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Sobre os serviços de interesse social no Brasil, devemos considerar, antes de tudo, que nos países subdesenvolvidos a industrialização ocorreu muito mais num contexto de tentativas de implantação de um Estado desenvolvimentista do que de bem-estar social. Desse modo, o Estado estava mais preocupado com a economia do que com o provimento de serviços públicos capazes de promover o bem-estar social das populações pobres. No Brasil, houve uma série de transformações, a partir da década de 1950, movidas pela ideologia do desenvolvimento pela industrialização8, que foram responsáveis pela gênese de diversos problemas sociais (favelização, miséria, desemprego etc.) presentes nas principais cidades.

É importante ressaltar que em nosso país a urbanização aconteceu de forma muito rápida quando comparada à dos países desenvolvidos e, neste processo, o Estado se posicionou a favor dos interesses do capital. O intenso processo de urbanização provocou o espraiamento da mancha urbana das cidades sem que houvesse uma correspondência das infra-estruturas necessárias a toda a população (regularização fundiária, construção de habitações, saneamento básico, energia elétrica etc.). O Estado privilegiou a infra-estrutura voltada aos interesses das grandes corporações que se instalavam no país, enquanto que as políticas sociais eram deixadas em segundo plano. Tal fato fez surgir o que Santos (2005) chamou de “cidades corporativas”.

Sobre a postura do Estado, Araújo (2000, p. 247 – 248) afirma que o Estado brasileiro caracterizou-se mais como pelo caráter do que como um Estado preocupado com o bem-estar social:

Ele [o Estado] foi o grande patrocinador da atividade econômica no Brasil nos anos recentes. Nesse mesmo período, o Estado do Bem-Estar se desenvolvia em outras áreas do mundo. Não foi essa a nossa opção. O Brasil nunca foi um Estado

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Quando falamos industrialização, referimo-nos mais à ideologia, visto que deve ser entendido que o processo de industrialização não aconteceu de forma homogênea no território nacional. Sem dúvidas que o processo em tela privilegiou territórios da região Sudeste, contudo, houve, a partir daí, também uma série de implicações em menor escala para territórios das demais regiões brasileiras.

essencialmente provedor de saúde, educação, saneamento básico etc. Foi um Estado que construía estradas, montava sistemas de comunicação, estatizava empresas para modernizá-las e ofertar insumos básicos, muitas vezes a preços mais baratos que os custos de produção. O Estado era o grande condutor do que os marxistas chamariam ‘desenvolvimento das forças produtivas’. Foi essa a tarefa básica que o Estado atribuiu a si próprio. [...] Por isso mesmo, tem-se um Estado muito ausente no campo social. Todos os meios, toda a energia do Estado estavam concentrados na tarefa de construir a oitava economia industrial do mundo, ou o Brasil grande potência.

Entretanto, contrariando essa postura do Estado, em 1988, foi promulgada a atual Constituição Federal (CF), apresentando uma série de disposições com o objetivo de prover o bem-estar social. Prova disso é a relação de garantias fundamentais, que pretendem promover condições de bem-estar para todos. Apesar disso, embora tenha havido essa mudança na postura do Estado, o contexto no qual foi promulgada a nova Constituição foi o da crise dos anos 1980 (crise resultante das mudanças na política monetária norte-americana e que provocou a quebra de muitos países que contraíram dívidas com os bancos de Nova Iorque por intermédio do FMI).

Durante esse período, os países subdesenvolvidos encontravam-se muito endividados e o receio diante da possibilidade de não pagamento da dívida fez com que os organismos internacionais cortassem os empréstimos e, como dito antes, forçassem a adoção de medidas neoliberais em troca da renegociação da dívida. Assim, havia o interesse constitucional pela efetivação, de fato, de serviços sociais de qualidade para toda a sociedade, mas não só não havia recursos para executá-los, como também havia a pressão do capital para forçar as reformas neoliberais. Tudo isso resultou nas privatizações e no distanciamento do Estado brasileiro da prestação dos serviços de interesse social.

Dessa forma, não podemos falar que tenha havido a efetivação da política do Estado do bem-estar social no Brasil. Passamos do Estado desenvolvimentista para o Estado neoliberal, sem que houvesse em nenhum momento a consolidação de serviços de interesse social que atendessem efetivamente a todos os necessitados. Sob o neoliberalismo – enfatizado, sobretudo, pelo período de gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002 – houve, assim, um maior distanciamento do Estado em relação às políticas sociais.

As empresas públicas foram em grande parte privatizadas e os serviços públicos ainda mais precarizados, abrindo as possibilidades para a atuação do setor privado em setores como os de saúde e educação, por exemplo9.

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As relações de trabalho também foram reconfiguradas e a sociedade teve que arcar, por sua conta, com serviços essenciais, muito embora a carga tributária não tenha sido reduzida, dadas as privatizações.

Os processos de privatização, bem como a redução de quadro e o congelamento dos salários do funcionalismo público, provocaram desemprego e aprofundamento dos problemas sociais. Sobre o que esse período representou enquanto agressão aos direitos das pessoas, Telles (1999, p. 187), diante da crise, escreveu que:

[...] é por via dessa destituição e dessa erosão, dos direitos e das esferas de representação, que se ergue esse consenso que parece hoje quase inabalável, de que o mercado é o único e exclusivo princípio estruturador da sociedade e da política, que diante de seus imperativos não há nada a fazer a não ser a administração técnica de suas exigências, que a sociedade deve a ele se ajustar e que os indivíduos, agora desvencilhados das proteções tutelares dos direitos, podem finalmente provar suas energias e capacidades empreendedoras.

Isso não quer dizer que os pobres nunca tiveram acesso a serviços de interesse social. Todavia, a situação da prestação desses serviços era a cada dia agravada. No contexto das privatizações e da abertura de setores públicos aos interesses do capital, setores vitais como educação, saúde e segurança pública, por exemplo, foram abertos à iniciativa privada ao mesmo tempo em que houve um gradativo “sucateamento” dos fixos públicos. Por outro lado, as ações para combate à fome e à pobreza eram bastante pontuais e restritas. Se não podemos dizer que nesse período não havia acesso aos serviços sociais, entretanto não podemos também deixar de fazer essas importantes ressalvas.

Apenas mais recentemente, pode-se observar, com o governo do presidente Luís Inácio da Silva, uma preocupação maior com os problemas sociais. Houve um aumento dos cargos na administração pública (aumento dos concursos públicos), interrupção dos processos de privatização e uma maior dedicação à promoção de políticas públicas que visem à melhoria das condições de acesso a serviços públicos de qualidade. Entretanto, ainda existe muito a ser feito e milhões de pessoas ainda vivem em situações precárias de inclusão social. Há críticas às ações deste novo governo no sentido de acusá-lo de executar programas assistencialistas para iludir o povo. Porém, deve-se levar em consideração que tais programas estão permitindo que muitas pessoas tenham garantidas suas condições mínimas de sobrevivência e que, caso contrário, continuariam até hoje passando fome. Então, concordamos que tais programas são indispensáveis enquanto constituírem um primeiro passo na busca de uma sociedade mais justa na qual tais práticas se tornem desnecessárias. Deste modo, é evidente que esses artifícios não podem, nem devem ser permanentes.