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2 É IMPERATIVO DELIMITAR O IMPERATIVO

2.3 O IMPERATIVO SOB A JURISDIÇÃO COERCITIVA DA GRAMÁTICA

2.3.2 Pasquale Cipro Neto e sua ‘’Inculta e Bela’’

É quase um clichê falar de comandos paragramaticais e falar de Pasquale Cipro Neto, dado o êxito de sua carreira frente às mais variadas mídias em que ele se inseriu. Seja no site UOL, na Folha de São Paulo, na TV Cultura, na Rádio Globo, com seus boletins informativos diários de regras gramaticais, Pasquale se transformou numa espécie de referência para as grandes mídias em se tratando de norma padrão e de última palavra em se tratando de autoridade nas questões envolvendo o português culto, tornando-se, por conta de seu renome construído, revisor de texto principal da redação da Rede Globo.

No entanto, embora o paragramatiqueiro muitas vezes se volte para falar de adequação de língua a contextos e tentar buscar explicações que extravasam o limite da ortodoxia purista tão somente, Pasquale não deixa de resvalar em explicações vazias, insustentáveis, descabidas, mas que cintilam como brilhantes para amadores que quase nada sabem de metalinguagem. E foi numa das suas análises sobre o funcionamento de sentenças imperativas no PB que Pasquale haveria de incorrer numa das suas inúmeras incoerências de praxe.

Em 1999, escrevendo para sua coluna diária na Folha de São Paulo, Pasquale apontou o seu gatilho purista para a publicidade, na época de grande êxito popular, da empresa de telefonia Embratel e seu antológico slogan ‘’Faz um 21’’ protagonizado por Ana Paula Arósio. Para Pasquale Cipro Neto, a propaganda apresenta uma inadequação gramatical, já que a atriz durante toda a duração do anúncio se valeu do pronome de terceira pessoa você e encerra o comercial usando uma forma imperativa de segunda pessoa, no caso ela deveria usar ‘’Faça um 21’’ para não incorrer na transgressão da ‘’mistura de pessoas’’ e assim estabelecer a concordância sintática com

o pronome você. O paragramatiqueiro, de forma professoral, assume que

Em situações formais, persegue-se e deseja-se a chamada ‘uniformidade de tratamento’. Não parece ser esse o caso da linguagem publicitária, muitas vezes próxima da coloquial. O único problema é que, como vimos, a forma escolhida não é unanimidade na língua oral dos brasileiros (ao se referir ao que tinha dito anteriormente, que, para os baianos, em contextos informais de fala, a forma mais utilizada é faça). É isso. (CIPRO NETO, Texto da semana, 22/07/99).

Cipro Neto, ainda não satisfeito com as incoerências até então aventadas, faz referência à relativização do uso da língua em contextos enunciativos diferentes. Para ele, ninguém escreveria numa sala pública algo como ‘Não fuma’. No entanto, acrescenta, em muitas regiões do país, como em São Paulo, por exemplo, a forma indicativa é a que costuma ser empregada no dia-a-dia, em situações informais. Assim, o uso de ‘Não fuma’ como forma de um aviso público (mesmo em São Paulo) não seria

possível, porque, para esse paragramatiqueiro, não é nenhuma novidade o fato de termos sempre que entender que o que se fala nem sempre se escreve. E finaliza sua

coluna afirmando que o bom professor seria aquele que consegue mostrar que o imperativo abonado pela norma culta se impõe naturalmente em certas situações.

Entre apegos a noções gramaticais que cheiram à naftalina, como a tão preconizada ‘’mistura de pessoas’’ e intuições equivocadas a respeito da noção de

formalidade/informalidade, parece que o professor não se cansa de destilar temeridades. Equívocos como ‘’mistura de pessoas’’ têm sido aniquilados pelos estudos lingüísticos,

nos quais tem se comprovado que você e tu na verdade são formas intercambiáveis de segunda pessoa e não constituem, de fato, pessoas gramaticais diferentes. Neste sentido, o conceito de uniformidade de tratamento também não se sustenta dado este intercâmbio entre as duas formas, bem como não se sustenta a ideia de se perseguir e desejar a tal uniformidade de tratamento em ambientes formais, ainda mais quando se tem uma variação destituída de estigma social, onde então um fator como formalidade, caso possa agir sobre a escolha de uma forma imperativa, tenderá sempre a ser um fator com força relativa e não absolutamente categórico (sobre isso, falaremos mais adiante quando compusermos melhor as nossas hipóteses).

Por fim, ao dizer que uma forma imperativa negativa, tal como ‘’Não fuma’’ não poderia ser empregada em um aviso de repartição pública por ser este um ambiente formal, e tal ambiente instigaria o uso da forma ‘’Não Fume’’, Pasquale

demonstra mais uma vez o seu contingente limitado de conhecimento linguístico, pois, como Scherre tem investigado em seus trabalhos variacionistas (1999), o texto escrito é um forte ambiente de retenção das formas subjuntivas quando não se tem uma âncora discursiva a fim de dar suporte para uma interpretação imperativa das sentenças. Sem tal âncora, a leitura imperativa acaba por ser prejudicada e, no caso da frase proposta por Pasquale, a ausência de âncora seria o fator inibidor crucial para o irromper da forma

subjuntiva e nada tem que ver com situação de formalidade ou informalidade, como tenta apregoar descabidamente.

2.3.3 ‘’Não erre mais’’ e o sarcasmo tenebroso de Sacconi

Se o radicalismo de Napoleão provoca em qualquer leitor mais atento às questões linguísticas um certo grau de aversão, Sacconi também não deixa de nos provocar uma certa repulsa, tamanha é a sua carga de preconceito e violência simbólica5 empreendidas em seu manual de redação. Além do mais, desde o início o autor faz questão de demonstrar o tom de galhofa que percorrerá todo o seu texto:

''as brincadeiras, ironias e às vezes até alguns sarcasmos encontrados neste ou naquele caso ficam por conta de uma índole espirituosa, quando não de uma caturrice sem conta. Nada tem que ver com desprezo ou menosprezo aos ignorantes. Afinal, todos têm o direito de ser felizes à sua própria moda'' (SACCONI, 2005, introdução).

Assim, deixando implícito que não saber norma padrão é coisa de ignorante,

Sacconi não deixa também de disparar a sua auto-intitulada caturrice na análise das sentenças imperativas, sempre de forma categórica, incisiva, sem margens à relativizações:

5

Violência simbólica é empregado aqui no sentido proposto pelo sociólogo Pierre Bordieu no seu livro ‘’O poder simbólico’’ publicado pela Editora Bertrand Brasil.

Não brinque, que isto é coisa séria: as formas do imperativo negativo são idênticas às do presente do subjuntivo. Como brinca é forma do presente do indicativo, não cabe aí; a forma a ser usada é a do presente do subjuntivo: brinque. Portanto, sem brincadeira de mau-gosto ( SACCONI, 2003, p. 163).

Embora ele avente tal descuido à norma ser uma brincadeira de mau-gosto, verdadeira brincadeira de mau-gosto é o que ele faz em sequência ao comentar o comercial da Caixa Econômica Federal e seu conhecido slogan ‘’vem pra caixa você também’’:

Vem pra caixa você também: Se algum dia o caro leitor receber um convite dessa forma, recuse! Recuse, porque a incompetência é que o convida. Vejamos por quê: vem é forma de segunda pessoa do imperativo afirmativo, você é o pronome de terceira pessoa, ou seja, exige o verbo também nessa pessoa. Assim, aquela frase não está perfeita, não está conforme aos princípios do idioma. Se, porém, o convidarem de outra forma, pode aceitar o convite, que nada lhe acontecerá de ruim. Assim, por exemplo:

Vem pra caixa tu também. Venha pra caixa você também.

Não transija com os incompetentes, caro leitor! Isso pega! (SACCONI, 2003, p. 163)

Resta saber se o paragramatiqueiro alguma vez deixou de abrir conta bancária na Caixa Econômica Federal por conta da suposta incompetência deste anúncio. No mais, consideramos que qualquer outro comentário que se possa tecer a respeito das colocações preconceituosas de Sacconiseja, isso sim, transigência com os incompetentes...