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3. Espécies de infrações tributárias

3.2. Crimes e contra-ordenações tributárias

3.2.2. As contra-ordenações tributárias: enquadramento geral

A respeito do Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, que inaugurou no nosso ordenamento o chamado ilícito de mera ordenação social ou direito das contra-ordenações, há uma frase emblemática, por certo hoje desajustada, que expressa bem o sentimento dos mais audazes perante a figura das contra- ordenações e respetiva sanção aquando da sua introdução: “«[h]averá milhões de portugueses que continuarão a nascer, a viver e a morrer sem saberem o que é uma contra-ordenação e uma coima»” (186)

. Esta parece-nos, no entanto, uma profecia já morta.

De facto já muitos rios de tinta correram, não só no nosso ordenamento, mas principalmente no estrangeiro, em torno da vexata questio da diferenciação do ilícito de mera ordenação social face ao ilícito penal e consequentemente, em torno de uma tentativa de autonomização codificada. O desassossego era tal que já começavam a ser recorrentes confissões de desânimo. Havia mesmo quem apelidasse essa vexata questio como “«o que vem colocando os juristas numa situação de desespero»” (187)

. Hodiernamente, porém, face ao percurso histórico-legislativo da figura da contra-ordenação, a controversa questão de outrora já não tem motivos para manter a sua pertinência, o que é particularmente visível no preâmbulo do atual RGIMOS: “manteve-se, outrossim, a fidelidade à ideia de fundo que preside à distinção

entre crime e contra-ordenação. Uma distinção que não esquece que aquelas duas categorias de ilícito tendem a extremar-se, quer pela natureza dos respetivos bens jurídicos quer pela desigual ressonância ética”.

(185) Cf. artigos 65.º a 69.º, 90.º-A, n.º 2 e 90.º-G a 90.º-M do CP, ex vi artigo 3.º, al. a) do RGIT.

(186) Cf. MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Contributo para o…”, op. cit., pág. 75, nota de rodapé n.º 1 (aspas

e itálicos no original).

(187) Cf. KÖSTLIN, apud MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Contributo para o…”, op. cit., pág. 76, nota de

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Como decorrência natural, a contra-ordenação viria a ser definida como

todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima – artigo 1.º do RGIMOS – definição esta que tem subjacente um

critério puramente formal da distinção entre crimes e contra-ordenações: será contra-ordenação todo o facto para o qual a lei preveja a aplicação de uma coima.

Partindo agora para a catalogação das contra-ordenações tributárias propriamente ditas, estas dividem-se, nos termos do RGIT, em: 1) contra- ordenações aduaneiras e 2) contra-ordenações fiscais, ambas punidas a título de negligência (188), com exceção das contra-ordenações previstas nos artigos 113.º e 118.º do RGIT, expressamente punidas a título de dolo.

As contra-ordenações aduaneiras encontram-se previstas no Capítulo I do Título II da Parte III do RGIT. As contra-ordenações fiscais, por sua vez, estão presentes no último Capítulo do RGIT, ou seja, no Capítulo II do Título II da sua Parte III.

3.2.2.1. Em especial: as sanções aplicáveis às contra-ordenações tributárias

3.2.2.1.1. Sanção principal: a coima

A coima (Bussgeld) constitui a sanção típica das contra-ordenações (189), e é concebida como um aviso dirigido ao cidadão que faltou ao seu dever de colaborar na prossecução dos interesses do Estado, visando incutir no agente um sentimento de cumprimento do dever em relação a obrigações futuras.

A coima, sendo uma sanção de natureza exclusivamente patrimonial, funciona no sistema como uma mera admonição, isto é, como uma especial

(188) Cf. artigo 24.º, n.º 1, do RGIT.

(189) Sobre a origem remota do termo coima nas ordenações do reino e seu significado, veja-se, por todos,

MANUEL ANTÓNIO CARDOSO LOPES ROCHA, “Breve Nótula sobre o Significado da Expressão Coima”, in Contra-

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advertência ou reprimenda pela observância de certas proibições. Não tem, por isso, qualquer finalidade de prevenção.

Em função do seu montante, as contra-ordenações tributárias são qualificadas como simples ou graves (190).

Assim, serão de qualificar como simples as contra-ordenações tributárias cujo limite máximo da coima não ultrapasse € 5750; serão graves aquelas contra-ordenações cujo limite máximo da coima exceda a quantia anterior, bem como aquelas que, independentemente do valor aplicável, sejam como tal qualificadas (191). No que respeita aos montantes da coima, no caso de agente pessoa coletiva, aquela pode chegar a € 165 000 no caso de dolo ou a € 45 000 no caso de negligência (192). Via de regra – e sob pena de nos tornarmos repetitivos - o RGIT prevê a punibilidade das contra-ordenações somente a título de negligência, sem prejuízo da contra-ordenação de “recusa de entrega, exibição ou apresentação de escrita de documentos fiscalmente relevantes”, prevista no artigo 113.º do RGIT, e da contra-ordenação de “falsificação, viciação, e alteração de documentos fiscalmente relevantes”, prevista no artigo 118.º do RGIT, cujos tipos legais prevêem expressamente a punibilidade a título de dolo.

Tratando-se de agente pessoa singular, a coima aplicável não poderá ultrapassar metade dos limites máximos anteriores, isto é, € 82.500 e € 22.500

(193)

respetivamente, desde que o contrário não resulte da lei. De qualquer forma, o montante mínimo da coima, tanto para agente pessoa singular como para agente pessoa coletiva é de € 50, exceto em caso de redução de coima cujo montante mínimo passa a ser de € 25 (194)

. Também no que às contra- ordenações respeita, os limites mínimos e máximos das coimas previstas nos diferentes preceitos são elevados para o dobro sempre que sejam aplicáveis a uma pessoa coletiva ( 195 ). Só assim não será se esses limites já forem estabelecidos pelo próprio preceito. Também as coimas podem ser objeto de

(190) Cf. artigo 23.º, n.º 1, do RGIT. (191) Cf. artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do RGIT. (192) Cf. artigo 26.º, n.º 1, do RGIT. (193) Cf. artigo 26.º, n.º 2, do RGIT. (194) Cf. artigo 26.º, n.º 3, do RGIT. (195) Cf. artigo 26.º, n.º 4, do RGIT.

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redução (196), com fundamento em certos requisitos legalmente previstos (197), bem como de uma dispensa e atenuação especial das mesmas ( 198 ), considerando-se prescritas no prazo de cinco anos a contar da sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e de suspensão previstas na lei geral

(199)

. As sanções acessórias, a seguir enumeradas, prescrevem também no mesmo prazo (200).

3.2.2.1.2. Sanções acessórias

Não obstante a coima ser a sanção típica das contra-ordenações, tal não significa que seja a única sanção aplicável aos factos como tal considerados. A par das coimas, o RGIT prevê também uma série de sanções acessórias (201), como sejam:

i. A perda de objetos pertencentes ao agente;

ii. A privação do direito a receber subsídios ou subvenções concedidos por entidades ou serviços públicos;

iii. A perda de benefícios fiscais concedidos, ainda que de forma automática, franquias aduaneiras e benefícios concedidos pela administração da segurança social;

iv. A privação temporária do direito de participar em feiras, mercados, leilões ou arrematações e concursos de obras públicas, de fornecimento de bens ou serviços e de concessão, promovidos por entidades ou serviços públicos;

(196) Cf. artigo 29.º do RGIT.

(197) Cf. artigo 30.º do RGIT

(198) Cf. artigo 32.º do RGIT. (199)

Cf. artigo 34.º do RGIT e artigos 30.º (suspensão) e 30.º-A (interrupção) do RGIMOS, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT.

(200) Por força do artigo 31.º do RGIMOS.

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v. O encerramento de estabelecimento ou de depósito;

vi. A cassação de licenças ou concessões e suspensão de autorizações; e

vii. A publicação da decisão condenatória a expensas do agente da infração.

De referir que a distinção das contra-ordenações tributárias em simples e graves com referência ao montante da coima aplicável é de suma importância, já que as sanções acessórias supra apenas são de aplicação cumulativa com as contra-ordenações graves.