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Como já dissemos anteriormente, qualquer política pública que vise a alcançar a universalidade de suas ações precisa, antes de tudo, conhecer o território no qual e a partir do qual vai atuar. Sendo assim, é necessário entender o território, levando em conta a distribuição e dinâmica das populações mais pobres. A esse propósito, convém ressaltar a relevância do trabalho de Bitoun (2005), no Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife3, o qual revela as desigualdades socioespaciais existentes entre diversas porções do espaço do Recife em relação à renda, à longevidade e à educação. Esses três critérios são os adotados para o estabelecimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A análise do IDH nas diversas localidades do território recifense permitiu o estabelecimento de 62 Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH). Cada unidade possuindo certo grau de homogeneidade e, assim, o mesmo IDH. Entretanto, essas UDH encontram-se bastante imbricadas, ou seja, é possível encontrar localidades de IDH altíssimo vizinhas a outras de IDH muito baixo. Segundo o próprio Bitoun (2005, p. 31):

Para melhor se entender essa distribuição, é necessário que se recorra à formação histórica e contemporânea da cidade. No intuito de oferecer uma visão mais sintética da organização espacial da desigualdade no Recife, propõe-se um agrupamento geográfico das Unidades de Desenvolvimento Humano em três anéis, definidos a partir do padrão de dispersão do IDH (conforme Modelo de Burgess) correspondendo, respectivamente, às áreas central, intermediária e periférica da cidade.

O anel central (Mapa 01), situando-se na parte leste do território, abrigava, em 2000, 405.637 habitantes, correspondendo tanto ao Centro Histórico da Cidade, como ao centro funcional, onde se encontram concentradas as principais atividades (comércio, serviços, sedes da administração pública municipal e estadual, etc.) da cidade. É possível verificar aqui uma forte desigualdade entre unidades muito próximas. Tal fato deve-se, principalmente, ao processo histórico de ocupação do sítio da cidade. Os rios e mangues fazem parte do seu espaço. O Recife foi construído, assim, sobre uma planície que apresenta áreas sujeitas a alagamentos em função das cheias dos rios e da variação das marés. No processo histórico de

3 Ferramenta eletrônica desenvolvida pela Prefeitura do Recife em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Fundação João Pinheiro. A elaboração do Atlas teve por objetivo, a partir da análise do IDH das diversas porções do território recifense, revelar as condições vivenciadas por suas populações. O Atlas está disponível por meio de CD-ROM ou por meio do site da Prefeitura do Recife: <http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2006/downloads.html>.

construção da cidade, enquanto as áreas não-alagáveis foram valorizadas e apropriadas desde os primeiros anos, as áreas sujeitas às enchentes foram, então, deixadas à ocupação por famílias pobres, que ainda hoje vivem em palafitas às margens dos rios.

Mapa 01: Recife – Divisão segundo o modelo de anéis concêntricos de Burgess. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife (2005).

O anel intermediário, situando-se parte na planície e parte nas colinas, abrigava, em 2000, 500.515 habitantes. Sua ocupação desenvolveu-se em período mais recente, segunda metade do século XIX e primeira do século XX, e caracterizou-se pela urbanização de espaços rurais. A urbanização primeiro seguiu os caminhos existentes nos espaços rurais e, depois, os trilhos das “maxambombas”4 e dos bondes. Os terrenos mais próximos a esses eixos foram os primeiros a serem valorizados e ocupados, enquanto que os mais afastados, geralmente em áreas alagadas, foram ocupados por mocambos. Essa situação ainda se mantém, refletindo os diferentes valores de IDH.

No anel periférico residiam, em 2000, 516.753 habitantes. Esse anel corresponde às periferias sudoeste, oeste e noroeste do território municipal. Sua ocupação, entre as décadas de 40 e 60 do século passado, foi determinada pelas migrações de populações da planície que foram desalojadas pelas enchentes e reassentadas nas colinas. Há também aí populações oriundas do êxodo rural. A maior parte das casas foi autoconstruída, mas também há vilas edificadas pela iniciativa pública. Em virtude da maior presença de populações de baixa renda, é no anel periférico que a desigualdade em relação ao IDH é menor, uma vez que as diversas UDH desse recorte espacial apresentam índices baixos.

O modelo dos anéis para o caso do Recife nos ajuda a entender a ocupação populacional do território da cidade. A partir dele, podemos compreender a distribuição das populações mais pobres no território e, assim, pensar melhor sobre a distribuição dos fixos, assim como sobre as estratégias territoriais das entidades que analisaremos. Veremos, por exemplo, que no anel periférico se localizam os dois maiores adensamentos das populações de mais baixa renda e, então, comparar às ações da Defensoria Pública e do Projeto Justiça Cidadã. O trabalho de Bitoun (2005) permitiu ainda que outros fossem realizados e refinassem a análise sobre a distribuição da pobreza em Recife. Entre esses trabalhos está o de Bezerra (2008) que se revelou indispensável para a realização de nossa pesquisa.

Em seu trabalho sobre a territorialização dos Agentes de Saúde Ambiental (ASA’s) do Programa de Saúde Ambiental (PSA), executado pela Secretaria de Saúde do Recife, Bezerra produziu uma importante ferramenta para análise das iniqüidades socioespaciais no município. A partir do cruzamento de informações de IDH por Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH’s), obtidas do Atlas do Desenvolvimento Humano do Recife, com os dados de renda do chefe do domicílio por setor censitário, obtidos do Censo 2000 do IBGE, e com a análise de imagens de satélite, Bezerra produziu um mapa de Vulnerabilidade Social. Nesse

4 A maxambomba era uma pequena locomotiva em que os maquinistas trabalhavam numa cabine sem coberta. A máquina puxava três vagões de dois andares.

mapa é possível classificar, no território recifense, todas as quadras atribuindo a elas uma classificação entre baixa, média e alta. O objetivo da construção desse mapa foi identificar as populações de mais baixa renda por haver uma relação comprovada entre renda e vulnerabilidade às situações de insalubridade (condições de ameaça à saúde). Apesar do objetivo do presente trabalho não ter relação com questões de saúde, acredita-se que uma interessante análise relacional possa ser feita entre os dados de Bezerra e a territorialização da Defensoria Pública em Recife, uma vez que os dois trabalhos tratam de serviços de interesse social.