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2 UMA SÍNTESE TEÓRICA SOBRE O TERRITÓRIO

2.2 O “Conteúdo” Territorial: uma Visão Multidimensional

2.2.2 Ideia-Guia: as Aglomerações Produtivas Territoriais

Osterritórios“mais flexíveis” sãoformadosaindaporelementosmateriais, emgeral,ligadosàsatividadeseconômicas.Nofinaldosanos1970,comadecadência do modelo de acumulação fordista41 e a ascensão do modelo de acumulação flexível, as aglomerações produtivas territoriais ganharam protagonismo nas estratégias de desenvolvimento socioeconômico, resgatando os antigos conceitos marshallianos42. Rapidamente, surgiram várias abordagens das aglomerações produtivas territoriais como, por exemplo: distrito industrial, manufatura flexível, arranjo produtivo local,

milieu inovativo, parque tecnológico, etc. Independentemente da abordagem, o novo

modelo/regime de acumulação flexível induziu “uma reestruturação da sociedade inteira”(Benko,2002,p.29;OrtegaeSilva,2011,p.45-48;Sforzi, 2006, p. 37-42).

No entanto, o que é o modelo/regime de acumulação flexível? Qual o objetivo das aglomerações produtivas territoriais? Inicialmente, cabe destacar que o regime

40 Para Moyano Estrada (1999, p. 3-39), a procura pela combinação ótima pode apresentar diversas

formas, e, assim variadas condições de viabilidade e sustentabilidade do desenvolvimento.

41 O fordismo secaracterizavaporserumsistemadeproduçãomonopolista industrial estandardizada,

apoiada num consumo de massa, numa grande indústria, numa divisão taylorista do trabalho, e numa participação do Estado, por meio da legislação social, das convenções coletivas e das regulações de redistribuiçãodosganhos,demodo a garantir o crescimento da demanda efetiva (Benko, 2002, p. 28- 29; Coriat, 1985; Sforzi, 2006). Em relação à crise do fordismo, ver Lipietz (1987, p. 41-45).

flexível surgiu com o desígnio de substituir a rigidez do modelo fordista. Sendo assim, a proposta era adotar uma mobilidade otimizada ou, em outras palavras, a “produção flexível” (Benko,2002,p.29). Mas, não podiam ser adaptações superficiais. Por isso, a flexibilidade e a mobilidade otimizada tornaram-se os elementos-chave deste novo período pós-fordista, ou de acumulação flexível. Para Benko (2002) e Coriat (1985), a flexibilidade e a mobilidade estabelecem uma forma organizacional e produtiva “maleável” – integrada às oportunidades geográficas e tecnológicas – atingindo não apenas o nível econômico, mas igualmente o nível político e social.

Na prática, o modelo de acumulação flexível envolve o processo produtivo, o mercado de trabalho (interno e externo) e o Estado, com o objetivo de minimizar os custos e os riscos de mercado. Em outras palavras, a flexibilidade ocorre no interior e no exterior das empresas. Neste sentido, pela primeira vez, no capitalismo, tornou- se possível a combinação do trabalho de alto nível tecnológico com a diversificação dos produtos e dos processos. Isto representou uma desintegração vertical, e uma entrada irreversível da eletrônica nos métodos produtivos, fragmentando o sistema organizacional produtivo em uma dimensão mundial – dando origem a um mosaico de territórios diferenciados (Dicken e Malmberg, 2001, p. 345-363; Haesbaert, 2006, p. 37-41; Hermida, 2016, p. 46; OrtegaeSilva,2011,p.45-48).

ParaBenko(2002,p.28-29),édiante destas “evoluções globais” que se impõe anoçãodo“sistemaglobalcomoum mosaico deeconomias locais”43. O fato é que tais elementosmateriais “contemporâneos” reacenderam a teoria do desenvolvimento endógeno, e, junto com ela, as questões referentes às pequenas e médias empresas (PMEs) (Dicken e Malmberg, 2001, p. 345-363). Desta maneira, as PMEs renasceram não apenas nos novos distritos industriais tecnológicos, mas igualmente nos centros tradicionais da grande indústria, nos espaços metropolitanos, e nos espaços rurais (Bagnasco, 1999, p. 33-43; Becattini, 1999, p. 45-58; 2002, p. 9-32). Em suma, o novo modelo/regimedeacumulaçãoflexívelseacoplou às novas aglomerações produtivas

territoriais (Matos e Ortega, 2014, p. 1-22; OrtegaeSilva,2011,p.45-48).

43 Nestes novos movimentos espaciais, nascem (ou renascem) os debates acerca da articulação entre

o nacional e o mundial, entre o local e o global. Essa lógica entre o local e o global expõe a presença de especificidades regionais, e reforça a lógica de que os territórios são heterogêneos – explicando, assim, por que alguns territórios se industrializaram e outros não, e por que alguns se desarticularam e outros não (Bagnasco et al, 2003; Benko, 2002; Brandão, 2007).

Essas novas aglomerações produtivas territoriais surgiram não somente do espírito empreendedor das PMEs, mas igualmente dos inúmeros particularismos das regiões, como: fatores culturais; radicalização das relações capital-trabalho; reflexo de uma cultura de diferenciação e não de estandardização; processos tecnológicos que permitem produções em pequena escala; política econômica do governo para estimular pequenas empresas; entre outros (Bagnasco, 1999, p. 33-43). Ou seja, o regimedeacumulaçãoflexível eliminou a ideia de que as vias da industrialização, ou da urbanização, ou da modernização, são as mesmas para todos os países, e dentro de cada um, para todos os territórios (Becattini, 1999, p. 45-58; 2002, p. 9-32; Matos e Ortega, 2014, p. 1-22; OrtegaeSilva,2011,p.45-48).

Atualmente,para muitos, o sucessodosterritórios“mais flexíveis”dependeda

simbiose entre as instituições econômicas locais e os valores sociais comunitários;

ou seja, depende da harmonia entre o individualismo (interesse pelo lucro) e o sentimento de pertencimento comunitário (interesse coletivo) (Becattini, 1999, p. 45-58; 2002, p. 9-32). Desta maneira, conforme Benko (2002, p. 60), surgem os “efeitos positivos de aglomeração”, como: as “economias internas ao ramo” e os “efeitos de proximidade externas ao ramo”. Tudo isso possibilita a aparição do que se convencionou chamar de “atmosfera marshalliana” (Becattini, 1999, p. 45-58; Marshall, 1920). Logo, as “atmosferas” cumprem um papel importante no sucesso ou nofracassodasaglomerações produtivas territoriais (Veiga, 2002, p. 8-12).

Seja no distrito industrial tecnológico, ou no centro tradicional, ou no espaço metropolitano, ou no espaço rural, a “atmosfera” promove um “espírito coletivo” de cooperação, favorecendo o “tecido social” promotor do desenvolvimento endógeno (Becattini, 2002, p. 9-32; Benko,2002,p. 28-29). Outros autores, como Abramovay (2000,p.379-397)eSilva(2012a, p. 214-222), destacam que a “atmosfera” promove a partir das externalidades a formação de uma ideia que guia a sociedade local, ou seja, uma ideia-guia que leva a sociedade local para a mesma direção. É a ideia-guia quegaranteacoesãosocioprodutivadasaglomeraçõesterritoriais44.Porexemplo,em determinado território, a sociedade local pode ter como ideia-guia: o turismo, ou a cafeicultura, ou a confecção de roupas, ou a pesca marítima45.

44 Essa “atmosfera” viabiliza a busca de um “somatório diferente de zero” – onde os conflitos sociais

intraeinter-classesexistem,maspermanecem“fechados”.Ouseja,porexemplo,a ideia-guia possibilita forjar projetos coletivos, em que todos ganham, ainda que não tudo o que gostariam.

45 Como destaca Jouen (2001, p. 2), “o solo e o subsolo – planícies, clima ártico, regiões montanhosas,

Apesar da flexibilidade, as novas aglomerações produtivas territoriais nem semprereúnemcondiçõesfavoráveis,revelandoque o regimedeacumulaçãoflexível é complexo e, algumas vezes, “espontâneo” (Bagnasco, 1999, p. 33-43). Isso significa que nem sempre é fácil criar uma “atmosfera” favorável, e/ou copiar ou carregar de um lado para o outro as virtudes propagadas pelos bons exemplos. Por exemplo, as PMEs dependem da evolução das tecnologias de produção que permitem aplicações rentáveis, mesmo para produções em pequena escala, ou com trabalhadores pouco qualificados46. Além do mais, as aglomerações produtivas territoriais dependem dos modos de governança adotados, o que significa dizer que as escolhas políticas (tanto no âmbito privado, como no público) influenciam os rumos do desenvolvimento.

Em termos práticos, as aglomerações produtivas territoriais são frutos de fatores econômicos e organizacionais gerais (que valem para o mundo) e específicos (que valem apenas para o lugar) (Bagnasco, 1999, p. 33-43; Becattini, 2002, p. 9-32). Em outras palavras, as aglomerações produtivas territoriais não dependem apenas de condições locais favoráveis, mas também de condições globais favoráveis, e, por isso,seusucessopodelevar anos para ser tramado (Gurisatti, 1999, p. 81). Assim, os territórios“mais flexíveis” não são iguais, mas são marcados por uma pluralidade inesgotável de singularidades e especificidades – “[...] no habría sido posible realizar

generalización teórica alguna […]” (Becattini, 2006, p. 150). Em suma, cada território

“contemporâneo” tem um DNA socioprodutivo específico.

Oexemploda TerceiraItália47ilustramuitobemadinâmica das aglomerações produtivas territoriais. Foi, indubitavelmente, a Itália que deu o principal impulso aos novos modelos de acumulação flexível ainda nos anos 1970 (Garofoli, 1993, p. 49-75;Sforzi,2006,p.37-42). Nosanos1990,oscasos italianos já despontavam como exemplos a serem seguidos – fundamentados em uma “miríade” de PMEs, um “bom funcionamento do tecido urbano” (equipamentos educacionais e de lazer, serviços públicos, infraestrutura viária, administração local, etc.), uma forte intervenção do poderpúblico,eumelevadoaproveitamentodasvantagensdomercado internacional

46 DeacordocomSforzi(2006, p. 37-42),anovarealidade transformou a “produção em série” em uma

“fabricação neo-artesanal”, com trabalhadores especializados e máquinas versáteis, que permitiam competir com as grandes firmas. Ver também Ortega e Silva (2011, p. 45-48).

(benefícios cambiais)48. O fato é que a Terceira Itália oferecia uma “particularidade”, ou um tipo de “mistura balanceada” de “concorrência-emulação-cooperação”49.

Emsuma,cadaterritório“contemporâneo”temelementosmateriais próprios, que se consolidam nas aglomerações produtivas territoriais (Sforzi,2006,p.37-42). Em geral, as aglomerações produtivas territoriais têm uma “atmosfera” que, quando favorável/positiva, produz um “tecido social” e uma “ideia-guia”. É importante frisar que alguns territórios“mais flexíveis” podem até ter uma aglomeração produtiva territorial, porém, isso não significa ter um “tecido social” e uma “ideia-guia” coesa (Benko, 2002, p. 60; OrtegaeSilva,2011,p.45-48; Sforzi,2006,p.37-42). Talvez, isso expliqueporqueexistemtantasassimetriassocioeconômicas entre as aglomerações produtivas territoriais. Ou seja, os elementos materiais precisam estar em simbiose com os elementos imateriais/pluralistas e com as estruturas institucionais.