois exige condições históricas, estruturais e institucionais mínimas – que somente fazem sentido a partir da estabilização do capitalismo, para que se solidifique o que chamamos de desenvolvimento. Por isso, apesardosimpériosegípcio,romanoechinêsconheceremperíodosdeprosperidade, – nada tinha a ver com a ideia de progresso e de desenvolvimento – porque, “[...] o progresso era frouxo, de forma que não acontecia uma racionalização econômica [...], nem uma democratização da política [...], como ocorreu nos países que originaram a revolução industrial [...]” (Bresser-Pereira, 2006, p. 3-8).

Assim,odesenvolvimentoéumprocessoligadoadoisimportantesfenômenos: a organização dos Estados-nação e a revolução capitalista. Isto sugere, portanto, “[...] que a própria noção de desenvolvimento é uma invenção ocidental” (Landes, 1998, p. 34), já que ambos os fenômenos ocorreram primitivamente na Europa Ocidental. Existem relatos, em 1676, do Sir William Petty107, de que o desenvolvimento já era uma preocupação, tanto dos franceses quanto dos ingleses. Logo, a combinação de Estados-nação e de revolução capitalista lançou a Europa Ocidental no caminho do desenvolvimento. Isto só foi plausível porque a construção de “fronteiras seguras”

107 Sir William Petty é considerado “[...] um dos fundadores da economia do desenvolvimento [...]”, já

possibilitou a geração de oportunidades de riqueza e sua respectiva “segurança” (ou apropriação) (Landes, 1998, p. 206-256).

Neste sentido, os Estados-nação são unidades político-territoriais específicas docapitalismo–sendoconstituídosporumanação ou sociedade civil, por um Estado, eporumterritório.Dentrodecada Estado-nação, o Estado é a organização soberana, e que a nação ou sociedade civil utiliza “para promover e perpetuar seus objetivos políticos, sociais e econômicos, sendo o instrumento por excelência da ação/atuação coletiva”. Isto mostra que a nação ou sociedade civil está politicamente organizada, e compartilha ou tenta compartilhar um destino em comum. Alguns relatos sugerem queaformaçãodosEstados-nação começa com o surgimento da burguesia, no século XII,masésomente,noséculo XVI, que se concretizam (Bresser-Pereira, 2006, p. 3-8; Fukuyama, 2005, p. 15-64; Landes, 1998, p. 244-279).

É através do Estado que a nação ou sociedade civil valida o desenvolvimento, medianteumaestratégianacional,quetemopróprioEstadocomoa instituição maior e a “matriz” das demais instituições. O Estado tem, assim, a função organizacional108 e a função normativa109 da sociedade, garantindo, assim, sua capacidade de prover ordem,leis,segurançaedireitosdepropriedade. Para que o desenvolvimento ocorra é imprescindível que o Estado seja “forte”, e capaz de legitimar suas políticas, cobrar impostos e impor leis. O fortalecimento destes Estados tornou possível a ascensão do mundo econômico moderno (Fukuyama, 2005, p. 15-64), já que o Estado admite “a possibilidade de produção ‘permanente’ de excedentes econômicos” (Fukuyama, 2005, p. 15-64; Landes, 1998, p. 244-279).

Provavelmente, a centralidade do Estado no desenvolvimento seja uma das poucas certezas históricas, e que esclarecem porque aconteceu tanta assimetria no desenvolvimentodosEstados-nação,eporqueoReinoUnido foi o berço da Revolução Industrial110. Observando a história, é possível notar a importância da legitimidade do Estado (Fukuyama, 2005, p. 15-64). Por exemplo, enquanto o Reino Unido tinha desde muito cedo a vantagem de ser uma nação, com uma “unidade autoconsciente

108 Enquanto organização garante o sistema constitucional-legal. Os Estados têm uma “variedade de

funções” para o bem e para o mal (Fukuyama, 2005, p. 15-64).

109 Enquanto sistema normativo com poder “coercitivo”, o Estado é a ordem jurídica, e igualmente, o

sistema político nacional (Fukuyama, 2005, p. 15-64).

caracterizada por identidade e lealdade comuns” (Landes, 1988, p. 244), a Espanha, aItáliaePortugal foram seriamente afetados pela intolerância religiosa e intelectual, e flagelados pela instabilidade política. Logo, a fraqueza da autoridade central, com revoluções e guerras civis intermitentes, retardou o desenvolvimento111.

Atualmente, a presença do Estado no desenvolvimento é uma das questões mais importantes para a comunidade mundial, e que separam o “mundo rico” do “mundo pobre”. Segundo Fukuyama (2005, p. 9), “[...] Estados fracos ou fracassados constituem fonte dos problemas mais graves do mundo, da pobreza a AIDS, drogas e terrorismo”.Afaltadecapacidadeelegitimidade dos Estados, sobretudo, nos países mais pobres, explica (em parte) porque existe tanta assimetria no desenvolvimento. Esse argumento é admitido, tanto pelos que defendem um Estado mínimo quanto pelos que defendem um Estado do bem-estar social (ou keynesiano). Independente, do Estado ser grande ou pequeno, rico ou pobre, ele precisa ser fundamentalmente legítimo (Frischtak, 2009, p. 99).

Assim, a intervenção do Estado é central para o desenvolvimento, podendo assumir múltiplas estratégias de intervenção112. Entre elas, podemos destacar cinco intervençõesimperativas:asleisdepropriedades113,ocontrolemacroeconômico114, a formação de fronteiras seguras115, a organização dos mercados nacionais116, e a

111 Ver Landes (1998, p. 278-279).

112 O debate em torno das estratégias deintervenção é amplo, envolve inúmeras subáreas da

economia, e é fruto das mais diferentes contestações no campo político e/ou acadêmico.

113 Desde o século XVI, a propriedade privada é um elemento basilar para o desenvolvimento. Adam

Smith (2003) notou que “[...] a aquisição de uma valiosa e extensa propriedade [...]” (para a produção) exige necessariamente a presença de um “governo civil”, ou seja, a propriedade privada precisa de um “guardião legal” – o Estado – que seja capaz de legislar sobre sua posse, seus direitos, e sua proteção. Contudo, o que isto tem a ver com o processo de desenvolvimento (e logo, o progresso econômico)? Nas palavras de Landes (1998, p. 32-33), “[...] por que iria alguém investir capital e trabalho na produção, ou aquisição de riqueza que não lhe seria permitido conservar em seu poder? [...]”. A lei da propriedade é uma lei para a indústria, e logo, para o desenvolvimento.

114 Isso inclui a organização e o controle monetário da economia nacional. Ver Bresser-Pereira (1995,

p. 5-40; 2006, p. 1-24) e Fukuyama (2005, p. 15-64).

115 É essencial que os Estados definam suas fronteiras seguras ou o espaço territorial nacional. É neste

espaço que são forjadas as condições necessárias para que a sociedade concretize os investimentos, as inovações, e as sistemáticas inserções de trabalho aos meios de produção. Foi com o fim das fronteiras inseguras, que a burguesia industrial originária da burguesia comercial se desenvolveu – passando do (simples) comércio de longa distância e das limitadas manufaturas, para “os elevados investimentos em atividades industriais”. Daí “o interesse das burguesias em se unir aos monarcas absolutosparaaconstituição dos primeirosEstados-nação modernos” (Landes, 1998, p. 244-279).

116 Com a definição das fronteiras seguras foi possível o aparecimento dos mercados nacionais – fruto

das Revoluções Nacionais – permitindo a mudança “[...] dos mercados que antes eram locais, para os mercados amplos e seguros [...]”, e que agora ofereciam condições para os investimentos industriais.

organização do sistema educacional117. É importante frisar que o papel estratégico do Estado é, em linhas gerais, permitir que as instituições sejam efetivas, eficientes e protegidas – desviando sempre que necessário “[...] os recursos para os setores da economiaquesãocapazesde realizar uma exploração sistemática e uma acumulação de capital crescente, bem como inovações tecnológicas [...]” (Adelman, 1972, p. 144; Frischtak, 2009, p. 99-109; Fukuyama, 2005, p. 15-64).

Em resumo, o desenvolvimento é “[...] um processo politicamente induzido, conduzido, comandado ou ao menos regulado pelo Estado” (Nogueira, 2009, p. 47). Independentedaestratégiadeintervenção seguida, o desenvolvimento é produto da concretização de um projeto nacional ou “expressão da vontade política” (Frischtak, 2009, p. 99-109; Furtado, 2004, p. 483-486). A partir disso, é possível materializar o segundo fenômeno indispensável ao processo de desenvolvimento – a revolução capitalista. Na realidade, é difícil afirmar qual dos dois fenômenos – o aparecimento dos Estados-nação, ou a revolução capitalista – aconteceu primeiro. O fato é que ambosestãoligados.OEstado-naçãoéaprincipal consequência política da revolução capitalista,earevoluçãocapitalistaoprincipalfrutoeconômicodoEstado-nação118.

Assim, a revolução capitalista inicia-se no século XI, com avanços relativos à produção agrícola, e se consolida, no século XVIII, com a revolução industrial. Deste modo, a revolução capitalista é constituída, de acordo com Landes (1998), por três revoluções:revoluçãoagrícola119;revoluçãocomercial120;erevoluçãoindustrial121. Da “energia animal ao arado com rodas”, das terras inférteis aos campos de lavoura, dos códigos comerciais ao telégrafo, das máquinas a vapor às máquinas têxteis, da divisão do trabalho às ferrovias (Blainey, 2011), tudo tinha o objetivo de gerar uma

Assim sendo, o desenvolvimento só acontece em um mercado nacional capitalista definido e regulado pela intervenção do Estado. Ou seja, a formação dos grandes mercados nacionais foi resultado de estratégias políticas nacionais. Sobre isto, Polanyi (1954, p. 47) comenta “não houve nada de natural na passagem dos mercados locais para nacionais: essa transição ocorreu como o resultado de uma estratégia política e econômica que resultou na formação dos modernos Estados-nação”.

117 A organização do sistema educacional pelo Estado proporciona a “[...] produção de seres humanos

socialmente aceitáveis e economicamente operacionais [...]”, transformando assim, a “[...] matéria- prima biológica num produto cultural aceitável e útil” (Gellner, 2000, p. 119-120). Neste contexto, o Estado é a única instituição apropriada para executar, controlar e proteger o sistema educacional, que tem o fim de homogeneizar a sociedade (Gellner, 2000, p. 152-153).

118 Ver Furtado (2004) e Polanyi (1954).

119 Sobre a revolução agrícola, ver Landes (1998, p. 43-44). 120 Sobre a revolução comercial, ver Landes (1998, p. 47-49). 121 Sobre a revolução industrial, ver Landes (1998, p. 206-216).

rápidaelevaçãodaprodutividadee,simultaneamente,darendapercapita122.Com

isso,arevoluçãocapitalistaocasionou as condições necessárias para que a sociedade constituísse um novo nível, jamais atingido, de riqueza e progresso econômico.

Enfim,comarevolução capitalista, a sociedade saiu do estágio de crescimento

malthusiano para o que conhecemos por desenvolvimento. Vale lembrar ainda, que

a revolução capitalista não ocorreu de forma homogênea entre os Estados-nação. Talvez, isto esclareça, em parte, porque existem vários níveis de desenvolvimento, já que alguns Estados-nação ainda não completaram a revolução capitalista. Logo, surgiu uma importante distinção entre aqueles Estados-nação que completaram a revolução capitalista, e os que vêm realizando com atraso. Para Furtado e Prebisch, é daí que deriva uma importante diferença entre “o desenvolvimento do centro e da periferia” (Lopez e Carvalho, 2009). Na prática, isso gera uma série de contradições, resultando em um desenvolvimento desigual e combinado123.

Nestecontexto,éimportantefrisarque as atuais políticas de desenvolvimento territorial dependem da “força” do Estado para seguir adiante – principalmente, da “força” e da organização das estruturas subnacionais. Além do mais, apesar do forte apeloético,político,socialeambiental,odesenvolvimento territorial não “corta seus laços” com o “capitalismo neoliberal”, mas corrobora a descentralização política dos Estados-nação. Em outras palavras, ao propor o “controle social” dos territórios, o desenvolvimento territorial (contraditoriamente) sanciona o Estado mínimo124, tão importante na lógica do “capitalismo neoliberal” (Harvey, 2012, p. 19-39). Na União Europeia, por exemplo, desde a década de 1990, o desenvolvimento territorial vem devolvendo à sociedade civil responsabilidades outrora concentradas no Estado.