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O “procedimento específico em circunstâncias excepcionais que ponham em risco o funcionamento global do espaço sem controlos nas fronteiras internas” não é claro quanto à

II. Regras e excepções em matéria de passagem das fronteiras internas da união europeia

3. A reintrodução do controlo de pessoas nas fronteiras internas devido a “deficiências graves e persistentes no controlo das fronteiras externas”

3.3. O “procedimento específico em circunstâncias excepcionais que ponham em risco o funcionamento global do espaço sem controlos nas fronteiras internas” não é claro quanto à

resposta à questão de saber quais os principais, senão mesmo os exclusivos destinatários da recomendação do Conselho no sentido da reintrodução do controlo “na totalidade ou em parte das fronteiras internas”. É, todavia, de concluir, tendo em conta os antecedentes e os objectivos de tal procedimento específico, que os destinatários daquela recomendação não são o ou os Estados-Membros em que se verifiquem as referidas “deficiências graves e persistentes relacionadas com o controlo nas suas fronteiras externas”, mas sim os restantes Estados-Membros ou uma parte deles – e a título de “medida reactiva” contra o(s) primeiro(s). Na realidade, a um Estado-Membro assoberbado com graves e, porventura, insuperáveis dificuldades no controlo das suas fronteiras externas, devido, nomeadamente, a esgotamento de meios humanos e técnicos, a última coisa que convirá recomendar é a reintrodução do controlo nas suas fronteiras internas.

Esta conclusão é confirmada pelo disposto no artigo 29.º, n.º 3, de acordo com o qual, se um Estado-Membro não dar seguimento à recomendação do Conselho “deve informar imediatamente a Comissão, por escrito, das suas razões”. Nesse caso, a Comissão deve apresentar um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho que avalie as razões apresentadas pelo Estado-Membro em causa e as consequências para a defesa dos interesses comuns do espaço sem controlos nas fronteiras internas.

O artigo 29.º, n.º 3, permite portanto que qualquer Estado-Membro vencido na votação pela qual o Conselho aprovou a recomendação em causa se demarque dela na prática,

77 Tal como acertadamente precisa o 31.º considerando do CFS, antes de ser adoptada qualquer recomendação sobre reintrodução temporária de controlo em determinadas fronteiras internas, “deverá tirar-se pleno partido, no momento oportuno, da possibilidade de recorrer a medidas destinadas a rectificar a situação em causa, incluindo a assistência de entidades como a Frontex ou a Europol (…). Caso seja detectada uma deficiência grave, a Comissão deverá poder recorrer a medidas de apoio financeiro para ajudar o Estado-Membro em causa”.

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designadamente por solidariedade com o Estado-Membro que, em cumprimento dessa recomendação, se verá “suspenso” do espaço sem controlos nas fronteiras internas, por os restantes reintroduzirem tais controlos nas fronteiras comuns com ele78. Mesmo assim, o procedimento do artigo 29.º, do CFS, permite votar ao isolamento ou mesmo à ostracização do espaço sem controlos nas fronteiras internas um Estado-Membro, provavelmente aquele que se debater com maiores dificuldades no controlo das suas fronteiras externas, devido a circunstâncias que o transcendem, por um período que pode ir até dois anos79.

É por isso que, neste contexto, deve ser dada particular ênfase ao 26.º considerando do CFS, nos termos do qual “A migração e a passagem das fronteiras externas por um grande número de nacionais de países terceiros não deverá, por si só, ser considerada uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança interna”. Apenas é de lamentar que não tenha obtido expressão no próprio articulado do CFS. Mesmo assim, é patente o seu sentido limitador da aplicabilidade do artigo 29.º.

Seja como for, o potencial desagregador deste “procedimento específico” relativamente ao espaço sem controlos nas fronteiras internas levou o artigo 29.º a rodear a sua aplicação de condições particularmente exigentes. Daí que tal procedimento pareça ser sobretudo chamado a desempenhar um papel simbólico de alerta, no sentido de os Estados integrados no espaço europeu sem controlos nas fronteiras internas levarem realmente a sério as suas obrigações comuns de controlo e vigilância nas fronteiras externas que lhes cabem, abandonando todas as práticas ainda persistentes em sentido contrário.

Se, apesar de tudo, tal procedimento vier a ser aplicado sem estar bem assente que as “deficiências graves e persistentes” detectadas no controlo das fronteiras externas de um Estado-Membro são devidas a negligência ou laxismo da sua parte e não a “força maior”, para além do seu controlo – distinção que nem sempre se adivinhará fácil de traçar –, não será só o

78 Considerando que, se um tal cenário se concretizar, “as consequências poderiam ser caóticas, por se tornar fácil contornar os controlos de fronteira reintroduzidos, viajando para Estados-Membros que não os reintroduziram”, ver STEVE PEERS, The Future of the Schengen System, cit., p. 47. O autor qualifica, por isso, de “lamentável que as novas regras não garantam que todos os Estados-Membros iniciem e terminem ao mesmo tempo a reintrodução dos controlos nas fronteiras internas relativamente ao Estado-Membro responsável pelas ‘deficiências graves’ no controlo das fronteiras externas”. Trata-se de uma opinião que, pelas razões supra-indicadas no texto, não se afigura, de todo em todo, de subscrever.

79 No mesmo sentido, H

ENRI LABAYLE, “Schengen: un espace dans l’impasse”, in Revue Europe, 2016, p.

15; em sentido contrário e fazendo absoluta e injustificável tábua rasa dos antecedentes, dos objectivos e da lógica global do procedimento específico em análise, ver a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho, Restabelecer Schengen – um roteiro, COM(2016) 120 final, 11, segundo a qual o artigo 29.º, do CFS, “é uma salvaguarda para o funcionamento global do espaço Schengen. Não é uma sanção contra nenhum Estado-Membro, nem visa excluir nenhum Estado-Membro do espaço Schengen”.

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Estado-Membro destinatário da medida de isolamento ou de ostracização recomendada pelo Conselho a sair fragilizado. Os restantes, assim como a UE no seu conjunto, também não sairão ilesos, ao causar um prejuízo de contornos imprevisíveis no objectivo de manutenção e desenvolvimento do espaço de liberdade, segurança e justiça. E tudo isto na ilusão perigosa de que, em tal espaço, as “deficiências graves relacionadas com o controlo nas fronteiras externas” podem resolver-se com “medidas punitivas” potencialmente dirigidas aos Estados- Membros que deparam com as maiores dificuldades no desempenho de tal tarefa e não, no essencial, através do reforço da solidariedade e da cooperação entre todos os interessados.

As medidas administrativas de afastamento de estrangeiros

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