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5.1. Os “beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União” na acepção do artigo 2.º, ponto 5, formam uma categoria heterogénea que, como se viu, engloba não só os cidadãos da União mas também os nacionais de países terceiros que (i) sejam familiares daqueles cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado-Membro de que não são nacionais, nos termos da Directiva 2004/38/CE40; (ii) beneficiem directamente, por força do direito da União, de “direitos em matéria de circulação equivalentes aos dos cidadãos da União”; (iii) sejam familiares destes últimos. Como se verá, esta heterogeneidade não deixa de projectar-se no regime do CFS.

A primeira disposição que se aplica especificamente aos “beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União” encontra-se, como já se recordou, no artigo 8.º, n.º 2, 2.º §, do CFS, nos termos do qual aqueles são, em regra, sujeitos apenas a um controlo de fronteira mínimo41 – e não portanto ao “controlo pormenorizado” a que são, em regra, sujeitos os restantes nacionais de países terceiros não abrangidos pelo artigo 2.º, ponto 5.

Todavia, segundo o n.º 6, do artigo 8.º, “o controlo dos beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União é efectuado nos termos da Directiva 2004/38/CE”. Esta última disposição, a que deve censurar-se, antes do mais, o carácter vago, porque genericamente remissivo42, nem sequer pode considerar-se exacta. Com efeito, o próprio CFS

40 Ficam, portanto, literalmente excluídos da categoria em análise os nacionais de países terceiros membros da família de um cidadão da União que não exerça o seu direito à livre circulação no território da União, nos termos da Directiva 2004/38/CE. Mas não se vê fundamento bastante para que, para efeitos da aplicação do CFS, as competentes autoridades nacionais não devam ter em conta a qualidade de familiares dos nacionais de países terceiros relativamente aos cidadãos da União que não exerçam o seu direito de circulação e, portanto, tenham residido apenas no Estado-Membro de que são nacionais. Esta interpretação afigura-se, de resto, coerente com a inclusão, pelo artigo 2.º, ponto 5, do CFS, dos cidadãos da União entre os “beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União”, sem distinguir consoante exercem, ou não, tal direito.

41 Que o 1.º §, do artigo 8.º, n.º 2, define como consistindo na “verificação simples e rápida da validade do documento que autoriza o seu legítimo portador a passar a fronteira, bem como da presença de indícios de falsificação ou de contrafacção, recorrendo se necessário a dispositivos técnicos e consultando, nas bases de dados pertinentes, informações exclusivamente relativas a documentos roubados, desviados, extraviados ou inválidos”.

42 Seria bem mais correcto, do ponto de vista da técnica legislativa, que a disposição em análise mencionasse os preceitos sobre “o controlo dos beneficiários do direito à livre circulação” da Directiva

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contém diversas disposições relativas ao controlo da categoria de pessoas em causa, a começar, obviamente, pelo citado artigo 8.º, n.º 2, 2.º §.

A segunda disposição relevante encontra-se no 3.º §, do artigo 8.º, n.º 2. Ela autoriza os guardas de fronteiras a consultar de modo não sistemático, ao efectuarem os controlos, “as bases de dados nacionais e europeias” para se certificarem de que os beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União” “não representam uma ameaça real, presente e suficientemente grave para a segurança interna, a ordem pública e as relações internacionais dos Estados-Membros, ou uma ameaça para a saúde pública”. Não se vê porque é que os autores do CFS, apesar de se louvarem e remeterem expressamente para a Directiva 2004/38/CE, retomaram no preceito em análise uma fórmula literalmente mais exigente do que a constante do artigo 27.º, n.º 2, 2.º §, desta Directiva – que se refere apenas a “uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade”.

5.2. A ponderação exigida deverá, portanto, ser efectuada de acordo com a jurisprudência constante do TJ, relativa ao artigo 27.º, da Directiva 2004/38/CE. Dela decorre, como se sabe, que as autoridades nacionais competentes podem, com base em tal ponderação, recusar a entrada a esses “beneficiários do direito à livre circulação”43. A menos, evidentemente, que tais beneficiários sejam nacionais do próprio Estado-Membro cujas autoridades procedem ao controlo. Se tal for o caso, esse Estado-Membro não poderá adoptar uma decisão de recusa de entrada dos próprios nacionais, por força desde logo de um

2004/38/CE: os artigos 5.º (“Direito de entrada”) e 27.º a 29.º, inseridos no Capítulo VI (“Restrições ao direito de entrada e de permanência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública”). Sobre eles ver, por último, os acórdãos do TJ Hristo Byankov, de 4 de Outubro de 2012, C- 249/11; e ZZ contra Secretary of State for the Home Department, de 4 de Junho de 2013, C-300/11.

43 Ver, por todos, os acórdãos MRAX, de 25 de Julho de 2002, C-459/99, n.os 61 e 62; e Orfanopoulos

e Olivieri, de 29 de Abril de 2004, C-482/01 e C-493/01, n.º 81. Nesta medida, afigura-se enganoso o

disposto no 4.º § do n.º 2 do artigo 8.º do CFS, nos termos do qual “[a]s consequências dessas consultas não põem em causa o direito que assiste aos beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União de entrar no território do Estado-Membro em causa, tal como previsto na Directiva 2004/38/CE”. Na verdade, como já se disse, se a autoridade competente concluir que o comportamento do nacional de outro Estado-Membro ou do nacional de país terceiro beneficiário do direito à livre circulação constitui “uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade”, não lhe fica vedada a possibilidade de recusar a entrada dessas pessoas no seu território. A Directiva 2004/38/CE é, aliás, muito clara a este respeito, designadamente no artigo 27.º, n.º 4. Este preceito vincula o Estado-Membro que tiver emitido o passaporte ou bilhete de identidade a autorizar “a reentrada no seu território, sem quaisquer formalidades, do titular do documento que tiver sido afastado por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, mesmo que esse documento tenha caducado ou a nacionalidade do titular seja contestada”.

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princípio de direito internacional44. A distinção faz-se aqui em função de o beneficiário do direito à livre circulação controlado na fronteira externa ser ou não nacional do Estado- Membro em causa.

O artigo 8.º, n.º 2, 3.º §, remete implicitamente para outra distinção entre os “beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União”. Com efeito, da base de dados europeia mais transversal ao ELSJ que é actualmente o SIS II, não podem constar indicações de cidadãos da União para efeitos de não admissão e de interdição de permanência45. Por conseguinte, só os nacionais de países terceiros, mesmo os beneficiários da livre circulação na acepção em análise, podem ser indicados no SIS, sob determinadas condições, para aqueles efeitos. Só relativamente a estas pessoas é que tal base de dados pode, portanto, ser consultada. A consulta, por sua vez, poderá levar à conclusão de que constituem uma ameaça real, actual e suficientemente grave em termos de ordem ou segurança públicas, susceptível de obrigar a autoridade competente a recusar in extremis a sua entrada em aplicação da disposição em análise.

O artigo 25.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1987/2006, de 20 de Dezembro de 2006, em conjugação com o ponto 4.7. do chamado Manual SIRENE46, codifica integralmente as regras explicitadas a este respeito pelo acórdão do TJ Comissão contra Espanha, de 31 de Janeiro de 2006, C-503/03. De acordo com elas, o Estado-Membro a quem cabe executar uma indicação no SIS para efeitos de não admissão de um nacional de país terceiro que usufrua do direito de circulação na União deve consultar imediatamente o Estado-Membro autor da indicação através do seu Gabinete Sirene, a fim de verificar previamente se a presença dessa pessoa constitui uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade47.

44 Ver, por exemplo, o acórdão Yvonne van Duyn contra Home Office, de 4 de Dezembro de 1974, proc. 41/74, n.º 22.

45 A este respeito, o artigo 30.º, do Regulamento (CE) n.º 1987/2006, determina que a aquisição da nacionalidade de um Estado-Membro por um nacional de país terceiro vincula o Estado-Membro que antes tenha introduzido no SIS uma indicação para efeitos de não admissão e interdição de permanência dessa pessoa a apagar tal indicação.

46 Aprovado pela Decisão de Execução 2015/219/UE, de 29 de Janeiro de 2015.

47 Ver os n.os 53, 58 e a parte dispositiva do acórdão. O TJ também explicitou a regra retomada pelo artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1987/2006, de acordo com a qual um Estado-Membro só pode proceder à indicação no SIS, para o mesmo efeito, de um nacional de país terceiro beneficiário do direito à liberdade de circulação na União após ter feito uma idêntica verificação (n.º 52). O Manual SIRENE, por seu lado, precisa no ponto 4.7. que o Gabinete SIRENE do Estado-Membro autor da indicação deve verificar junto da autoridade competente se a indicação pode ser mantida em conformidade com a Directiva 2004/38/CE. Se for decidido manter a indicação, o mesmo Gabinete informa desse facto todos os restantes Estados-Membros.

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5.3. A terceira disposição especificamente aplicável aos “beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União” constante do CFS encontra-se no artigo 10.º, n.º 2, alínea a), 1.º §, que lhes faculta a utilização dos corredores assinalados com o painel “UE, EEE, CH”, obrigatoriamente criados nos pontos de passagem das fronteiras aéreas e facultativamente nos pontos de passagem das fronteiras marítimas e terrestres da União Europeia.

A quarta e última disposição de idêntico âmbito subjectivo consta do artigo 11.º. Por um lado, isenta da aposição de carimbo de entrada e de saída os documentos de viagem dos nacionais de países terceiros que apresentem um cartão de residência previsto na Directiva 2004/38/CE [n.º 3, alínea g)]. Por outro lado, impõe a aposição de carimbo nos documentos de viagem (i) dos nacionais de países terceiros que sejam membros da família de um cidadão da União aos quais se aplique a Directiva 2004/38/CE, mas que não apresentem o cartão de residência nela previsto48 e (ii) dos nacionais de países terceiros que sejam membros da família de nacionais de países terceiros que gozem do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União, mas que também não apresentem o cartão de residência previsto pela Directiva 2004/38/CE (n.º 2, 1.º e 2.º §§).

Ao invés, no que respeita aos cidadãos da União a regra é a não aposição de carimbo de entrada ou de saída nos documentos de viagem.

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