• Nenhum resultado encontrado

II. Regras e excepções em matéria de passagem das fronteiras internas da união europeia

1. A proibição de medidas de efeito equivalente ao controlo de fronteira: delimitação legal e jurisprudencial

1.1. O princípio fundamental da ausência de controlo de pessoas na passagem das fronteiras internas da UE, reiterado pelos artigos 1.º, 1.º §, e 22.º, do CFS, não prejudica a realização de controlos no interior do território, no exercício de poderes de polícia pelas autoridades competentes dos Estados-Membros, ao abrigo do direito nacional. Esse exercício não pode, porém, produzir “efeito equivalente a um controlo de fronteira” – nem mesmo nas “zonas fronteiriças”.

O conceito é delimitado negativamente, de modo exemplificativo, pelo artigo 23.º, alínea a), subalíneas i) a iv). De acordo com as alíneas b) a d), a supressão do controlo nas fronteiras internas também não prejudica (i) a realização de controlos de segurança sobre as pessoas nos portos ou aeroportos, desde que igualmente efectuados sobre aquelas que viajam no interior de um Estado-Membro; (ii) a obrigação de posse ou porte de títulos e documentos nos termos da lei nacional; (iii) a obrigação imposta aos nacionais de países terceiros de assinalar a sua presença no território de um Estado-Membro53.

1.2. O TJ teve ocasião de se pronunciar duas vezes, no quadro do reenvio prejudicial, sobre a interpretação dos artigos 22.º e 23.º, alínea a), do CFS, em conjugação com o artigo 67.º do TFUE, na parte em que incumbe a União de assegurar a ausência de controlos de pessoas naquelas fronteiras. As correspondentes questões prejudiciais foram-lhe colocadas por tribunais nacionais de cujas decisões não cabe recurso judicial de direito interno (a Cour de Cassation francesa e o Raad van State neerlandês). Trata-se dos acórdãos de 22 de Junho de 2010, Melki e Abdeli, e de 19 de Julho de 2012, Atiqullah Adil, o primeiro proferido em processo de tramitação acelerada e, o segundo, em processo prejudicial urgente54.

53 As duas últimas disposições já levaram alguns autores a afirmar que as anteriores verificações de identidade efectuadas por ocasião do controlo de pessoas nas fronteiras internas converteram-se numa obrigação permanente de posse ou porte de documentos de identidade e outros requisitos administrativos no interior dos territórios nacionais; neste sentido, ANAÏS FAURE ATGER, The Abolition of Internal Border Checks in a Enlarged Schengen Area: Freedom of movement or a scattered web of security checks?, 2008, p. 15, disponível em http://www.ceps.eu.

54 Proferidos respectivamente nos processos apensos C-188/10 e C-189/10 e no processo C-278/12 PPU.

96

Tanto no primeiro processo prejudicial como no segundo, os tribunais a quo pretendiam, no essencial, obter do TJ elementos de interpretação das disposições do CFS relativas ao conceito de medida de efeito equivalente ao controlo de fronteiras, susceptíveis de lhes permitir decidir sobre a compatibilidade ou incompatibilidade das legislações nacionais aplicáveis. Estas autorizavam as autoridades policiais a controlar, num raio de 20 quilómetros a partir das fronteiras terrestres internas desactivadas, a identidade de qualquer pessoa, (i) no primeiro caso, independentemente do seu comportamento e de circunstâncias particulares demonstrativas da existência de um risco de violação da ordem pública, a fim de verificar se a pessoa controlada respeita as obrigações de posse, porte e apresentação dos títulos e dos documentos previstos na lei; (ii) no segundo caso, sob determinadas condições e limites, a fim de verificar se a pessoa controlada preenche os requisitos de permanência legal exigidos no Estado-Membro em questão55.

1.3. Tal como o TJ recordou no primeiro acórdão, resulta do artigo 23.º, alínea a), que (i) “os controlos no interior do território de um Estado-Membro só são proibidos quando tiverem um efeito equivalente ao dos controlos nas fronteiras” e (ii) o exercício dos poderes de polícia não pode considerar-se equivalente ao exercício de controlos de fronteira, nomeadamente nos casos em que as medidas adoptadas “não tiverem como objectivo o controlo fronteiriço, se basearem em informações policiais de carácter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública, se destinarem particularmente a combater o crime transfronteiras, forem concebidas e executadas de uma forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas e, finalmente, forem aplicadas com base em controlos por amostragem”56.

O TJ constatou que a legislação francesa em causa conferia às autoridades policiais competência para controlar, unicamente num raio de 20 quilómetros para o interior da fronteira interna terrestre do respectivo Estado-Membro, a identidade de qualquer pessoa, independentemente do comportamento desta e de circunstâncias particulares demonstrativas da existência de risco para a ordem pública, a fim de verificar o respeito das obrigações de posse, porte e apresentação dos títulos e documentos previstos na lei. Mas constatou também que tal legislação não previa o necessário enquadramento dessa competência, de modo a

55 Cf., o n.º 58 do acórdão Melki e Abdeli e o n.º 38 do acórdão Atiqullah Adil.

56 A este propósito, no seu relatório sobre a aplicação do Título III do CFS, de 16 de Setembro de 2011, COM(2011) 561 final, pp. 5 e 11, a Comissão entendeu que, se for necessário efectuar controlos periódicos e sistemáticos em resposta à situação de segurança dos territórios dos Estados-Membros, deve ser reintroduzido temporariamente o controlo fronteiriço nas fronteiras internas ao abrigo do artigo 25.º, do CFS.

97

guiar o poder de apreciação das autoridades a quem ela é conferida e a garantir que o seu exercício prático não possa ter um efeito equivalente ao dos controlos de fronteiras. Por estes mesmos motivos, considerou a legislação francesa em causa incompatível com o artigo 67.º, n.º 2, do TFUE e com os artigos 22.º e 23.º do CFS57.

1.4. A legislação holandesa em causa no acórdão Atiqullah Adil, por seu lado, já tinha sido alterada para dar cumprimento ao acórdão Melki e Abdeli e, concretamente, para “garantir que o controlo dos estrangeiros no âmbito da luta contra a permanência ilegal após uma passagem de fronteira (…) não tenha um efeito equivalente ao dos controlos fronteiriços na acepção do Regulamento n.º 562/2006”. O tribunal a quo interrogava-se, no entanto, acerca da compatibilidade com o artigo 23.º, do CFS, do “enquadramento” dos chamados “controlos móveis de segurança” (MTV)58, previsto por essa legislação. Por força dela, tais controlos (i) devem basear-se “em informações gerais e na experiência em matéria de permanência ilegal de pessoas nos locais dos controlos”; (ii) devem “ser efectuados em medida limitada, a fim de obter essas informações gerais e dados ligados à experiência na matéria”; (iii) “o seu exercício está sujeito a certas limitações relativas, designadamente, à intensidade e à frequência”.

O TJ esclareceu a este propósito que o artigo 23.º, alínea a), do CFS, “não prevê uma lista exaustiva de requisitos que as medidas policiais devem preencher para se considerar que não têm um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira, nem uma lista exaustiva dos objectivos que essas medidas policiais podem prosseguir”. Na esteira do acórdão Melki e Abdeli, recordou que aquele preceito não impede a priori as legislações nacionais de conferirem às autoridades policiais “competência especial para efectuar controlos de identidade limitados a uma zona fronteiriça”59, na condição de que algumas “precisões e limitações” sejam fixadas e respeitadas.

57 Cf. os n.ºs 69-70 e 74-75 do acórdão Melki e Abdeli.

58 Tal como a advogada-geral ELEANOR SHARPSTON referiu na sua tomada de posição neste processo, n.ºs 59 e 68, o controlo MTV insere-se na luta contra a permanência irregular e incide especialmente sobre os nacionais de países terceiros que já entraram no espaço europeu regido pelo artigo 77.º, n.º 1, alínea a), do TFUE e, quer essa entrada tenha sido regular quer clandestina, não têm, ou deixaram de ter, direito de residência no território neerlandês.

59 Na tomada de posição citada na nota anterior, n.º 74 e nota 29, a advogada-geral recordou pertinentemente que o artigo 21.º, alínea a), do CFS, não contém nenhuma norma que obrigue os Estados-Membros a exercerem os seus poderes de polícia de modo uniforme em todo o território, não constituindo, portanto, “uma base para esse paralelismo estrito entre os controlos nas zonas fronteiriças e no restante território”. A proposta da Comissão no sentido de estabelecer esse paralelismo fora, aliás, expressamente rejeitada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, com o

98

A conclusão foi a de que, assim interpretado, o artigo 23.º, conjugado com o artigo 22.º, não se opõe a que a legislação em causa no processo principal confira às autoridades policiais competência para verificarem se a pessoa controlada preenche os requisitos de permanência legal aplicáveis no Estado-Membro em questão, num raio de 20 quilómetros a partir da fronteira terrestre desactivada, por as condições a que o seu exercício está sujeito constituírem um enquadramento adequado para impedir tais controlos de produzirem um efeito equivalente a controlos de fronteira60.

2. A reintrodução do controlo de pessoas nas fronteiras internas: condições e limites

Outline

Documentos relacionados