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O conceito “outras pessoas” e o segmento “sociedades

4. Natureza jurídica da infração tributária

2.1.2. O conceito “outras pessoas” e o segmento “sociedades

irregularmente constituídas e outras entidades fiscalmente equiparadas”

A par dos administradores e gerentes, o n.º 1 do artigo 8.º do RGIT prevê também a responsabilidade de “outras pessoas”. O que entender, no entanto, por este conceito tão amplo e simultaneamente, tão abstrato?

Ora, de entre todas as pessoas, singulares e coletivas, que se podem subsumir à vaguidade do conceito “outras pessoas” podem desde logo considerar-se excluídas, com segurança, as pessoas coletivas (326). Isto porque face ao artigo 191.º, n.º 3, do CSC, uma pessoa coletiva sócia nunca pode ser gerente de uma outra pessoa coletiva. No entanto, se não houver uma disposição contratual em sentido contrário, nada a impede de nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, assumir e exercer esse cargo. Do mesmo modo, se uma pessoa coletiva for designada administrador, deve igualmente nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio – artigo 390.º, n.º 4, do CSC. Todavia, ainda de acordo com o mesmo preceito, a pessoa coletiva não está isenta de responder solidariamente com a pessoa singular designada pelos atos desta. Estando as pessoas coletivas afastadas daquele conceito restam as pessoas singulares, e de entre estas, aquelas que

(325) Cf. JOÃO MIGUEL PRIMO DOS SANTOS CABRAL, “A Responsabilidade…”, op. cit., pág. 284 (itálico no

original).

(326) Cf. neste sentido, PAULO MARQUES, Responsabilidade Tributária dos…, op. cit., pág. 149, nota de

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tenham idoneidade para serem gerentes de facto e de direito. Porque para se entender o sentido de algumas expressões utilizadas pelo legislador é muitas vezes necessário inseri-las num contexto mais amplo, in casu, no contexto geral do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, o conceito ambíguo de “outras pessoas” parece-nos estar dirigido e circunscrito aos gerentes de facto. A interpretação desse conceito a partir do segmento “«outras pessoas» que exerçam, ainda somente de facto, funções de administração” levam-nos, de facto, a essa conclusão ( 327 ). Assim, no conceito de “outras pessoas” tanto pode caber aquele indivíduo que atue como se fosse gerente de direito, embora sem título bastante para o efeito (v.g., a designação de determinada pessoa como gerente ser nula por ser nula a deliberação dos sócios que o elegeu), como o indivíduo que embora tendo um estatuto diverso do de gerente desempenhe funções com a autonomia que é própria dos gerentes de direito.

Quanto ao segmento “sociedades irregularmente constituídas e outras entidades fiscalmente equiparadas” há que começar por distinguir entre

sociedades irregularmente constituídas e entidades fiscalmente equiparadas.

Começando por estas últimas, tudo leva a crer que a intenção do legislador do RGIT tenha sido a de colocar o preceito em análise em consonância com o artigo 2.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (328), onde vêm definidos os sujeitos passivos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), como sejam, as

sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português (alínea a)); as entidades desprovidas de personalidade jurídica (329), com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis em Imposto sobre

(327)

Também JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e

Comentado, 5.ª edição, Vol. II, Lisboa, Áreas Editoras, 2007, pág. 342, tem a mesma opinião. Segundo o autor, num

comentário feito à expressão outras pessoas que exerçam funções de administração, esta “teria o alcance de alargar o regime da responsabilidade subsidiária a pessoas que, não tendo a qualidade de administradores ou gerentes, exercessem de facto funções de administração”.

(328) Intensão também presente no artigo 112.º da LGT, ora revogado.

(329) Numa intenção de densificar este conceito indeterminado, o legislador veio estatuir, no n.º 2 do artigo 2.º

do CIRC, que se consideram incluídas neste conceito, além de outras realidades, as heranças jacentes, as pessoas coletivas em relação às quais seja declarada a invalidade, as associações e sociedades civis sem personalidade jurídica e as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, anteriormente ao registo definitivo.

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o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou em IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou colectivas (alínea b)) e as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS (alínea c)). Quanto às sociedades irregularmente constituídas, estas só

podem dizer respeito às sociedades (irregulares) que iniciem a sua laboração antes de adquirirem personalidade jurídica civil, ou seja, antes da promoção do seu registo definitivo (330). A personalidade jurídica tributária, que a LGT define no seu artigo 15.º como suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias, constitui-se ainda que não exista personalidade jurídica civil (331), sendo bastante a verificação de um facto previsto na lei como que obrigue ao cumprimento das obrigações principais e acessórias de imposto. A este propósito fala-se também em desconsideração da personalidade jurídica civilística (332). Na verdade, se assim não fosse, a falta de regularidade de uma sociedade poderia ter um objetivo concreto e bem definido definido: a obtenção de lucros que nunca seriam tributáveis, já que não haveria qualquer obrigação dos gerentes em cumprirem com as obrigações principais e acessórias. Não havendo qualquer dever de cumprir com estas obrigações de imposto também não se pode falar de culpa que, como se sabe, só pode ser chamada num contexto de inobservância de normas legais. Se não há uma conduta ilícita, obviamente que também não há um enquadramento jurídico da mesma numa norma do RGIT. Não estando a conduta devidamente tipificada no texto legal do RGIT não é possível desencadear qualquer reação negativa prevista neste.

(330) De acordo com o artigo 5.º do CSC, “[a]s sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como

tais a partir da data do registo definitivo do contrato pela qual se constituem (…)”.

( 331 ) Repare-se que o legislador tributário prescreve que são sujeitos passivos de IRC “as entidades

desprovidas de personalidade jurídica”.

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