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3 É IMPERATIVO INVESTIGAR A VARIAÇÃO NO

3.4 EM BUSCA DE UMA ISOGLOSSA PARA O IMPERATIVO NO PB: OS

As primeiras observações empíricas de Scherre (2004) em suas andanças pelo país já apontavam para uma tendência predominante de uso do imperativo indicativo em três regiões-brasileiras: sul, sudeste e centro-oeste, já o nordeste, por sua vez, apresentando uma configuração diferenciada e o norte ainda parecendo ser um território envolvo em mistérios. Trabalhos subsequentes orientados pela sociolinguista ajudaram a pesquisa variacionista no Brasil a forjar um corte geográfico bastante claro

e, desse modo, começar a delinear os contornos de uma isoglossa para o uso das variantes imperativas disseminadas pelo território brasileiro.

Lima (2005), por exemplo, destrincha o funcionamento da regra variável do imperativo na cidade de Campo Grande (MGS). A particularidade do seu trabalho reside na coleta de dados, não constituída por dados de entrevistas sociolinguísticas, mas a partir de gravações dispersas em diferentes contextos de enunciação: diálogos em conversas espontâneas, dados da mídia eletrônica (programas e propagandas de rádio e de televisão), aulas e cultos religiosos, o que gerou 464 dados para análise. Neste universo de 464 dados, foram apanhados 287 dados de forma indicativa, equivalentes a 62%, o que aponta para um predomínio da forma inovadora, sem, contudo, aquele domínio estarrecedor visto em outras comunidades de fala.

Essa miscelânea de contextos dos quais a autora ajunta seus dados lhe possibilitou uma abordagem interessante à variável imperativa que, de certa forma, se enquadra em uma dimensão estilística da variação linguística. Lima transforma esses contextos enunciativos a partir dos quais efetuou a sua coleta no grupo de fatores

modalidade/formalidade do evento de fala, prevendo um uso mais amplo de formas

subjuntivas para contextos de maior formalidade. Entretanto, sua hipótese acabou sendo redirecionada diante dos resultados obtidos:

Fatores Frequência da

forma indicativa

Peso relativo

Conversa informal 87/ 97 = 90% 0,86

Aula de ensino fundamental 14/28 = 50% 0,34

Aula de ensino médio 10/11 = 91% 0,85

Aula de ensino superior 12/14 = 86% 0,73

Aulas não institucionais 44/46 = 96% 0,90

Cultos religiosos 5/38 = 13% 0,16 Programa de rádio 8/24 = 33% 0,17 Programa de TV comunitário 14/34 = 41% 0,45 Programa de TV entrevista 20/26 = 77% 0,68 Programa de TV jornalístico Propaganda de TV Propaganda de rádio 11/83 – 18% 0,08 Total 225/401 – 56%

Tabela 5: Uso do imperativo na forma indicativa em função da modalidade / formalidade do evento na fala de Campo Grande, MS – (fatores amalgamados) Fonte: (Lima, 2005)

A chave interpretativa para esses resultados, aparentemente aleatórios num primeiro momento, foi estabelecer uma natureza dialógica a cada um desses fatores, de maneira que quanto mais dialógico fosse o fator a ser medido, mais iminência haveria de insurgir a forma indicativa. Em contextos com menor dialogia, se instauraria uma tendência à profusão maior de formas subjuntivas. Para solucionar o impasse curioso em torno do índice apontado pelo fator aula de ensino fundamental, Lima apelou para o caráter mais expositivo dessas aulas ministradas, ao invés de um caráter mais dialogal, como ela observou no ensino médio e ensino superior. De qualquer maneira, trabalhar com influência de ambientes sobre a regra variável é sempre uma opção instigante e sedutora, que pode revelar nuances estilísticas várias. Em nossa pesquisa, remodelaremos o fator ambiente e o trataremos como pista cênica, tendo em vista operarmos com dados de discurso reportado, em que um contexto discursivo está sendo simulado e filtrado pela voz do narrador (falaremos disso mais adiante).

Ainda na região centro-oeste, Cardoso (2004) investiga o uso do imperativo em textos do escritor goiano José J. Veiga, codificando ao todo 790 dados, dos quais 186 apresentaram o uso da forma indicativa e 604 o uso da forma subjuntiva, o que equivale a uma porcentagem de 76% para a forma subjuntiva em registro de uso total do pronome você. Embora a obra literária apresente essa inclinação maior para um uso mais aproximado da norma codificada e um distanciamento do padrão de uso da região centro-oeste, a autora considera significativa essa variação uma vez que se trata de um escritor de formação tradicional, erudita e que exerceu o ofício de tradutor e que mantinha o hábito de revisar incessantemente as suas obras. Por isso, Cardoso trata esses índices menores de uso da forma indicativa como indícios na escrita de um processo de mudança que está em curso na língua falada.

Será na sua tese de doutorado (2009) que Cardoso esquadrinhará as variantes imperativas no contexto de fala no Centro-Oeste, mais especificamente no Distrito Federal em um corpus constituído por homens e mulheres nativos de Fortaleza, mas residentes em Brasília. Desse trabalho, ressaltamos a maciça atuação das variáveis “gênero” e “identidade dos falantes” no processo de variação e mudança na fala de pessoas que saem de Fortaleza – região onde predominam formas como leve, pegue,

venha – para uma região onde predominam formas como leva, pega, vem. A amostra

investigada revelou diferenças significativas entre homens e mulheres no uso do imperativo. O tratamento estatístico empreendido por Cardoso constatou que a frequência média de uso do imperativo na forma indicativa pelas mulheres é de 74%, enquanto a frequência de uso dessas formas no grupo dos homens é 31%. O grande mérito desta pesquisa foi que Cardoso buscou compreender esses resultados atrelados à variável gênero numa investigação dos traços identitários dos falantes, interseccionando o fator gênero com construção de identidades.

Nesse viés, a pesquisadora considera que as mulheres vindas do nordeste aderem mais facilmente à nova norma imperativa por conta de questões externas, como maior adaptabilidade e pressão do mercado de trabalho. No entanto, ao afunilar as categorias, considerando os laços familiares e as redes de interação entre mulheres e homens, Cardoso consegue capturar um movimento de conformidade com a norma subjuntiva típica do nordeste nas famílias onde os laços com familiares de Fortaleza são mais intensos, ainda que estejam há algum tempo considerável morando na cidade de Brasília. Em suma, homens e mulheres nordestinos de Brasília, no geral, caminham numa direção de avanço à forma indicativa, mas as mulheres nordestinas de Brasília seguem um ritmo mais vertiginoso, por pressões adaptativas e de ascensão social, mas, em redes de interação com mais inerência a marcas de identidade nordestina, as mulheres tendem a reduzir a mudança.

Ainda nessa esfera nordestina, Jesus (2006) investiga o uso do imperativo relacionado à identidade linguística do Nordeste representado na mídia televisiva, mais precisamente na telenovela ‘’Senhora do Destino’’. Em seu trabalho de mestrado, pode- se depreender a dimensão estereotipada com a qual na maioria das vezes a dramaturgia tende a exacerbar as marcas linguísticas do nordestino, uma vez que a investigação levada a cabo pelo pesquisador aponta apenas para um reflexo parcial do sistema linguístico real de Recife por parte do falar típico da personagem Maria do Carmo. Ou seja, embora os efeitos restritivos sejam os mesmos a operar tanto na fala da personagem nordestina Maria do Carmo quanto na fala dos pernambucanos, na boca da personagem haverá sempre uma intensidade maior.

É no controle da variável personagens que Jesus capta o uso discriminado das variantes imperativas distribuído entre o núcleo carioca e o núcleo nordestino, cujo personagem principal é Maria do Carmo:

Fatores Frequência da forma indicativa

Peso relativo dos fatores Personagens pernambucanos Maria do Carmo 31/168 18% 0,08 Sebastião 4/10 40% 0,32 Josivaldo 15/17 88% 0,74 Personagens cariocas exceto Geovanni 410/470 87% 0,73 Geovanni 22/58 38% 0,25 Total 482/723 67%

Tabela 6: Efeito da variável Personagens no uso do imperativo associado à forma Indicativa. Fonte: (Jesus, 2006)

A forte sobreposição no uso da variante imperativa subjuntiva sobre os demais personagens nordestinos aponta para uma tentativa de construção estereotipada dessa personagem Maria do Carmo, a protagonista da história, como a representante típica do povo do nordeste. Essa exacerbação, segundo Jesus, se faz mais notória quando se contrapõe aos dados de fala de Recife11, que segundo ele apontam para um uso mais equilibrado entre as variantes, com 51% de frequência para a forma indicativa. No entanto, na estratificação social entre os informantes entrevistados de Pernambuco, Jesus encontrará um índice maior de forma subjuntiva para falantes de baixa escolaridade (18% e peso relativo de 0,20 para a forma indicativa), fato que leva o autor a concluir que a fala da personagem Maria do Carmo reproduz apenas uma variante típica do pernambucano não-escolarizado, ao passo que, se a fala de Maria do Carmo for tomada como um emblema identitário do falar pernambucano, acabará por se assumir como um estereótipo, visto que esse estereótipo refrata a complexidade existente na fala dos pernambucanos, como, por exemplo, a estratificação por escolaridade, que aponta para um uso maior de formas indicativas em falantes de ensino superior completo na cidade de Recife.

11

Jesus lançou mão do banco de dados do projeto Núcleo de Estudos Linguísticos da Fala e da Escrita (NELFE) e Norma Urbana Culta de Recife ( NURC.)

Jesus controla também os contextos de discurso reportado, mas somente no banco de dados de Recife, embora não apresente resultados estatísticos relevantes, eles não deixam de ser sugestivos e apontam para uma tendência de uso da forma subjuntiva quando o falante reporta o discurso de outra pessoa. Nesse contexto houve 37% de ocorrência da forma indicativa, contra 26% da fala reportada do próprio falante, e 55% da fala do próprio falante, o que indica que nesse contexto de discurso reportado o falante parece lidar com uma sutil projeção de imagens construídas acerca do outro, acerca do que ele espera como traço linguístico do falar pernambucano. De todo modo, essa iniciativa de controle por parte de Jesus nos é um estímulo para acreditarmos que, nas entrevistas sociolinguísticas em Santa Catarina, possamos também encontrar nuances estilísticas subjacentes a esse entrevero de vozes e, por isso, tentaremos explorar com mais requinte essas ocorrências de discurso reportado em nossa pesquisa.

Ainda no bojo das pesquisas variacionistas, Evangelista (2010) analisa a variação do imperativo na cidade de Vitória (ES) em contextos exclusivos de pronome

você. A autora promove um ataque à variável linguística em quatro dimensões:

(i) entrevistas do projeto “Português Falado na Cidade de Vitória - PortVIX”, da Universidade Federal do Espírito Santo – entrevistas labovianas;

(ii) propagandas e títulos de colunas em dois jornais impressos locais, A

Tribuna e A Gazeta – escrita sem formato de diálogo;

(iii) tirinhas de Marly, a solteirona, personagem capixaba criada pelo cartunista e escritor Milson Herinques há mais de 30 anos – escrita com formato de diálogo; e

(iv) fala da mídia televisiva em dois programas locais, Balanço Geral e

Tribuna Notícias.

Com isso, a autora tem diante de si uma rica gama de contextos discursivos que a impeliram a encontrar resultados bastante produtivos para uma descrição desse traço linguístico do falar capixaba. Na dimensão das entrevistas sociolinguísticas, a que mais nos interessa neste momento, a pesquisadora coletou 97% de formas indicativas em contexto de pronome você, o que aponta para um uso quase categórico de forma indicativa, revelando-se como um processo de mudança em curso bastante adiantado. Isso é ainda mais crucial quando Evangelista promove a medição de seus fatores

externos e internos e acaba por se deparar com uma quase alastrada invariância estatística. Para uma capital que fica num estado mais próximo à cidade de Salvador, com amplo uso de forma subjuntiva, chega a ser curiosa e instigante essa tendência a uso quase categórico de formas indicativas. Não é a toa que a autora sugere uma investigação futura em cidades capixabas limítrofes com o estado da Bahia para averiguar o estágio atual de transição da mudança nessas comunidades de fala.

3.5 A DIMENSÃO ESTILÍSTICA ESCAVADA A FUNDO: O TRABALHO DE REIS