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MTE: A CONSTRUÇÃO DE UM SENTIDO

2.3 A Teoria das Mediações

A partir deste ponto, analisaremos a questão tal como foi tratada cronologicamente, apropriando-nos das postulações de SERRANO (1986), MARTÍN-BARBERO (2003138) e OROZCO GÓMEZ (1997), acrescidas das contribuições de outros autores, conforme sua pertinência.

2.3.1 As contribuições de Serrano

Para iniciar, recorreremos a um dos exemplos mais notáveis de reforma do pensamento acadêmico comunicacional: Manuel Martín Serrano139. Esse pesquisador espanhol, graças a seus trabalhos publicados entre as décadas de 1970-1980 — com destaque para La Mediacion Social (1977), Teoria de La Comunicacion (1982), além da La

Producion Social de La Comunicacion (2004) — reorientou a pauta dos debates no campo

da Comunicação, vinculando as práticas de pesquisa (ainda concentradas na análise dos meios produtores) ao arcabouço social das correntes teóricas dialéticas da sociologia.

Para nosso estudo, mostra-se fundamental a menção à obra de 1977, sobre a qual a pesquisadora mexicana Cecilia Cervantes BARBA comenta que

“A tendência e os propósitos de Martín Serrano começam a se aclarar em 1977 quando publica La Mediación Social, livro no qual esse pesquisador desenvolve sua interpretação da mediação ao mesmo tempo em que define o lugar que ocupa a investigação sobre a mediação social dentro dos estudos da comunicação e do social em geral” (BARBA, 1992: 38 – tradução nossa)

Algumas de suas reflexões mais importantes sobre o tema da mediação, bastante desenvolvidas a posteriori, compõem o verbete “Mediação”, do Dicionário de Ciências

Sociais da UNESCO, que tomamos como fonte para nossa investigação. Nessa obra, a

138

O ano refere-se à segunda edição em língua portuguesa, a primeira edição espanhola de De los

medios a las mediaciones. Comunicación, cultura y hegemonia, remonta, como se sabe, ao ano de 1987.

139

Sociólogo, professor e, mais tarde, diretor do Instituto de Comunicação da Universidad Complutense de Madrid (Espanha). Seu papel na construção da Teoria das Mediações foi assim descrito por BARBA: “No seio da formalização das ciências da comunicação surge, por volta da década de setenta, o estudo da mediação social com a proposta metodológica de Manuel Martín Serrano, que localiza a mediação no plano cognitivo, diferentemente da pespectiva sócio-espacial de Jesús Martín-Barbero.” (BARBA, 1992: 38 – tradução nossa).

abordagem do tema resulta numa síntese do conceito de mediação em SERRANO, a partir da qual destacamos alguns pontos dignos de menção:

1) A Mediação — num sentido mais geral — equivale a um sistema que objetiva instituir um modelo de ordem, o qual

(1) seria aplicável à totalidade dos campos dentro das ciências humanas;

(2) possibilitaria (na verdade, praticamente, obrigaria) o delineamento de tipos mediadores e categorias de mediação;

(3) ajudaria a controlar as formas de representação da realidade — mas nunca a própria realidade, já que “Confundir a realidade com o modelo é justamente o tipo de mecanismo que dá origem à opressão intelectual” (SERRANO, 1986: 735).

2) As Mediações — num sentido mais específico — seriam os próprios modelos de representação da realidade, englobando os procedimentos metodológicos neles infusos por ação do mediador, de modo que,

(1) cada uma delas pode ser isolada e formalizada;

(2) “coexistem no tempo diversos modelos de mediação que impedem a visão totalizadora do mundo.” (SERRANO, 1986: 736);

(3) “cada uma dessas mediações obriga a fragmentar a visão da realidade, impondo a cada setor do conhecimento um modelo do qual não se escapa, por não haver substituto para ele.” (SERRANO, 1986: 736).

Tomando como base esse postulado sociológico e metodológico a respeito da mediação, Serrano estabelece uma definição primordial para o conceito:

“Define-se a mediação como a atividade de controle social que impõe limites ao que poderia ser dito (e às maneiras de dizê-lo) por meio de um sistema de ordem.”140

140

Abstraindo essa definição dentro de um contexto mais especificamente “comunicacional”, Serrano estabelece um paralelo entre mediação e código, assinalando que “Um modelo de mediação é um código sob um duplo ponto de vista.” Os dois pontos de vista aos quais o autor se refere são:

I. como sistema codificante (no sentido restrito de código141

) equivalente a “estrutura”, ou seja, “modelos que permitem massificar a diversidade do acontecer de um ponto de vista sociocultural compartilhado a priori pelo emissor e pelos receptores.”(op. cit.);

II. como elemento coercitivo (no sentido mais amplo de código142

) equivalente a “ideologia”, isto é, parâmetros que determinam os critérios de verdade “que servem para corrigir os desvios do conhecimento e do comportamento com relação a um único propósito prefixado” (op. cit.).

Essa identificação com o complexo código/ideologia permite que a mediação mantenha ou restitua a ordem do significado — a qual se constrói com a informação, isto é, desde que esta não ameace o consenso estabelecido na compreensão. Dito de outra maneira: “Na medida em que os instrumentos de mediação utilizam os mesmos supersignos143 empregados para pensar e atuar, a significação da mensagem144 é uma constante cultural.” (op. cit.).

Entendemos assim, o mediador social/cultural como um “operador de significados” cuja ação define, dentro do sistema, as constantes culturais (identificadas, grosso modo, com o valor informativo da mensagem) com vistas a assegurar a compreensão inequívoca e, conseqüentemente, possibilitar a previsão e a ação145.

A contribuição teórica de Martín Serrano não se esgota em estabelecer o conceito de mediação social, mas avança na proposta de uma metodologia de estudo que categoriza as

141

Referenciado em La estructura ausente de ECO (1972). 142

Referenciado em Durkheim. 143

Expressão emprestada de A. A. Moles, definidos, em sua natureza cultural, como “Formas normalizadas de combinar os signos mais elementares que são aceitas no universo da memória perceptiva.” (op. cit.).

144

Referida à estabilidade das noções, coincidindo, portanto, com as formas estabilizadas da linguagem. 145

mediações146. O referencial para essa categorização não está (e nem poderia estar) fora da esfera de influência da ideologia (no sentido marxista do termo), assim:

“Este novo enfoque em sociologia encaminha-se para a análise dos ‘mediadores culturais’ que desempenham uma função essencial dentro do sistema de controle social. Os meios de comunicação são concebidos precisamente como mediadores culturais que ‘transportam’ formas de ver o mundo ou ‘visões ideológicas’ que têm uma estrutura lógica específica e que, portanto, podem-se estudar mediante a análise lógica (…).” (BARBA, 1992: 38 − tradução nossa)

Com base no conceito marxista de ideologia, Serrano proporá a categorização de quatro Tipos de Ordem na mediação, os quais se referem a modelos específicos, sendo:

1. Modelos Mosaicos de Mediação 2. Modelos de Mediação Hierárquica 3. Modelos de Mediação Articular

4. Modelo Latente ou Abstrato de Mediação

Procuramos sintetizar as categorizações da mediação em Serrano dentro de um quadro esquemático (quadro 15), com uma preocupação eminentemente didática. O fato é que, em nossa leitura, parece não haver uma preocupação estruturalista em Serrano que permita uma interpretação tão cabal das mediações sociais e culturais. Principalmente no que tange aos modelos de mediação Articular (3) e Latente/Abstrato (4), surgem lacunas que tentamos preencher sob a preocupação de não desvirtuar a construção epistemológica do autor espanhol.

Há que se levar em conta dois fatos: primeiro, que as categorias mencionadas tendem a se caracterizar mais como níveis da leitura possíveis de um fenômeno social — ou comunicativo, no sentido que mais nos interessa — do que propriamente como enquadramentos funcionais do tipo fechado. As categorias também apresentam certo grau de imbricação e contingência (mais do que de permeabilidade), notando-se, por exemplo, que o modelo articular identifica-se, muitas vezes, dentro de uma estrutura mosaica, assim como o modelo latente, por sua vez, é deduzido de uma mediação articular.

146

De resto, a metodologia de pesquisa social é um tema que ocupa enorme espaço na obra deste pesquisador, ao lado da epistemologia e da investigação de campo, desde a década de 1960 (BARBA, 1992).

MODELOS