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7 TERRITÓRIO, GOVERNANÇA E DESENVOLVIMENTO

7.2 Governança Multinível: de Brasília até os Municípios

7.2.3 Estruturas Intermunicipais: Comitês, Conselhos e Consórcios

NoBrasil,asestruturasdegovernançaintermunicipaispodemadquirirvárias características e/ou tipologias, abrangendo dois ou mais municípios, em um ou mais estados. Essas estruturas intermunicipais: podem nascer espontaneamente a partir de demandas da sociedade civil local; podem surgir em torno de uma determinada política pública federal e/ou estadual; podem ser criadas para a gestão de recursos naturais; e, podem ser estabelecidas para o fornecimento de determinados serviços de natureza pública. Além do mais, essas estruturas intermunicipais podem assumir diferentes naturezas jurídicas – como, por exemplo, associação pública, associação privada, cooperativa e fundação privada – e as mais variadas nomenclaturas – como, por exemplo, comitê, conselho e consórcio229.

Éimportantenotarqueasestruturasintermunicipaisnão são conferências ou fóruns intermunicipais– mas instituições formalizadas, com plenária ou assembleia geral, estrutura diretiva, estrutura administrativa, e receitas, despesas e patrimônio próprio. Assim sendo, asestruturasintermunicipais podem ser predominantemente públicas, predominantemente privadas, ou mistas (com participação paritária entre os parceiros públicos e os parceiros privados). Uma outra classificação pode dividir as estruturas intermunicipais em: estruturas “induzidas” desde cima (em inglês, top-

down);ouestruturas“constituídasautonomamente” desde baixo (em inglês, bottom-

228 Há Conselhos Estaduais para variados temas, tais como educação, cultura, esporte, promoção da

igualdade racial, habitação, transporte, saúde, segurança pública, meio ambiente, direitos da criança e do adolescente, direitos do idoso, direitos da pessoa com deficiência, direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT, entre outros (IBGE, 2013, p. 36; IPEA, 2015, p. 1).

up) (Ortega e Moyano Estrada, 2015, p. 10). Em geral, as estruturas intermunicipais

representam um determinado espaço estilizado (Veiga, 2001, p. 57-65).

O ideal é que os territórios intermunicipais não sejam, nem muito pequenos – a pontodeenfrentaremaslimitaçõesdosmunicípios–nemmuito grandes – a ponto de desenvolverem os obstáculos e as diversidades das regiões, ou dos estados. Assim sendo, o território intermunicipal é uma escala intermediária – entre as estruturas estaduais e as estruturas locais/municipais – sem corresponder, necessariamente, a fronteiraspolítico-administrativaspredefinidas(verFigura 10).Emtermospráticos, as estruturas de governança intermunicipais se relacionam com todos os níveis de governança–nacional,estaduale/oumunicipal–ecom a sociedade civil organizada, a fim de viabilizar projetos públicos e/ou projetos privados de desenvolvimento dos espaços territoriais em questão (ver Figura 10).

Alguns exemplos concretos podem ilustrar o funcionamento das estruturas intermunicipais brasileiras. Por exemplo, os Comitês de Bacia Hidrográfica230 formam estruturas de governança intermunicipais em torno da dimensão territorial da bacia em questão (Brasil, 2011a, p. 12). Dessa maneira, os Comitês de Bacia Hidrográfica podem compreender um território (ou uma bacia) estadual ou interestadual. No caso do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Miranda, sua atuação é estadual, envolvendo 20municípiosdoestadodoMatoGrossodoSul231, e uma área aproximada de 43,8 mil km². Já o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco atua em sete estados do Brasil232 e em 507 municípios, envolvendo uma área de 639 mil km² (ver Figura 12) (Brasil, 2011, p. 15-26, 45-58).

Ainda,nocasodoComitêdaBaciaHidrográficadoRioSãoFrancisco,seubraço executivo é a Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas (a AGB Peixe Vivo), sendo um órgão colegiado, integrado por 62 membros do poder público,

230 O Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) é um ente integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento

de Recursos Hídricos, e tem entre as suas principais atribuições: promover o debate sobre questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instânciaadministrativa,osconflitosrelacionados aos recursos hídricos; aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, acompanhar a sua execução e sugerir as providências necessárias ao cumprimento das metas; propor aos conselhos de recursos hídricos as acumulações, as derivações, as captações e os lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso; e estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados (Brasil, 2011a, p. 11-12).

231 Ver <http://www.cbh.gov.br/DataGrid/GridMatoGrossoSul.aspx>.

232 A Bacia do Rio São Francisco está na Bahia (48,2%), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%),

Alagoas (2,2%), Sergipe (1,2%), Goiás (0,5%), e Distrito Federal (0,2%). Ver também <http://cbhsao francisco.org.br/>.

da sociedade civil e das empresas usuárias de água, e tem por finalidade realizar a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia, na perspectiva de proteger os seus mananciais e cooperar para o seu desenvolvimento sustentável (ver Figura 12). Em 2001, o governo federal (via decreto presidencial) conferiu ao ComitêdaBaciaHidrográficadoRioSãoFrancisco funções normativas, deliberativas econsultivas233.Nototal,existemnovecomitêsinterestaduais(verFigura 12), e 204 comitês estaduais, em 21 estados e no Distrito Federal234 (em 2016).

Figura 12 – Os Comitês Interestaduais de Bacia Hidrográfica no Brasil

Fonte: <http://www.cbh.gov.br/>. Adaptado pelo autor.

Existem também as estruturas intermunicipais que surgem em torno de uma determinada política pública federal e/ou estadual. Vários exemplos podem ilustrar

233 Ver <http://cbhsaofrancisco.org.br/>.

234 Os Comitês de Bacia Hidrográfica podem ser criados: pelos Secretários de Estado responsáveis

pelo gerenciamento de recursos hídricos de, pelo menos, dois terços dos Estados contidos na respectiva bacia; pelos Prefeitos cujos municípios tenham território na bacia hidrográfica no percentual de pelo menos quarenta por cento; por no mínimo cinco entidades representativas de usuários, legalmente constituídas, depelomenostrês setores usuários: agropecuário, hidroelétrico, hidroviário, industrial, saneamento, e pesca, turismo, lazer e outros usos não consuntivos; e, por no mínimo dez entidades civis de recursos hídricos, legalmente constituídas, com atuação comprovada na bacia hidrográfica. Ver <http://www.cbh.gov.br/ComoCriar.aspx>.

como as estruturas intermunicipais são criadas e validadas pelo poder público e pela sociedade civil envolvida. Por exemplo, a Política Nacional Indigenista demarca os territórios indígenas, estabelecendo espaços territoriais específicos para a ocupação deumaoumais etnia indígena (verFigura 13)235.Nessesterritórios, são formadas Comunidades Indígenas236, ou seja, estruturas de governança que dialogam com o governofederal,equecontribuem/cooperamcomapromoção das políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável das populações indígenas. Neste caso, os territórios indígenas podem ser interestaduais, intermunicipais ou municipais.

Figura 13 – Territórios Indígenas no Brasil (em 2010)

Fonte: <http://www.funai.gov.br>.

Por exemplo, a etnia “Sateré-Mawé” ocupa um território de 7,8 mil km² nos estados do Amazonas e Pará, envolvendo os municípios de Parintins, Aveiro, Maués,

235 A Política Nacional Indigenista é executada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

236 É importante destacar que as Comunidades Indígenas possuem personalidade jurídica própria –

Barreirinha, Itaituba; já a etnia “Araweté” ocupa um território de aproximadamente 9,4 mil km², nos municípios de Senador José Porfírio, São Felix do Xingu e Altamira (todos no Pará); e a etnia “Pataxó” ocupa um território de 19 km² no município de Porto Seguro (na Bahia) (ver Figura 13). Apesar da dessemelhança dos territórios indígenas, as Comunidades Indígenas funcionam como estruturas intermunicipais, dialogandotambémcomosestadosecomosmunicípiosenvolvidos.Nototal, existem 818 mil indígenas (em 2010), organizados em 305 etnias (em 2010), e em cerca de 588 territórios indígenas (com área aproximada de 1,1 milhão de km²).237

Um outro exemplo são as Políticas Nacionais de Desenvolvimento Territorial. Por exemplo – desde 2003 – o governo federal opera o Programa Territórios Rurais, criandoestruturasintermunicipaisvoltadasaodesenvolvimentoterritorialrural.Em cada território rural formou-se um Conselho Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (CTDRS), responsável por apoiar e operacionalizar as políticas públicas federais (e também estaduais). No caso do Território do Sisal (na Bahia) criou-se o ConselhoRegionaldeDesenvolvimentoRuralSustentáveldaRegiãoSisaleira (CODES Sisal); já no Território Tabuleiros do Alto Parnaíba (no Piauí) instituiu-se o Conselho Territorial de Desenvolvimento dos Cerrados Piauienses (FOTECE) (FOTECE, 2007, p. 48-58; Silva, 2012a, p. 187-193; 2013, p. 578-579).

Atualmente, são 243 territórios rurais (no Programa Territórios Rurais), nos 26 estados federados e no Distrito Federal (em 2016). Essas estruturas territoriais cobrem cerca de 76% do território brasileiro, 65% dos municípios (ou seja, 3.653 municípiosbrasileiros)e40%dapopulaçãototaldoBrasil(em2010)238.Por exemplo, no estado do Piauí,oProgramaTerritóriosRuraisconstituiu11territórios,entreeles, oTerritórioTabuleirosdoAltoParnaíba (ver Figura 14). Posteriormente, em 2008, alguns territórios rurais foram incorporados ao ProgramaTerritórios da Cidadania. No caso do Piauí, seis territórios rurais passaram a participar também do Programa Territórios da Cidadania (ver Figura 14). No Brasil, 120 dos 243 territórios rurais passaram a participar simultaneamente do ProgramaTerritórios da Cidadania.

Além disso, alguns estados federados e o Distrito Federal podem incentivar a criação de estruturas intermunicipais em torno de políticas estaduais específicas ou

237 Ver <http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas>. 238 Ver <http://portaldosnedets.info/site/> e <http://www.mda.gov.br/>.

complementares as políticas federais. Isso ocorre, por exemplo, no estado da Bahia e no estado do Rio Grande do Sul. Na Bahia – desde 2007 – o governo baiano opera o Programa Territórios de Identidade, estabelecendo 27 estruturas territoriais (ver Figura 15) (Silva, 2012a, p. 122-124). Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, desde 1994,ogovernogaúchoapoiaacriaçãodosConselhosRegionaisdeDesenvolvimento (COREDEs),inteirando28estruturasterritoriais239 (ver Figura 15). No caso baiano, osterritóriosestaduaisestãoalinhadoscomaspolíticasfederais240.Nocasogaúcho, os territórios estaduais seguem exclusivamente a lógica das políticas estaduais241.

Figura 14 – O Programa Territórios Rurais e o Programa Territórios da Cidadania no estado do Piauí

Fonte: <http://portaldosnedets.info/site/>.

As estruturas intermunicipais podem também nascer a partir de demandas dasociedadecivillocal,eemtorno de arranjos produtivos locais242. Nesta situação,

239 Ver <http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/> 240 Ver Silva (2012a, p. 122-124; 2013, p. 569-573).

241 Comparar as 28 regiões dos COREDEs (ver Figura 15) com os 18 territórios rurais do Programa

TerritóriosRurais(sendo que quatro também participam do Programa Territórios da Cidadania). Ver também <http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/> e <http://portaldosnedets.info/site/>.

242 Isso inclui também as indicações geográficas (as indicações de procedência e as denominações de

os territórios são desenhados predominantemente a partir de interesses privados, mas a governança territorial é fundamentalmente coletiva. Dois exemplos ilustram tais estruturas intermunicipais: (1) o Território Vale dos Vinhedos243, no Rio Grande do Sul,quenasceuemtornodavitivinicultura,eé administrado pela Associação dos ProdutoresdeVinhosFinosdoValedosVinhedos(Aprovale)(verFigura 16) (Ortega e Jeziorny, 2011, p. 108);e(2)oTerritóriodoCerrado Mineiro244, em Minas Gerais, que apareceu emtornodacafeicultura,eégeridopela Federação dos Cafeicultores do Cerrado (ver Figura 16) (Ortega e Jesus, 2012, p. 70-76).

Figura 15 – O Programa Territórios de Identidade na Bahia e os COREDEs no Rio Grande do Sul

Fonte: <http://www.seplan.ba.gov.br/> e <http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/>. Finalmente, existem as estruturas intermunicipais estabelecidas em torno do fornecimento de determinados serviços de natureza pública. Essas estruturas são os consórcios públicos, criados a partir de articulações interinstitucionais entre entes federados e empresas (IBGE, 2005, p. 40-46). Em geral, os consórcios públicos são constituídos por dois ou mais municípios – mas podem abranger também os estados federados e o Distrito Federal e a União (o governo federal). Os consórcios públicos

243 Abrange os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul (Ortega e Jeziorny, 2011,

p. 10). Ver também <http://www.valedosvinhedos.com.br/>.

visam em seus espaços territoriais executar projetos, obras, serviços ou consultorias deinteressecomum(emsaúde,manejoderesíduossólidos,desenvolvimentourbano, saneamento básico, etc.) voltados para o desenvolvimento regional. Em 2015, cerca de 66% dos municípios brasileiros participavam em algum consórcio público245.

Figura 16 – O Território do Cerrado Mineiro (em Minas Gerais) e o Território Vale dos Vinhedos (no Rio Grande do Sul)

Fonte: <http://www.cerradomineiro.org/> e <http://www.valedosvinhedos.com.br/>.