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As divergências entre alguns registros feitos e o que realmente aconteceu

ALGUMAS SITUAÇÕES EM CONTEXTO

4.5. As divergências entre alguns registros feitos e o que realmente aconteceu

Os motivos para registros divergentes em relação ao que de fato ocorreu são diversos, segundo as professoras entrevistadas. Numa primeira categoria, podem ser postos aqueles que estão relacionados ao receio do professor de que seja percebida uma “falha” em não ter cumprido com o que foi planejado ou proposto. Segue a apresentação destes, seguidos de trechos das entrevistas das professoras que o sustentam.

pode-se até perder o espaço coletivo de reunião!

Eu acho que, provavelmente, porque ele sabe que aquele horário é para se realizar tal coisa. Se a coisa não foi realizada, certamente alguma punição vai ter. Então ele registra pelo que deveria ter sido feito, até, talvez, para manter aquele espaço existente. Porque, eu acredito, que se um dia eles perceberem – talvez até perceberam já e fingem que não sabem –, se um dia eles notarem que esse espaço de JEI não é utilizado para aquilo que ele foi criado eu tenho até medo de a gente perder esse espaço. Mas eu acho que os professores registram o que não foi feito exatamente porque conta disso. É preciso registrar o que deveria ter sido feito... e

não o que foi feito. Porque senão nós não vamos estar cumprindo com o plano que nós mesmos criamos. Pelo que eu sei o PEA é criado pelos professores. A gente cria um plano e não cumpre com esse plano, mas é preciso registrar que foi cumprido, porque senão é colocar nossa cara a tapa também – ninguém quer colocar a cara a tapa. (P5, 46) (O grifo é nosso)

De fato, havia uma discussão originada nos sindicatos da categoria de que realmente haveria essa possibilidade de diminuição da carga horária das reuniões coletivas, sendo que a coordenação pedagógica utilizava esse discurso para instar os professores a melhorar suas participações no horário, para demonstrar melhor aproveitamento dele.

O professor tem medo de retaliações.

(...) Porque a escola cobra, do professor, papel. Tem que ter o papel. E o professor ainda tem medo. Medo de colocar aquilo que realmente é. Medo de ser punido; medo de ser rechaçado, medo de “aquela professora é a chata”, “aquela professora é ruim”, “aquela professora é implicante”, e a gente acabar sendo excluída do grupo. Então a gente faz o quê? Coloca aquilo que não é! Não é a verdade, não é o que a gente sente e o que a gente vê. É medo da punição, do autoritarismo... ainda existe. (P1, 38)

Por uma falta de ousadia, os professores acabam recuando em suas idéias e registrando o que os gestores esperam que seja registrado.

É, eu não sei se por comodismo ou por medo – agora eu também não sei do que. Eu tenho impressão de que é um pouco de medo de ousar. Eu acho que educação é ousadia, mas parece que quando chega a hora de fazer esse registro, de colocar no papel, parece que há um recuo, parece que todo mundo junto volta atrás e registra aquilo que gostariam que tivesse no papel. E papel aceita tudo. (P3, 34)

Os motivos apresentados pela Professora P3 também apontam para o caso das

divergências motivadas por uma questão de fazer os registros de acordo com os anseios e expectativas dos gestores da Educação (mencionados, mormente os gestores internos – coordenação e direção), segundo as entrevistadas. Isto aparece mais intensamente nos casos abaixo.

Registra-se o que o corpo gestor espera que os professores façam.

É que, no fundo, o que acontece – é óbvio, todos nós temos nossas opiniões –, no fundo, no fundo, o que acaba ficando registrado, o que acaba indo para o papel é aquilo que talvez a gestão gostaria que tivesse no papel. Não é reflexo da nossa realidade, é o que talvez esperam que a gente coloque no papel. (P3, 32)

registrado.

O livro de JEI, o de Hora Atividade, diários, às vezes... muitas coisas falsas. O próprio sistema obriga. Não é verdade? Se você puser a verdade, você tem que mudar. (P7, 38)

Esta mesma professora aponta uma transferência cumulativa de obrigações e de responsabilidade pelas divergências, denotada no seguinte excerto:

(...) Porque agem assim, obrigam, obrigam a direção, a direção obriga a coordenação, a coordenação obriga o professor a fazer aquilo daquele jeito. E você sabe que é falso, não condiz à realidade, nem da sua prática, nem mesmo em relação à aula mesmo, não condiz. Não condiz. Não está real. E é uma pena, porque isso no futuro vai ser péssimo. Cada vez que eu anoto uma coisa que eu sei que não... aliás, eu evito ao máximo o que eu acho que não está certo, porque eu fico pensando e se um dia, daqui a dez anos, alguém pegar isso vai pensar que eu fiz isso e eu vou ficar muito brava, porque está errado. Não é? É muito ruim. (P7, 40)

A própria dinâmica de funcionamento dos sistemas didáticos favorecem algumas divergências, uma vez que o gerenciamento das ações muitas vezes carece de alguns “arranjos” para se justificar o que os professores têm a fazer. Isto aparece na fala da professora P4:

Há alguns parâmetros a serem seguidos (há fatos que não devem ser registrados no dia em que de fato ocorrem, por exemplo uma reunião de pais que foi adiantada por conveniência da escola, mas deve ser registrada no dia previsto no calendário oficial). Assim, muitas vezes os professores deixam para registrar em outro dia e acabam por esquecer o que deve ser registrado.

Para começar, você tem que seguir uns parâmetros que são definidos aí: “isso pode, isso não pode escrever”. E nem sempre a realidade corresponde àquele registro que tem que ser feito. Que a gente faz muita coisa, a gente faz. É um grupo que trabalha. Mas, na hora de registrar aparece “ih! hoje eu não poderia estar colocando isso”, aí você já esquece. A gente tem só duas horas-aula de JEI, você está no meio do processo aí ninguém pára para estar registrando aquilo na hora. Porque quando a gente consegue fazer isso, funciona bem (...). (P4, 20)

Isto também é corroborado pelo que diz a professora P6, quando esta justifica que os

registros feitos não são incoerentes, apenas não ocorrem no tempo declarado:

O registro é feito apenas por uma questão burocrática, mas o que se registra não é tão diferente do que realmente se faz.

Porque é burocracia. Você tem que registrar alguma coisa. É que nem no diário, muitas vezes, você tem que colocar alguma coisa. Também não quer dizer que você fez alguma coisa tão distante daquilo. Você vai escrever coisas que acontecem, coisas que fazem parte do seu dia-a-dia, você também não vai inventar nada que seja muito absurdo. (...) Então acho que as pessoas têm que fazer o registro, fazem por conta da burocracia, mas elas fazem o registro meio que dentro de um repertório delas mesmo, de trabalho delas, não sai muito daquilo. E acho que é assim mesmo que funciona. (...) Então não é algo que foge totalmente à realidade. (P6, 26)

A professora P2 reconhece que os processos de mudanças são dificultados também por

causa dos registros equivocados, pois se fossem feitos conforme ocorrem os fatos alguma reação iria provocar:

Falta sinceridade por parte do professor, pois na prática o que acontece é diferente do que se registra. Como os registros são diferentes, as mudanças que deveriam ocorrer não são implementadas.

Eu acho que a gente não sabe ser sincero. Eu acho que se realmente a gente colocasse o que pensa no papel eu acho que haveria mudanças. (...) Mas eu acho que precisaria haver mais sinceridade naquilo que está fazendo. Já poderia ter mudanças, se não está funcionando daquele jeito, então vamos tentar no ano seguinte diferente. Eu acho que fica tudo muito no papel, só no papel. E na prática mesmo, fica diferente. (P2, 38)

A professora P4 aponta vários motivos para as divergências:

Alguns professores têm dificuldades para descrever fielmente as ações e discussões ocorridas.

(...) A P6 tem uma flexibilidade nesse sentido – acho que você também deve ter, essa

cabeça assim mais organizadinha de matemático – porque a gente está conversando e falando e ela já consegue registrar. Eu já não tenho essa facilidade. Então, como cada dia um tem que registrar, aí tem que colocar, a gente fica sem saber como escrever aquilo. A forma de registrar também é um empecilho para isso. Tudo é “pode escrever assim? Não pode?”... você também não pode ser muito simples, muito coloquial. Para mim é isso que atrapalha... (...). (P4, 20)

Os registros exigem também um tempo que os professores reclamam não ter.

(...) Relatar tudo direitinho, tintim por tintim, exige tempo, um tempo que aqui a gente não tem... bateu aquele horário, a gente vai embora, vai fazer outra coisa, ou vai para sala de aula, e fica lá, no dia seguinte você já não está mais com aquela informação fresquinha... “ah! o que foi mesmo que a gente fez?”, aí você vai lá e escreve meio que resumidamente. (P4, 20)

Os professores têm muitos livros para escrituração.

(...) Tem livro para isso, livro para aquilo, acho que incomoda a gente, atrapalha, acaba perdendo tempo, sendo que a definição das metas é mais importante... (...) É mais prático do que teórico, para funcionar. E a JEI fica muito em cima de teoria, em cima de escrituração... coisa que acaba ficando no livro, ali na sala de aula é outra história. (P4, 21)

É... fora aqueles diários. Um monte que me atrapalha até. Eu estou ainda fechando diário! Por quê? Porque na sala de aula é a dinâmica, nem sempre dá tempo de você sentar e escrever. Meus diários são todos borrados. Eu não consigo escrever e dar atenção para os alunos e resolver problemas com calma, assim organizadamente. Tem [livro de] CCH, tem [livro de] Hora Atividade, tem livro da JEI, tem livro de ponto (que é imprescindível, você não pode deixar de assinar), o mínimo é o livro de ponto que é só a sua assinatura... agora eu tenho muito registro para fazer... muito, muito (...). (P4, 22)

A mesma professora ainda apresenta uma justificativa que está diretamente relacionada à concepção de formação contínua de professores, no que se refere aos registros como possibilidade de sistematização de estudos:

Os professores não enxergam os registros como uma possibilidade também de orientação para a reflexão e para a pesquisa.

(...) Isso eu acho que é perda de tempo, é um pouco de desperdício. Acaba não funcionando. Se a gente realmente depois fosse utilizar aqueles registros para dar

continuidade ou para retomar alguma coisa, mas não, fica só ali no papel, não funciona muito. (P4, 22) (O grifo é nosso)

Sobre esse aspecto, Pimenta (2005) enfatiza os elementos importantes presentes nas práticas docentes, “como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está configurada teoricamente” (p. 27), o que aponta uma necessidade de sistematização nas práticas de documentação, de registro. Diretamente relacionado ao que disse a professora P4, Pimenta enfatiza:

Não se trata de registrar apenas para a escola, individualmente tomada, mas de forma a possibilitar nexos mais amplos com o sistema. Documentar não apenas as práticas tomadas na sua concreticidade imediata, mas buscar a explicitação das teorias que se praticam, a reflexão sobre os encaminhamentos realizados em termos de resultados conseguidos. (Pimenta, 2005. p. 27)

Esta autora põe em debate a importância do registro como elemento que possibilita um melhor entendimento da prática tanto quanto um melhor aproveitamento da teoria, pois ele se constitui em “potencial para a elevar a qualidade da prática escolar, assim como para elevar a qualidade da teoria” (Ibid.).

Desta forma, a prática dos registros observada nesta Unidade Escolar e aqui apresentada, tanto quanto os depoimentos destas professoras, apontam para uma necessidade de uma melhor orientação, no sentido de levar os professores a uma reflexão sobre a relação entre a qualidade das situações didáticas de formação de professores em contextos escolares e as suas concepções tanto sobre a formação quanto aos registros das situações.

Para que se tenha uma idéia dos efeitos (e também das causas) das discussões e atividade envolvendo Tecnologias de Comunicação e Informação no que tange às situações didáticas em sala de aula, no Laboratório de Informática Educativa, a seguir será feita uma breve listagem de algumas atividades naquele contexto desenvolvidas.