• Nenhum resultado encontrado

A reintrodução do controlo de pessoas nas fronteiras internas: condições e limites 1 Apesar de nenhuma das disposições dos Tratados da UE que se reportam ao

II. Regras e excepções em matéria de passagem das fronteiras internas da união europeia

2. A reintrodução do controlo de pessoas nas fronteiras internas: condições e limites 1 Apesar de nenhuma das disposições dos Tratados da UE que se reportam ao

espaço de liberdade, segurança e justiça contemplar expressamente a possibilidade de reintrodução de controlos de pessoas nas fronteiras internas, o CFS retomou e desenvolveu o disposto no artigo 2.º, n.º 2, da Convenção de Schengen61 nos seus artigos 25.º a 35.º (capítulo II do Título III, “Reintrodução temporária do controlo fronteiriço nas fronteiras internas”)62.

O CFS começa por recordar a este propósito que “num espaço sem controlos nas fronteiras internas, é necessário dar uma resposta comum às situações que afectem gravemente a ordem pública ou a segurança interna desse espaço, ou de partes dele”. É inovadora e plena de consequências a extensão, ao próprio espaço sem controlos nas fronteiras internas, das cláusulas de ordem pública e segurança interna, até à data estritamente acantonados ao território de cada Estado integrado nesse espaço. Trata-se, com fundamento de que as zonas fronteiriças podem apresentar um risco especial para a prática de crimes transfronteiriços.

60 Cf. os n.ºs 20, 65, 69, 74 e 88 do acórdão Atiqullah Adil. Ver também a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, Relatório semestral sobre o funcionamento do espaço Schengen:

1 de novembro de 2011 – 30 de abril de 2012, de 16-5-2012, COM(2012) 230 final, pp. 16-18. No sentido

de que, neste último acórdão, o TJ, ao não se preocupar em densificar e concretizar devidamente conceitos vagos e indeterminados como o de “experiência em matéria de permanência ilegal de pessoas nos locais dos controlos”, “parece dar provas de maior complacência com a noção de medidas de efeito equivalente do que noutros domínios”, ver JEAN-YVES CARLIER, “La libre circulation des personnes dans et vers l’Union européenne”, Journal de droit européen, 2012, p. 104.

61 Nos termos do qual “(…) por razões de ordem pública ou de segurança nacional, uma Parte Contratante pode, após consulta das outras Partes Contratantes, decidir que, durante um período limitado, serão efectuados nas fronteiras internas controlos fronteiriços adequados à situação. Se razões de ordem pública ou de segurança nacional exigirem uma acção imediata, a Parte Contratante em causa tomará as medidas necessárias e informará desse facto, o mais rapidamente possível, as outras Partes Contratantes”.

62 Sobre os antecedentes destas disposições, ver NUNO PIÇARRA, “A crise nas fronteiras (dos Estados- Membros) da União Europeia: causas e soluções”, in JORGE BACELAR GOUVEIA e NUNO PIÇARRA (coord.), A Crise e o Direito, Coimbra, 2013, pp. 167 segs.

99

efeito, de um pressuposto necessário para a atribuição também à UE da competência para tomar decisões de reintrodução temporária do controlo fronteiriço. Até à data, tal competência era, porém, entendida como exclusiva dos Estados-Membros, em coerência com uma lógica agora ultrapassada.

O artigo 25.º (“Quadro geral para a reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas”), continua, porém, a ter por destinatários apenas os Estados-Membros. “Em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna” e sem “exceder o estritamente necessário para dar resposta a essa ameaça”, habilita-os a “reintroduzir, a título excepcional, o controlo em todas ou algumas partes específicas das suas fronteiras internas, por um período limitado não superior a 30 dias, ou superior a este e renovável, se assim o determinar a duração previsível da ameaça. Em princípio, a duração total da reintrodução do controlo não pode exceder seis meses63.

O próprio CFS vincula expressamente os Estados-Membros que pretendam tomar uma tal medida a avaliar a sua adequação e proporcionalidade em relação à ameaça, levando nomeadamente em conta (i) o impacto provável da ameaça (terrorista, relacionada com a criminalidade, ou outra) sobre a sua ordem pública ou segurança interna; (ii) o impacto provável da medida sobre a livre circulação de pessoas no espaço sem controlos nas fronteiras internas. É o que resulta do artigo 26.º.

2.2. Tratando-se do procedimento a seguir, estabelecido pelo artigo 27.º, o ou os Estados-Membros que prevejam reintroduzir o controlo nas suas fronteiras internas devem informar previamente os demais Estados-Membros e a Comissão (e também o Parlamento Europeu e o Conselho) o mais tardar quatro semanas antes da reintrodução prevista, transmitindo-lhes as razões dela e os factos em que se baseia, a data e a duração, a denominação dos postos de fronteira autorizados e, se for caso disso, as medidas a tomar pelos demais Estados-Membros. A Comissão ou os Estados-Membros podem emitir parecer a tal respeito64.

63 Tal como a Comissão tem pertinentemente salientado neste contexto, as decisões de recusa de entrada só podem ser tomadas por motivos ligados à reintrodução dos controlos. Por outro lado, uma vez que tais decisões não convertem as fronteiras internas em fronteiras externas, não são aplicáveis as disposições relativas à aposição de carimbos em passaportes ou à responsabilidade das empresas transportadoras. A Agência Frontex também não pode participar em nenhuma operação que se realize durante o período de reintrodução dos controlos, precisamente porque a sua competência se confina às fronteiras externas; ver o Relatório sobre a aplicação do Título III do CFS, cit., pp. 9-10.

64 No relatório citado na nota anterior, p. 9, a Comissão faz notar que o prazo para a emissão de tal parecer – contado entre a notificação dos Estados-Membros e a reintrodução de facto do controlo nas fronteiras internas no caso de acontecimentos previsíveis – é demasiado curto, não lhe tendo permitido

100

No âmbito deste procedimento de consulta, que deve decorrer pelo menos dez dias antes da data prevista para a reintrodução do controlo nas fronteiras, examina-se “a proporcionalidade das medidas em relação aos factos que originaram a reintrodução do controlo fronteiriço e os riscos para a ordem pública ou a segurança interna”. Se for caso disso, podem organizar-se formas de cooperação entre os Estados-Membros.

Em contrapartida, perante necessidades de acção imediata para fazer face à ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna, o artigo 28.º autoriza o Estado-Membro em causa a reintroduzir, “a título excepcional e de forma imediata”, o controlo nas fronteiras internas, por um período limitado até dez dias, prorrogável por períodos renováveis não superiores a 20 dias, desde que a duração da reintrodução do controlo não exceda, em princípio, dois meses. O mesmo Estado-Membro deve notificar simultaneamente os demais Estados-Membros e a Comissão. Esta, por sua vez, informará sem demora o Parlamento Europeu, podendo também consultar aqueles Estados imediatamente após a recepção da notificação.

Na prática, a reintrodução dos controlos de pessoas nas fronteiras internas ao abrigo destes procedimentos tem sido levada a cabo sobretudo para fazer face a manifestações de escala transnacional planeadas por ocasião de cimeiras da UE e de reuniões políticas internacionais (NATO, G8, etc.)65. A legalidade desse exercício pode ser escrutinada pelo TJ, como resulta a contrario do artigo 276.º, do TFUE.

Mais recentemente, tal prerrogativa começou também a ser exercida em situações em que um Estado-Membro fronteiriço é alvo de um súbito afluxo de nacionais de países terceiros. Por último, a “crise migratória” e/ou a “crise dos refugiados” já motivaram decisões de reintrodução de controlos nas fronteiras internas de vários Estados Schengen, inicialmente com base no artigo 28.º (“casos que exijam acção imediata”). Recorreram a este “procedimento específico” a Alemanha, a Áustria, a Eslovénia, a Hungria, a Suécia, a

emitir nenhum até à data. Seja como for, o segundo parágrafo do n.º 4, do artigo 27.º, impõe à Comissão a emissão de parecer se, com base nas informações contidas na notificação ou em quaisquer informações adicionais que tenha recebido, tiver dúvidas quanto à necessidade ou à proporcionalidade da reintrodução prevista do controlo nas fronteiras internas, ou se considerar apropriada uma consulta sobre qualquer aspecto da notificação. Caso continue a considerar demasiado curto o prazo fixado para o cumprimento desta nova obrigação, a Comissão poderá simplesmente optar por não suscitar dúvidas.

65 No terceiro relatório semestral sobre o funcionamento do espaço Schengen [1 de Novembro de 2012 a 30 de Abril de 2013, COM(2013) 326 final, p. 3], a Comissão dá conta de que a Noruega reintroduziu o controlo nas suas fronteiras internas de 3 a 12 de Dezembro de 2012, por ocasião da cerimónia de entrega dos Prémios Nobel, realizada em Oslo em 10 de Dezembro de 2012.

101

Dinamarca, a Noruega e a Bélgica66. Com excepção, por um lado, da Eslovénia e da Hungria e, por outro lado, da Bélgica, os restantes Estados, esgotado o período máximo de dois meses para a reintrodução do controlo fronteiriço ao abrigo do artigo 28.º, recorreram aos artigos 25.º a 27.º para prolongarem tal controlo, por um prazo máximo de seis meses.

2.3. A reintrodução do controlo nas fronteiras internas decidida pela Alemanha e pela Áustria a título de acção imediata, por um período de dez dias, sucessivamente prorrogado por três períodos de vinte dias, foi objecto do parecer da Comissão, de 23 de Outubro de 2015, emitido em cumprimento do artigo 27.º, n.º 4, do CFS. Aí se apreciou a necessidade e a proporcionalidade dessa reintrodução.

Para justificar a decisão de reintroduzir o controlo na fronteira terrestre com a Áustria, a Alemanha tem reiterado razões de ordem pública e de segurança interna, ameaçadas pela entrada diária no seu território, através da fronteira em causa, de 5.000 a 10.000 pessoas não registadas nem identificadas em nenhum outro Estado-Membro, acrescentando que, entre 1 de Janeiro e 13 de Outubro de 2015, recebeu cerca de 641.500 pedidos de asilo. Além disso, as autoridades de segurança alemã estariam a “receber alertas sobre pessoas que poderiam ter tido contactos ou combatido com grupos de militantes nas regiões de crise”67.

Por seu lado, para fundamentar a decisão de reintroduzir os controlos nas suas fronteiras internas, “com particular incidência na nas fronteiras terrestres com a Hungria, Itália, Eslovénia e Eslováquia”, por um período inicial de dez dias, prolongado por dois períodos subsequentes de vinte dias, a Áustria fez valer a ameaça que “o enorme fluxo migratório para e através do seu território” representa para a segurança interna e a ordem pública (entre 5 de Setembro e 8 de Outubro de 2015 teriam entrado em território austríaco 238.485 pessoas, das quais 9.017 requereram protecção internacional)68.

A Comissão pronunciou-se no sentido de que, tanto a reintrodução inicial de controlos nas fronteiras internas por ambos os Estados-Membros, como os respectivos prolongamentos estão em conformidade com o CFS. Muito embora, nos termos do 26.º considerando do CFS, “a migração e a passagem das fronteiras externas por um grande número de nacionais de países terceiros não devam ser consideradas, em si, como uma ameaça para a ordem pública ou a segurança interna”, a Comissão entendeu que o número muito elevado de pessoas indocumentadas ou insuficientemente documentadas a entrar nos territórios da Alemanha e

66 A França também recorreu ao artigo 28.º, do CFS, para reintroduzir temporariamente o controlo nas suas fronteiras internas na sequência dos atentados de 13 de Novembro de 2015 em Paris, não se baseando, portanto, na “crise migratória/dos refugiados”.

67 Ver o parecer da Comissão de 23 de Outubro de 2015, C(2015) 7100 final, n.ºs 12 a 15. 68 Ver o parecer cit. na nota anterior, n.ºs 16 a 20.

102

da Áustria em busca de protecção internacional e a pressão sob que coloca as autoridades competentes não podem deixar de configurar uma ameaça para ordem pública ou a segurança interna de ambos os Estados-Membros. E considerou a reintrodução dos controlos nas fronteiras internas uma medida necessária e proporcionada para lhe fazer face69.

A Comissão recordou ainda que, não podendo a duração total da reintrodução do controlo nas fronteiras internas, com base no artigo 25.º, exceder dois meses, a manutenção dos controlos nas fronteiras internas para além desse período só poderá basear-se nos artigos 23.º e 24.º, requerendo “uma notificação prévia em conformidade com o artigo 24.º, n.º 1, do CFS”.

Nas novas condições ditadas pela “crise dos refugiados” – com todas as tensões que tem criado entre Estados-Membros profundamente divididos quanto à abordagem a adoptar e com a dimensão e o impacto que tem emprestado à “passagem das fronteiras externas por um grande número de nacionais de países terceiros” –, dificilmente o parecer da Comissão poderia ter outro sentido que não o de coonestar as decisões da Alemanha e da Áustria em causa. Mas não se torna difícil antever que a reintrodução dos controlos nas fronteiras internas dos Estados-Membros poderá ser objecto, no contexto da “crise dos refugiados”, de derivas dificilmente legitimáveis num quadro normativo como o do CFS que manifestamente não foi pensado para semelhantes crises70.

3. A reintrodução do controlo de pessoas nas fronteiras internas devido a “deficiências

Outline

Documentos relacionados