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3 É IMPERATIVO INVESTIGAR A VARIAÇÃO NO

3.3 AS DIMENSÕES INTERNA E EXTERNA DA VARIAÇÃO: OS TRABALHOS

É impensável falar em uma abordagem variacionista para o uso do imperativo em PB e não falar em Maria Marta Pereira Scherre, haja vista o pioneirismo de sua abordagem quantitativa ao assunto em pauta, o qual ela vem alimentando e acrescendo com dados desde o início da década de 1990. A seguir, comentaremos e resgataremos alguns dos seus estudos publicados sobre o assunto, sempre com resultados valiosos, que nos ajudam a depreender a sistematicidade onde reina aparentemente o caos absoluto, a partir do controle de variáveis independentes internas e externas. Começaremos pelo seu artigo publicado em 1998 ‘’Phonic parallelism: evidence from the imperative in Brazilian Portuguese’’ no qual a autora busca estender a noção de paralelismo para o nível fônico dentro da palavra. Com uma base de dados apanhada a partir de (1) eventos informais de língua falada em circunstâncias naturais tais como situações diárias de família, (2) eventos formais de língua falada em circunstâncias como classes de leitura, classes de cursos técnicos, encontros formais de trabalho, (3) diferentes eventos transmitidos por programas de TV, tais como diálogos de novela, aulas de ginástica, aconselhamento médico, aconselhamento jurídico, receitas e (4) textos de um livro em áudio. Com esse agrupamento de fatores, Scherre conseguiu encontrar índices bastante expressivos, que apontam uma predileção especial pela forma subjuntiva em contextos de maior formalidade:

Category Frequency Relative weight

Informal event of natural speech

134/141 = 95% 0.76

Formal event of natural speech

146/176 = 83% 0.16

programs

Talking book 35/ 95 = 37% 0,04

Total 598/734 = 81%’’

Tabela 1: Resultados da frequência de forma indicativa de acordo com o tipo e formalidade do evento de fala. Fonte: (Scherre, 1998).

Esse trabalho de Scherre acaba por começar a desenhar um perfil bastante interessante para a nossa variável dependente: embora a variação no imperativo apresente nuances estilísticas numa escala de formalidade/informalidade, essas nuances estilísticas não vão descarrilar em carga de estigma social. Porém, neste estudo, Scherre não se atém a questões estilísticas, e esmiúça o paralelismo linguístico como um fator interno altamente relevante para quaisquer fenômenos variáveis. Assim, a autora analisa a natureza da vogal precedente na forma verbal conjugada do paradigma da primeira conjugação, conseguindo capturar uma forte associação entre o grau de abertura da vogal anterior e sua relação com a forma imperativa empregada. Eis alguns dados:

Category/Example Frequency Relative weight

[more open] fala 'speak’ 82/88=93% 0.67 olha ‘look' 124/135=92% 0.64 olha ‘look' 43/53= 81% 0.57 [more closed] mande ‘send' 17/22=77% 0.41 conte ‘tell' 24/28=86% 0.46 tente ‘try' 50/61=82% 0.39 vire 'turn' 46/63=73% 0.33 use 'use' 43/64=67% 0.23 Total 429/514=83%

Tabela 2 - Results for rate of indicative form in imperative clauses in accord with the

nature of the immediately preceding vowel: phonic parallelism on the word level for

first conjugation regular verbs. (Fonte: Scherre, 1998)

Percebem-se, portanto, duas direções instauradas em se tratando de paralelismo fônico: por um lado, há uma forte tendência ao uso da forma indicativa quando a vogal anterior é de natureza mais aberta e, por outro lado, uma tendência à diminuição da frequência da forma indicativa conforme a vogal anterior vai assumindo natureza mais fechada. Diante de tamanha simetria envolvendo a hipótese do paralelismo fônico, a autora acaba por se sentir mais à vontade em discutir a pertinência da noção de paralelismo linguístico no seio da teoria da variação e mudança:

As far as we know, this effect in morphosyntactic phenomena has been observed only within the phrase, within clauses, and between clauses. But, our results on the variable use of the imperative in Portuguese demonstrate that the notion of linguistic parallelism must be extended to the phonic level within the word. All the evidence that we know of shows that the effect of this variable is very strong. In fact, on the basis of the large body of research in which this constraint has been analyzed, we can safely conclude that it affects variable phenomena indiscriminately, occurring in all of linguistic subsystems on the most diverse linguistic levels in natural language. This unequivocally confers the status of a linguistic universal to the parallelism effect (SCHERRE, 2008, pág. 6).

Vê-se, nesta citação, o nível de pertinência a que Scherre conduz as hipóteses do paralelismo linguístico, que, segundo sua visão, seria uma força onipotente na estrutura linguística, não somente no sistema linguístico do PB, conferindo a esse efeito restritivo um caráter universal, que ainda está envolto em mistérios, e pouco tem sido focalizado nas grandes correntes teóricas da linguística geral:

The fact that linguistic parallelism permeates phenomena of diverse linguistic subsystems of different languages, and diffuses through equally diverse linguistic levels, provides strong support for the proposal of Scherre & Naro (1991) regarding the universal nature of parallelism. It also raises an even more insightful question: what is the real nature of this variable? As far as we know, no formalist or functionalist theoretical framework has yet dealt with all kind of parallelism as a single central linguistic aspect or even tried to determine the principle underlying it, which clearly extends beyond the limits of linguistic behavior to the realm of general human behavior. (SCHERRE, 2008, p. 9).

Embora gerativistas e funcionalistas não considerem o paralelismo linguístico uma questão central, a sociolinguística quantitativa aponta para outra direção, tornando o paralelismo linguístico uma variável independente de larga relevância estatística. Scherre voltará a mencioná-lo em outros estudos, como, por exemplo, na sua pesquisa ‘’Restrições sintáticas e fonológicas na expressão variável do imperativo no português do Brasil’’ (2000).

Neste estudo, que se inicia com um rastreamento das produções científicas desenvolvidas até então, a autora procura elencar as forças internas mais atuantes na expressão variável do imperativo em PB. É importante afirmar que a base empírica com a qual Scherre opera neste estudo é a mesma do estudo anterior já aqui resenhado, por isso se percebe uma isonomia estatística no controle do efeito restritivo do paralelismo linguístico. Por isso, vamos detalhar aqui a variável interna extensão do vocábulo, em cuja medição Scherre conseguiu obter dados bastante relevantes:

Fatores Indicativo/total Porcentagem da

forma indicativa

Peso relativo dos fatores

ver, por, ir, ler) Dissílabos (falar, virar, dizer, abrir)

355/433 82% 0,47 Trissílabos (apagar,escrever, repetir) 138/177 78% 0,45 Políssilabos (apresentar, aparecer, preocupar) 19/43 44% 0,11 Total 597/746 80%

Tabela 3: Taxas de uso do imperativo na forma indicativa em função do número de sílabas do verbo na forma infinitiva. (Fonte: Scherre, 2000)

Salta aos nossos olhos a diminuição do peso relativo à medida que o vocábulo verbal vai adquirindo maior extensão, indicando uma tendência ao uso da forma imperativa subjuntiva em consonância com esse aumento de extensão. Scherre, ao comentar a natureza da extensão do vocábulo, e sua relação com outros componentes da língua, ensaia um possível namoro com a perspectiva funcionalista no que diz respeito ao conceito de ciclo funcional proposto por Givón, porém acaba por deixar isso como um devir.

Outro fator de destaque neste trabalho de Scherre é a presença ou ausência

e tipo de clítico e sua relação com a frequência indicativa. Os dados obtidos apontam

para uma expansão do uso da forma indicativa se houver ausência de pronome (80%, 0.51) e um efeito categórico de uso da forma subjuntiva em caso de pronome reflexivo

se pós-verbo (retire-se), ainda que em poucas ocorrências (7 no total). Esse efeito

categórico será atribuído a uma propensão à perda da interpretação imperativa caso houvesse o uso da forma indicativa, visto que se teria a possibilidade de haver preenchimento da posição de sujeito e, consequentemente, uma interpretação de estrutura reflexiva.

Esses fatores internos continuarão a inculcar Scherre, que, por meio de um ataque a outras massas empíricas, tentará referendá-los como fatores, de fato, pertinentes e relevantes na regra variável do imperativo no PB. Cita-se, por exemplo,

seu famoso estudo (2006) com as revistas de quadrinho da Turma da Mônica onde a autora tenta apreender um reflexo do processo de mudança em curso materializado na escrita dessas histórias infantis. A amostra empregada é constituída por revistas da década de 1970 e 1990, sinalizando um intervalo de 30 anos – uma geração e meia – o que permite, nos dizeres labovianos, capturar uma mudança em progresso na língua falada. Neste intervalo de 30 anos, Scherre conseguiu entrever um percurso interessante de distanciamento entre norma e uso por parte do autor Mauricio de Souza, tal distanciamento é revelado na diversidade estatística obtida, que se apresenta com 11 casos de indicativo em um total de 162 estruturas na década de 1970, equivalendo a uma porcentagem de 7%, já na década de 1990 num contingente de 658 estruturas aparecem 363 casos de imperativo associado à forma indicativa, o que equivale a 55% de uso da forma indicativa.

Cumpre informar que todas as formas aparecem em associação direta com o pronome você, o que impediu a autora de controlar a associação direta com as formas de tratamento. Mesmo assim, podem-se constatar interessantes resultados para outras variáveis internas e, principalmente, no cruzamento dessas variáveis internas com o fator tempo, em que se pode constatar a diferença no poder de restrição que essas variáveis apresentam, ontem e hoje. Por exemplo, em se tratando de polaridade da estrutura, os dados colhidos mostram que na década de 1970 houve efeito categórico para a forma subjuntiva envolvido em polaridade negativa, já na década de 1990 observa-se 26% de forma indicativa nesse tipo de estrutura. Embora, a polaridade seja ainda um contexto retentor, percebe-se um aumento de variação também nesse contexto sintático.

Quanto à variável número de sílabas, que, neste estudo, Scherre voltará a perseguir, há o mesmo padrão de uso configurado no estudo resenhado anteriormente, ou seja, uma diminuição no uso da forma associada ao indicativo, conforme o verbo se expande. O diferencial, como já mencionado, é o cruzamento do fator interno com o fator tempo, o que demonstrou as seguintes conclusões:

Início da década de 70 Final da década de 90

Fatores Frequência do imperativo

associada à forma indicativa

Frequência do imperativo associada à forma

Monossílabos 2/22=9% 64/92=70%

Dissílabos 8/76=11% 229/358= 64%

Trissílabos 1/28=4% 61/155=39%

Mais de três sílabas 0/3=0% 9/32=28%

Total 11/129=9% 363/637=57%

Tabela 4: Efeito da extensão silábica no uso do imperativo associado ao indicativo. Contexto discursivo do pronome você. Fonte: Scherre, 2006.

O que se vê nos dados colhidos por Scherre é uma ampliação dos efeitos estruturais, que já se insinuavam na década de 1970. A mesma insinuação se obtém no cruzamento da variável tempo com o paralelismo fônico, que também passa a agir com mais força na década de 1990, 57% contra 9% na década de 1970 e também no mesmo cruzamento envolvendo o fator presença do vocativo, que se mostrou reduto atrator de imperativo associado ao indicativo em ambas as décadas, mas com peso relativo mais proeminente na década de 1970 (0.79 contra 0.58 na década de 1990) constituindo-se no fato curioso nessa pesquisa. Scherre termina o artigo esboçando sua descrença com uma possível relação entre o traço (+ ou - proximidade) e a distinção entre as formas imperativas, relação esta que no português europeu parece ser bastante cristalina, porém opaca em território brasileiro, uma vez que a linguista desconfia que contextos de uso de pronome você e tu, indicadores do traço [+ proximidade,], controlem de forma clara o uso da forma indicativa ou subjuntiva.

De alguma forma, essa insinuação incrédula por parte de Scherre é sinalizada também no seu artigo de 2004 onde ela discute, de forma muito transparente e com mais poder interpretativo ainda, as suas disposições estatísticas obtidas a partir do seu contingente de dados das revistas em quadrinhos. Segundo a pesquisadora,

A leitura de Cunha, Cintra, Faraco, Gonçalves e Sampaio permite inferir que o sistema do português europeu atual exibe distribuição complementar na alternância das formas imperativas associadas aos modos indicativo e subjuntivos em função de maior ou menor intimidade, de maior ou menor solidariedade, ou de maior ou menor formalidade entre os interlocutores. Em

contexto mais íntimo, mais solidário, ou menos formal, usa-se a forma associada ao modo indicativo, em contexto menos íntimo, mais formal, menos solidário, usa-se a forma associada ao modo subjuntivo. Neste processo, entram em jogo, portanto, os traços [+ distanciamento] entre os interlocutores (2004, pág. 5).

Essa distribuição complementar envolvendo o uso do imperativo e os traços de distanciamento, bastante enrijecida no português europeu, parece não se observar mais em solo brasileiro, no entanto Scherre abre uma fenda para um possível estabelecimento de alguma relação no uso das formas imperativas associadas ao subjuntivo a um contexto de [+ distanciamento] especialmente nas regiões em que há predominância do imperativo na forma associada ao indicativo. Por isso, Scherre insinua que uma pesquisa no sul do Brasil ajudará a vislumbrar se a relação direta historicamente registrada entre forma de tratamento e verbo imperativo continua ainda a existir no Brasil, a exemplo do português europeu. De todo modo, até que a convençam do contrário, Scherre acredita que o reforço ou atenuação dos atos de fala se marca por outros recursos linguísticos, relacionados à presença ou ausência de modalizadores, ou então, até mesmo pela entonação e não por uma forma verbal específica. Nós voltaremos a essa discussão mais adiante quando elencarmos nossas hipóteses, porque há um contraponto evidente entre Scherre e Faraco, que nos coloca numa encruzilhada, em meio à qual seremos compelidos a fazer alguma escolha, a fim de podermos atacar os dados e tocarmos a pesquisa.

3.4 EM BUSCA DE UMA ISOGLOSSA PARA O IMPERATIVO NO PB: OS