• Nenhum resultado encontrado

2 É IMPERATIVO DELIMITAR O IMPERATIVO

2.3 O IMPERATIVO SOB A JURISDIÇÃO COERCITIVA DA GRAMÁTICA

2.3.6 Dad Squarisi prova do seu próprio veneno

Outra paragramatiqueira que, alguns anos, despontou na mídia impressa brasileira é Dad Squarisi.6 Colunista do jornal ‘’Correio Brasiliense’’ mas com texto licenciado para publicação em dezenas de outros veículos espalhados pelo país, ela ganhou projeção com seus textos de estilo sucinto, sintaxe fácil, geralmente mesclada a gracejos e piadas de nível infantil que, muitas vezes, tentam mascarar um preconceito linguístico e social do pior nível. Algum tempo atrás, Dad lançou suas colunas em blog na internet e a esse veículo recorremos para tratar de um dos seus textos sobre a variante imperativa do PB.

A coluna intitulada ‘’Os sete pedidos ao pai nosso’’ foi publicada em 10 de março deste ano de 2011. Tomando a oração do pai nosso como ponto de partida para sua análise, a paragramatiqueira afirma, com gracejo, que ‘’ A língua ajuda o Pai Nosso. A prece ensina o que pedir. A língua, como pedir. O imperativo se presta à função. Saber empregá-lo como manda a norma culta traz dupla vantagem. Uma: acertar o alvo. A outra: receber a bênção de Deus e dos homens. São sete os passos.’’ Ou seja, para Dad, se não usarmos o imperativo de acordo com a norma culta não conseguiremos atingir os nossos alvos comunicacionais nem receber a plenitude das bênçãos divinas. Continua a colunista, analisando outros três exemplos de sentença. Reproduzimos abaixo:

Não misture

"Vem pra Caixa você também", diz o anúncio da Caixa Econômica Federal. Reparou? Ele misturou alhos com bugalhos. O alho: o verbo se dirige à segunda pessoa (vem tu). O bugalho: o pronome você conjuga o verbo na 3ª pessoa (você). Que tal desfazer a

mistura? Há duas saídas. Uma: optar pelo tu (vem pra Caixa tu também). A outra: assumir o você (venha pra Caixa você também).

Outra cara

"Se liga na revisão", ordena o Telecurso 2000. Ops! Olha a salada de pessoas. O se é pronome de terceira pessoa. O liga, imperativo da segunda pessoa. Que indigestão! Vamos tratar bem a língua e o organismo. Escolhamos uma ou outra. Sem misturas: Te liga na revisão (tu). Se ligue na revisão (você).

Mais uma

"Diga-me com quem andas e te direi quem és", alardeia o povo sabido. O problema? A mistura de pessoas. Melhor descer do muro. Assumamos uma pessoa ou outra: Diga- me com quem anda e lhe direi quem é você. Dize-me com quem andas e lhe direi quem és.

(SQUARISI, 2011, BLOG DA DAD)

Percebe-se, neste trecho recortado, nitidamente, a aptidão de Dad para construir piadas de gosto duvidoso e repletas de comentários depreciativos, instigadores do purismo insano e descabido. Para a paragramatiqueira, o slogan do Telecurso 2000 provoca indigestão por conta da ‘‘mistura de pessoas’’ e maltrata a língua e o organismo, algo que não procede como já comentamos anteriormente. O mais pitoresco, no entanto, nessa coluna, é que Dad, a justiceira do Lácio, provará do seu próprio veneno mordaz no tópico subsequente ao se meter a corrigir o dito popular ‘‘diga-me com quem andas e te direi quem és’’. Ao propor a correta ‘‘uniformidade de pessoas’’ a nossa justiceira do Lácio acaba resvalando na norma que ela tanto apregoa: ‘‘Assumamos uma pessoa ou outra. Diga-me com quem anda e lhe direi quem é você. Dize-me com quem andas e lhe direi quem és’’(grifo nosso).

Assim, a colunista acaba provando da mistura de pessoas tão condenada por ela, a tal mistura que maltrata a língua e provoca indigestão. Esse vacilo, obviamente, não passaria despercebido pelos seus leitores, puristas na sua grande maioria. Numa outra coluna publicada alguns dias depois, Dad relata:

Sete vezes 77 leitores protestaram. Com razão. A coluna "Sete pedidos ao Pai Nosso" cometeu um pecado mortal. Na nota "Mais uma", misturou pessoas. "Dize-me com quem andas e lhe direi quem és", escreveu a descuidada. Nada feito. Eis a forma abençoada por Deus e pelos homens: Dize-me com quem andas e te direi quem és. (SQUARISI, 2011, BLOG DA DAD)

Se acessarmos hoje o blog de Dad, veremos a sentença corrigida, no entanto basta um acesso em algum site de qualquer outro jornal em que a coluna tenha sido publicada7 e se verá a prova inconteste do dia em que Dad se rendeu às forças naturais do sistema linguístico e cometeu seu pecado mortal.

2.3.7 O fosso

Toda essa profusão de gramaticalismo em demasia dá indícios evidentes do fosso que possa haver, neste momento, entre o padrão de uso da norma culta e aquele estipulado pela norma padrão, como propôs Faraco. O próprio deslize de Dad Squarisi não deixa de revelar esse impasse e tensão com a qual se deparam os paragramatiqueiros na sua conflagração incessante com as normas linguísticas que imperam no português falado. Em se tratando de nossa variável dependente, temos uma particularidade interessante assinalada pelos estudos de Scherre a respeito de ser esta uma variável desprovida de conotações sociais negativas. Isso, de certa forma, instala ainda mais a vertigem neurótica nos comandos paragramaticais, uma vez que se torna muito mais improdutivo qualquer tentativa de mordaça dos comandos sobre formas linguísticas que não exalam a sensação de erro ou estigma.

Nesta pesquisa, sob um tratamento sociolinguístico quantitativo, procuraremos trazer evidências do português falado nas cidades de Florianópolis e Lages para essa possível dissonância existente entre norma e uso no que tange às formas imperativas.No entanto, isso é assunto para mais adiante, pois, no próximo capítulo, apresentamos as principais pesquisas levadas a cabo no país que, com muita propriedade, tem colaborado com essa discussão e enriquecendo-a cada vez mais.

7

Pode-se acessar, por exemplo, a sua coluna no site do jornal Diário da Borborema: http://www.diariodaborborema.com.br/2011/03/13/cotidiano2_0.php

CAPÍTULO 3: É IMPERATIVO INVESTIGAR A VARIAÇÃO NO