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As contribuições de Orozco Gómez

MTE: A CONSTRUÇÃO DE UM SENTIDO

MODELOS MOSAI COS

2.3.3 As contribuições de Orozco Gómez

Num primeiro momento, podemos considerar que a obra desse comunicólogo mexicano é um desenvolvimento das idéias originalmente introduzidas por Barbero. Entretanto, o volume e a densidade de sua produção atestam uma propriedade de pensamento absolutamente significativa de per se.

Podemos creditar-lhe, também, uma síntese conceitual das mediações de Serrano e Barbero, como quando ele declara que o que “subjaz de comum em ambos os tipos é que a mediação está referida precisamente aos meios. Assim, nesta compreensão limitada, são os meios, os mass media, os que medeiam o conhecimento e transmissão dos fatos sociais às

audiências” (OROZCO GÓMEZ, 1998: 94)159. Entre os dois teóricos ibero-americanos, seguramente, ele se apóia mais no colombiano, segundo ele próprio assinala ao falar da influência que a leitura de De los medios a las Mediaciones exerceu sobre suas escolhas e descobertas enquanto pesquisador da comunicação160.

Em sua obra Televidencia: perspectivas para el análisis de los procesos de

recepción televisiva (1994), Orozco já apresenta uma proposta metodológica bastante

amadurecida e uma interpretação bem estruturada das mediações voltada para o estudo da recepção televisiva:

“Em um esforço para resgatar a mediação para o terreno da mediação televisiva, proponho que se a entenda como um ‘processo estruturante’ que configura tanto a interação dos membros da audiência com os meios, como a criação por parte deles do sentido dessa interação” (OROZCO GÓMEZ, 1994: 74 – tradução nossa ).

Quatro anos depois, ele voltaria a fazer uma síntese das concepções históricas da mediação comunicacional, esclarecendo que

“o conceito de ‘mediação’ já existia anteriormente como tal nos estudos de comunicação. Na literatura anglo-saxônica, já desde finais dos [anos] setenta, se encontra a mediação nos processos de ver televisão como sinônimo de ‘intervenção’, especificamente referida a ações conscientes de educadores e comunicadores para modificar a recepção televisiva” (OROZCO GÓMEZ, 1998: 93 – tradução nossa).

Da “tradução” que ele faz, em seus próprios termos, das idéias que se originam em Barbero, surgem indícios importantes para efetuar, em nível metódico-metodológico, operações de análise inferencial que demonstram a aplicabilidade da teoria das mediações ao estudo quantitativo de objetos comunicacionais.

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Interessante notar como esse ponto de vista é questionado por SIGNATES quando anota que “Mediação não é intermediação. Mesmo que permaneçamos na discutível ‘função’ das instituições de comunicação como intermediários entre grupos e instituições sociais […], chamar tais instituições de ‘meios de comunicação’ não implica de forma alguma afirmá-las como ‘mediações’.” (SIGNATES, 1998: 40). 160

Segundo ele relata, quando terminava sua tese de doutorado em educação em Harvard (E.U.A.), travou contato com a obra do autor colombiano e com a alternativa que ela oferecia em contraposição ao uso instrucional dos meios de comunicação que imperava no ambiente acadêmico estadunidense. Ele nos conta que “(…) foi justamente aqui, nesta encruzilhada, de onde a obra de Jesús Martín-Barbero me deu a chave, que sintetizo [de memória] em uma de suas próprias frases: ‘Não foram só os paradigmas, senão os feitos obstinados da América Latina, os que mudaram os objetos de estudo dos pesquisadores da comunicação’. Descobrir essa idéia, não só me deu a confiança necessária para minha proposição, como também se estabeleceu, desde então, como princípio em meu trabalho como pesquisador da comunicação” (OROZCO GÓMEZ, 1998: 94 – tradução nossa).

Um exemplo da importância dessa tarefa assumida por Orozco é sua explanação sobre as práticas sociais evocadas por Barbero, expressa nestes termos:

“Sem proporcionar uma definição precisa do que entende por ‘prática social’, novamente Martín-Barbero nos coloca frente a uma substanciação provocativa que nos permite compreendê-la. Para ele, uma prática social comporta três componentes ou dimensões. O primeiro é a ‘socialidade’, que entende como essa dimensão interpessoal e coletiva que escapa à racionalidade institucional — incluída a dos meios e tecnologias da informação — e que se inspira e orienta em outras racionalidades — e eu diria também —, em outras sensibilidades como aquelas subjacentes nos afetos, no poder, na luta, na constituição de identidade, no gênero, na etnia. (…) Uma segunda dimensão da prática é a ‘ritualidade’. Por tal, Martín-Barbero assume essa permanência que transcende o meramente espontâneo na comunicação e que confere à prática justamente sua dimensão de prática. Se em algumas ocasiões a ritualidade comporta certa dose de mecanicismo, de mera repetição, seu desdobramento supõe também uma boa dose de criatividade e de reflexividade, na medida em que as situações em que se manifesta a ritualidade nunca são exatamente iguais (…). A terceira dimensão (…) é a “tecnicidade”, que propõe como essa característica, rebaixando o meramente instrumental, dos processos de comunicação, por exemplo, permite elucidar novas sensibilidades e linguagens. Essa dimensão não é, portanto, externa ou aleatória aos processos, mas se apresenta como parte consubstancial deles” (OROZCO GÓMEZ, 1998: 95 – tradução nossa).

O excerto acima nos interessa sobremaneira, uma vez que nos introduz ao conceito basilar de tecnicidade, identificado como uma prática social possível. Convém esclarecer que corresponde, nada menos, ao cerne de nossa problemática na MTE, quando insistimos no fato de que, em educação, não é a tecnologia quem conduz a mediação, mas justamente o contrário.

Dito por Orozco Gómez:

“Distinguir que o veículo não é o processo permite compreender, por exemplo, que a comunicação não é determinada pelos meios, nem muito menos reduzida a eles. (…) Mas, sobretudo, permite entender que a informação, embora suporte a comunicação, não pode ser seu sinônimo, como já há algum tempo vem insistindo a literatura internacional, por exemplo quando se faz alusão a essa suposta ‘sociedade de informação’ na qual habitamos.” (OROZCO GÓMEZ, 1998: 96 – tradução nossa).

Não é só o afã de sintetizar os pontos obscuros da filosofia de Martín-Barbero que orienta a leitura que o pesquisador mexicano faz das mediações: ao que parece, sua preocupação mais presente é construir e aperfeiçoar toda uma metodologia analítica embasada no paradigma das mediações, a qual converteu-se na tônica de seus trabalhos na última década. Um fato pertinente para ilustrar essa afirmação pode ser identificado na

transposição dos vários exemplos de mediação citados em De los medios a las Mediaciones em quatro categorias (“tipos”) 161, claras o bastante para sustentar uma análise qualitativa:

(a) Mediações individuais, entendidas como

“as que provêm de nossa individualidade enquanto sujeitos cognoscentes e

comunicativos, isto é, a psicologia e as ciências da comunicação dizem que as

pessoas percebem através de certos esquemas mentais de significados [a ciência psicológica enfatiza principalmente os esquemas, os culturalistas diriam que mais que esquemas, são repertórios], pelos quais outorgamos o sentido à nova informação” (OROZCO GÓMEZ, 1997: 116 – tradução nossa).

Tais esquemas são chamados, mormente, de “roteiros” (guiones) 162, os quais definem seqüências específicas de ação e discurso, e que proporcionam aos sujeitos “diretrizes para atuar de acordo com uma representação generalizada do que entendem que se espera deles” (OROZCO GÓMEZ, 1994: 75 – tradução nossa).

(b) Mediações situacionais, constituídas pela situação em que se estabelece a recepção (sempre pensando num exemplo TV/telespectador). Isso se exemplifica se pensarmos nas diferentes experiências que se pode ter assistindo um filme: no cinema, na TV163, sozinhos, em companhia de alguém ou de várias pessoas, etc. Também se incluem aqui os estados de ânimo e as motivações com que os espectadores assistem à programação, pois “Às vezes se quer distrair e se liga a TV; em outras oportunidades se quer uma informação precisa do que se passou e se busca o jornal para

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Posteriormente, o autor alteraria e ampliaria seu quadro classificatório, acrescentando as mediações de referência, extraídas de dentro das mediações individuais e renomeando as mediações tecnológicas como mediações massmediáticas. De acordo com LOPES (2000), “Orozco parte da necessidade de tornar a

conceituação de Barbero mais concreta e, para isso, vem trabalhando numa tipologia de mediações que se encontra em construção [veja-se as distintas publicações], a qual, como toda proposta, exige burilamento na definição e na delimitação de cada uma das mediações propostas. É certo que isso só se consegue através de sua utilização crítica em pesquisas empíricas” (LOPES, 2000: 129).

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Esta nos parece uma tradução “possível” por conter um certo grau de generalidade e ser usual, por exemplo, em manuais de produção audiovisual. Na verdade, o sentido original da palavra espanhola guión, é

intraduzível para o português, já que se identifica com um estandarte levado à frente do prelado ou do rei, ou ainda, um sinal antecipatório de grafia musical, atualmente em desuso (ALMOYNA, 1983: 586).

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Hoje, forçosamente, teríamos que agregar a esse quadro a Web (sites como o Youtube e similares), o telefone celular com streaming audiovisual e sabe-se lá quantos outros receptores de mídia venham a ser

ler. Às vezes se está cansado, às vezes não” (OROZCO GÓMEZ, 1994: 75 – tradução nossa).

(c) Mediações institucionais, que se estabelecem a partir dos roteiros pertinentes aos diferentes círculos de relação ao qual o espectador está vinculado. Orozco esclarece que:

“As instituições utilizam diversos recursos para implementar sua mediação. O poder e as regras são algumas estratégias, assim como os procedimentos de negociação; as condições materiais e espaciais também servem às metas institucionais. A autoridade moral e a acadêmica são outros recursos. A atribuição de identidade e o incremento de classificações que outorguem sentido ao mundo são dois dos aspectos mais importantes das mediações institucionais” (OROZCO GÓMEZ, 1994: 79 – tradução nossa).

Este tipo de mediações ocorre no seio da família, na escola, no trabalho, na igreja, no círculo de amigos — em suma — onde quer que se produzam e compartilhem cultura e significados.

(d) Mediações tecnológicas, que se associam ao caráter específico do discurso influenciado pela tecnologia, presente na TV e também no rádio. Na revisão de sua própria tipologia, Orozco optou por chamar este tipo de mediações de Massmediáticas, diferenciando-as em videotecnológicas e radiotecnológicas, de acordo com a especificidade de cada veículo envolvido. O autor mexicano assinala que

“A própria tecnologia exerce uma mediação [como afirma Barbero]. Não é o mesmo ver algo pela TV que escutá-lo no rádio, lê-lo no jornal ou vê-lo no cinema. São tecnologias distintas, linguagens distintas, estratégias de comunicabilidade distintas e isso está, de alguma maneira, influenciando o processo de percepção e a interação com essa informação” (OROZCO GÓMEZ, 1997: 117 – tradução nossa).

Um quinto tipo de mediação (e) seria agregado posteriormente no sistema de Orozco, a partir de um desmembramento das mediações individuais: as mediações de referência. Estas incluem “todas aquelas características que se situam num contexto ou ambiente determinado: por exemplo, a idade, o gênero, a etnia, a raça ou a classe social.” (OROZCO GÓMEZ, 1997: 118 – tradução nossa).

LOPES (2000), com base nesse modelo de mediações múltiplas, estabelece um eixo transversal composto por quatro elementos articuladores, a saber: (1) Nível — que indica plano ou dimensão cultural da mediação; (2) Fonte — que indica a mediação tomada através de sua concretização em ambientes “observáveis”; (3) Lugar — indicando uma localização de natureza relacional e (4) Discurso — indicando em qual âmbito discursivo a mediação se insere. Essa contribuição foi concebida por LOPES para um objetivo bem claro: compor uma estratégia metodológica que pudesse atender à necessidade de concretizar uma pesquisa em torno da recepção de telenovelas. Nesse projeto, tais elementos articuladores, associados aos tipos de mediação estabelecidos por Orozco, resultam num quadro analítico (de número 16), que reproduzimos, fielmente, na seqüência:

Nível Fonte Lugar Discurso