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2.5 Acesso à justiça

2.5.3 As dificuldades para o acesso à justiça no Brasil

A primeira consideração importante sobre o acesso à justiça no Brasil é a de que a construção da cidadania ocorreu de forma bastante diversa do processo mencionado na Inglaterra. Ao contrário do exemplo inglês, no qual a conquista dos direitos foi alcançada por meio das lutas sociais, em nosso país isso aconteceu muito mais através das constituições (CAVALCANTI, 1999; CUNHA, 1999). Não estamos com isso dizendo que não houve conquistas fruto de reivindicações de movimentos populares, principalmente no final do século XX, mas que a grande maioria dos direitos foi estabelecida pelas diversas constituições outorgadas ou promulgadas, sem que houvesse participação da sociedade. Tais considerações indicam que não houve a construção de um ideal forte por parte da maior parte da população em relação aos direitos e ao sentimento de cidadania. Os direitos sempre foram vistos mais como concessões, benesses, do que como atributos inerentes a cada indivíduo. Nesse contexto, as instituições do sistema de justiça devem desempenhar um importante papel na promoção do acesso à justiça e, por conseguinte, de construção da cidadania de fato. No entanto, não é o que tem acontecido.

A igualdade jurídico-formal – sobretudo nas sociedades marcadas por extrema desigualdade social –, além de ser imprescindível para a consolidação de um Estado de Direito, é também um elemento fundamental para o processo de democratização social. O acesso à justiça, visto como uma possibilidade de afirmar essa igualdade, apresenta graves problemas no País. As instituições do sistema de justiça, ainda nos

dias atuais, passam ao largo de serem concebidas como instituições que têm um papel relevante na afirmação da cidadania e que devem prestar contas aos cidadãos (CAVALCANTI, 1999, p. 40).

A autora nos lembra ainda que, ao contrário dos países centrais, o Brasil apresenta dois sérios problemas no tocante ao acesso à justiça. Em nosso país, tal acesso é um problema para a maioria da população e representa uma preocupação com a “obtenção de algo que jamais foi conquistado plenamente: a afirmação da cidadania pela via judicial” (CAVALCANTI, 1999, p. 41-42).

Ainda segundo Cavalcanti (1999), a discussão em torno da efetividade da prestação dos serviços de justiça pelos órgãos do sistema formal de justiça7 trata de dois pontos principais:

De um lado, situam-se as discussões acerca dos obstáculos internos que impedem uma rápida solução para as demandas que chegam a essas instituições e, por outro lado, também são debatidas as inúmeras dificuldades da maior parte da população ao efetivo acesso à justiça (CAVALCANTI, 1999, p. 45).

Em relação aos obstáculos internos, os problemas mais comuns são: excesso de formalidades nos procedimentos judiciais; falta de recursos materiais; má formação profissional e número insuficiente de juízes, promotores delegados etc. No que diz respeito ao segundo aspecto, o problema é mais complexo, uma vez que não se resume a questões econômicas, envolvendo também obstáculos sociais e culturais.

A respeito dos obstáculos sociais e culturais, três merecem destaque, conforme apontados pela autora. O primeiro obstáculo é que o sistema de justiça, bem como seus agentes, é desconhecido pela maior parte da população; as pessoas não associam tais agentes às possíveis soluções para seus problemas. O segundo obstáculo relaciona-se ao primeiro e reside no fato de que a maior parte das pessoas envolvidas em algum tipo de conflito não recorre a uma solução judicial. O terceiro se refere ao distanciamento cultural, devido à crença de se tratar de um favor que se está recebendo, o indivíduo se sente inferior e submisso nos ambientes da justiça, como o fórum, por exemplo.

Boaventura de Sousa Santos (2008), ainda, em seus estudos sobre a sociologia dos tribunais e a democratização do acesso à justiça, afirma que são de três tipos os obstáculos ao acesso efetivo à justiça por parte das classes populares: econômicos, sociais e culturais. Em relação aos obstáculos econômicos, ressalta que, nos países capitalistas em geral, os custos

7 Para Sadek (2006, p. 151), o sistema de justiça pode ser definido como “o conjunto das instituições estatais concebidas com a finalidade de afiançar os direitos.”

judiciais são muito altos e a relação entre o valor da causa e o valor dos encargos aumenta à medida que baixa o valor da causa. Os cidadãos mais pobres são, dessa forma, os mais prejudicados: não bastasse a pobreza, a justiça ainda se torna mais cara para eles. Além disso, Boaventura lembra que os processos são muito lentos, fazendo com que essas pessoas que não têm condições de esperar tenham seu problema agravado. Sobre as questões de ordem social e cultural, o sociólogo destaca que:

Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como sendo problema jurídico. [...] Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se disponha a interpor a ação. Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem estar perante um problema legal (Boaventura de Sousa Santos, 2008, p. 170).

Como podemos perceber, solucionar o problema do acesso à justiça em nosso país se constitui numa árdua tarefa. Não se trata somente de aproximar os tribunais às pessoas, tornando acessível o sistema de justiça de maneira formal. A questão está permeada por problemas econômicos, sociais e culturais graves. É preciso que as pessoas tenham conhecimento dos seus direitos, assim como conheçam as instituições que efetivamente podem garanti-los. Além disso, torna-se imprescindível uma mudança na postura das pessoas, uma vez que se deve ter a ciência de que a justiça existe para servi-las e não para fazer favores. O que realizaremos aqui é uma pequena contribuição para que a distribuição espacial dos equipamentos do sistema de justiça possa ser melhor pensada, visando a efetivamente alcançar as pessoas que mais necessitam deles.

CAPÍTULO 3

O ESTADO E A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE

INTERESSE SOCIAL

3 O ESTADO E A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE INTERESSE SOCIAL