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6.1. O conjunto de normas do CFS em análise, cujos principais destinatários são os nacionais de países terceiros na acepção do artigo 2.º, ponto 6, termina com o artigo 14.º, relativo à recusa de entrada “nos territórios dos Estados-Membros”. Trata-se da consequência

48 A circunscrição do âmbito subjectivo deste preceito aos nacionais de países terceiros que sejam membros da família de um cidadão da União ao qual se aplica a Directiva 2004/38/CE, com exclusão, portanto, dos membros da família dos cidadãos da União aos quais ela não se aplica – por não exercerem o seu direito de circulação e de permanência no território de um Estado-Membro de que não sejam nacionais –, explicar-se-á pelo facto de os membros da família desta segunda categoria de cidadãos da União não poderem ser titulares do cartão de residência ou do cartão de residência permanente nela previstos. Daqui não pode, porém, seguir-se que relativamente a estes últimos a regra seja a aposição de carimbo de entrada e saída nos respectivos documentos de viagem. Não o deverá ser, se apresentarem um título de residência emitido nos termos do Regulamento (CE) n.º 1030/2002, de 13 de Junho de 2002, que estabelece um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros a quem a Directiva 2004/38 não se aplica, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 380/2008, de 18 de Abril de 2008. Para esta solução aponta designadamente o artigo 2.º, ponto 16, nos termos do qual, para efeitos da aplicação do CFS, constituem títulos de residência, designadamente (i) os emitidos nos termos do Regulamento (CE) n.º 1030/2002 e (ii) os cartões de residência emitidos nos termos da Directiva 2004/38/CE [alínea a)].

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normal para aqueles que não preencham “todas as condições de entrada, tal como definidas no n.º 1, do artigo 6.º” e não pertençam às categorias de pessoas elencadas no n.º 5, do mesmo artigo, sem prejuízo da “aplicação de disposições especiais relativas ao direito de asilo e de protecção internacional, ou à emissão de vistos de longa duração” (n.º 1).

O normativo em análise exige que a decisão de recusa de entrada seja (i) tomada por uma autoridade competente nos termos do direito nacional; (ii) fundamentada com indicação das razões precisas da recusa; (iii) notificada ao interessado através de entrega directa de um formulário uniforme preenchido pela autoridade competente (n.º 2 e Anexo V, Parte B). A Parte A do mesmo Anexo estabelece em detalhe o procedimento de recusa de entrada na fronteira a seguir pelo competente guarda. Entre as diligências que lhe competem em tal caso, destacam-se (i) a aposição no passaporte de “um carimbo de entrada, riscado com uma cruz a tinta preta indelével, fazendo constar, do lado direito, igualmente a tinta indelével, a(s) letra(s) que corresponde(m) ao(s) motivo(s) de recusa de entrada”; (ii) a anulação ou a revogação do visto, nos termos do Código de Vistos. Se houver simultaneamente motivos que justifiquem a recusa de entrada e a detenção de um nacional de país terceiro, o guarda de fronteira contacta com as autoridades competentes para decidir da conduta a adoptar, em conformidade com o direito nacional.

Da decisão de recusa de entrada na fronteira cabe recurso judicial sem efeito suspensivo. Isto sem prejuízo, naturalmente, da suspensão provisória da eficácia da decisão recorrida, decretada a título de providência cautelar nos termos do direito nacional aplicável. O n.º 3, do artigo 14.º, precisa ainda que em caso de provimento do recurso o recorrente “tem direito a que o Estado-Membro que lhe recusou a entrada proceda à correcção do carimbo de entrada cancelado e de quaisquer outros cancelamentos ou aditamentos eventualmente efectuados”, para além de uma “eventual compensação concedida nos termos do direito nacional”.

A aplicação deste direito está obviamente sujeita ao escrutínio da sua compatibilidade com os princípios da equivalência e da efectividade. Em concreto, o regime nacional não pode estar delineado de modo a tornar impossível ou excessivamente difícil a obtenção de compensação por parte de quem foi destinatário de uma recusa de entrada jurisdicionalmente declarada ilegal49.

49 Sobre os princípios da equivalência e da efectividade, ver por último NUNO PIÇARRA, “A justiciabilidade do direito da União Europeia: tribunais do Estados-Membros e tribunais da União”, in JOÃO CAUPERS e o. (organizadores), O Livro dos Amigos de Luís Lingnau da Silveira, Almedina, Coimbra,

2016, pp. 277 segs. e bibliografia aí citada. 93

O TJ já decidiu que, com base no artigo 14.º, do CFS, pode ser recusada a entrada a um nacional de país terceiro sujeito à obrigação de visto nos termos do Regulamento (CE) n.º 539/2001, mas apenas na posse de um título temporário de residência concedido pelo Estado- Membro ao qual pretende regressar directamente – isto é, sem que, para o efeito, precise de entrar e transitar pelo território de outros –, por decisão da própria autoridade competente do Estado-Membro que lhe concedeu tal título.

O TJ rejeitou assim a tese do recorrente no processo principal segundo a qual as disposições conjugadas dos artigos 6.º e 14.º, do CFS, deveriam ser interpretadas no sentido de que a entrada no território de um Estado-Membro com base num título temporário de residência só pode ser recusada se o nacional de país terceiro solicitar a entrada para fins de residência de curta duração na fronteira de um Estado-Membro diferente do que lhe emitiu tal título. Segundo o TJ, o título temporário de residência, emitido no decurso do processo de apreciação de um primeiro pedido de título de residência ou de um pedido de asilo, está expressamente excluído do conceito de título de residência definido pelo artigo 2.º, ponto 16, do CFS. Esta exclusão resulta do facto de a emissão de um título temporário de residência demonstrar que não foi ainda verificado o cumprimento das condições de entrada no território dos Estados-Membros ou de concessão do estatuto de refugiado. Por conseguinte, os titulares do documento em causa não estão autorizados a circular na União nem estão dispensados de visto em caso de regresso ao Estado-Membro que lho emitiu50.

Por último, o TJ interpretou o artigo 14.º, n.º 3, no sentido de que, circunscrevendo-se o seu âmbito de aplicação às decisões de recusa de entrada, aí se prevê apenas a obrigação de os Estados-Membros instituírem uma via de recurso contra tais decisões. Respondeu assim negativamente à questão prejudicial colocada pelo tribunal a quo de saber se tal preceito também prevê o direito de recorrer das “infracções cometidas [pela autoridade fronteiriça competente] durante o procedimento que levou à tomada de decisão que autoriza a entrada”.

Na realidade, apesar da imperícia com que o juiz nacional colocou as questões prejudiciais – questões essas que o TJ não quis de todo reformular –, o que estava em causa era saber se o nacional de país terceiro deveria dispor de um recurso jurisdicional que lhe permitisse contestar o comportamento alegadamente ilícito dos guardas de fronteira e obter, sendo caso disso, uma indemnização, por força do artigo 7.º, n.º 1, do CFS (que os vincula a

50 Ver o acórdão ANAFE, cit., n.os 21, 68 e 41. Com base nestes argumentos, o TJ decidiu ainda que os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima não impõem a previsão de medidas transitórias para os nacionais de países terceiros que tenham deixado o território de um Estado-Membro apenas na posse de um título temporário de residência, emitido na pendência da apreciação de um primeiro pedido de título de residência ou de um pedido de asilo, e que pretendam regressar a esse território depois da entrada em vigor do CFS (n.º 93 e ponto 3 da parte dispositiva).

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respeitarem “plenamente a dignidade humana”), conjugado com o artigo 47.º, da CDFUE, não obstante a solução em sentido contrário vigente no direito nacional51.

Incompreensivelmente, o tribunal a quo fez depender a resposta a esta questão, de grande relevância, de uma resposta afirmativa à questão prejudicial a que o TJ respondeu – e bem – negativamente. Assim, em acórdão proferido no termo de um processo sem audiência de alegações ao abrigo do artigo 76.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, o TJ, depois de constatar uma divergência de interpretações relativamente às disposições de direito letão pertinentes e a falta, na decisão de reenvio, de informações suficientes para poder determinar a pertinência da interpretação do artigo 7.º, do CFS, para efeitos do exame do litígio – não a presumindo, portanto, ao arrepio de uma jurisprudência constante –, limitou-se a declarar em abstracto que cabe aos Estados-Membros preverem na sua ordem interna as vias de recurso adequadas para assegurar, no respeito do artigo 47.º, da CDFUE, a protecção das pessoas que invocam os direitos resultantes do artigo 7.º, do CFS52.

Se o acórdão tivesse sido proferido sob a actual versão do CFS, o novo artigo 4.º – cuja oportunidade sai manifestamente reforçada neste contexto – não poderia deixar de ser invocado. Se já fosse aplicável aos factos do processo principal, outras teriam sido, muito provavelmente, as questões prejudiciais colocadas ao TJ pelo mesmo tribunal a quo.

51 O recorrente no processo principal, de nacionalidade afegã, alegou ter sido sujeito, à entrada do Estado-Membro de trânsito (Letónia), a um controlo de fronteira alegadamente “efectuado de forma grosseira, provocante e ofensiva para a dignidade humana” e tão demorada que lhe fez perder o avião que o levaria ao Estado-Membro de destino (Suécia), o qual lhe tinha emitido dois anos antes uma autorização de residência permanente.

52 Ver o acórdão Mohamed Zakaria, de 17 de Janeiro de 2013, C-23/12, n.os 11, 23, 28, 34, 38, 40 e 42.

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II. Regras e excepções em matéria de passagem das fronteiras internas da união

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