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PARTE I CORAGEM DE DIZER E LEITURAS INTERPRETATIVAS

CAPÍTULO 2 PESQUISA DE CAMPO

2.1 As entrevistas: produção de formas simbólicas

A produção de material empírico da pesquisa efetivou-se por meio da realização de entrevistas, norteando-se pelos territórios pré-interpretados dos objetos de investigação. Empregada na modalidade semiestruturadas, a técnica de entrevista possibilitou a produção da materialidade empírica, incidindo na geração de formas simbólicas, ou seja, “construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser compreendidas” (THOMPSON, 1995, p.357) a serem interpretadas e re-interpretadas em profundidade

14 Importante registrar que a identificação da pesquisa e das e dos entrevistados pode ter inibido algumas

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com vistas às aproximações para além dos entendimentos comuns (doxa) sobre as relações raciais e de gênero no como profissão.

Desse modo, o mundo sócio-histórico dos jornalistas não é somente um campo- objeto, mas um campo-sujeito construído, parcialmente, por sujeitos (THOMPSON, 1995), isto é, por jornalistas negras e negros, brancas e brancos. Depositei, por conseguinte, o esforço epistemológico de reconhecer as marcas identitárias de jornalistas no exercício da profissão por meio do registro de enunciações (formas simbólicas) – posteriormente interpretadas por seu caráter de formações discursivas – sob a perspectiva racial e de gênero.

No desenrolar da análise do material empírico, a chave interpretativa de tais formas simbólicas possibilitará o acesso a novas compreensões sobre o campo-sujeito- objeto – ou jornalismo como profissão nas dimensões de raça e de gênero – e quiçá novos referenciais sobre tal atividade profissional “capazes de compreender, de refletir e de agir fundamentados nessa compreensão e reflexão” (THOMPSON, 1995, p. 359), tomando por base as vivências e as trajetórias de jornalistas negras e negros, brancas e brancos. Foram reunidos, portanto, elementos para compor o que Orlandi (2005, p.30-31) denomina “condições de produção as que incluem o contexto sócio-histórico, ideológico [...] efeitos de sentidos elementos que derivam de nossa sociedade”.

Vinculada à análise discursiva como um dos métodos de investigação da metodologia de interpretação, a hermenêutica de profundidade reúne elementos constitutivos da análise dos discursos francesa: sujeito, historicização da experiência humana e interpretação. Conforme Bastos e Porto (2009, p.321), “a interpretação hermenêutica procura uma razão que possa articular e reelaborar, historicamente, os sentidos e os significados da compreensão humana, instituindo, assim, uma efetiva e construtiva experiência de uma ação realmente comunicativa”.

As entrevistas semi-estruturadassemiestruturadas ocorreram, entre janeiro e maio de 2016, orientando-se por roteiro alicerçado em cinco eixos: i) dados de identificação; ii) trajetória profissional; iii) relações de gênero no jornalismo como profissão; iv) relações raciais no jornalismo como profissão; e v) futuro do jornalismo como profissão. Geralmente, o roteiro da entrevista foi mantido e os cinco eixos foram respondidos por

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todas e todos entrevistados. Contudo, foram incluídas algumas questões, perante os pedidos de esclarecimentos por esta pesquisadora quanto a situações vividas pelos e pelas entrevistadas, ilustrações de casos por meio de exemplos, destrinchamento de comentários gerais ou enumerações com vistas ao aprofundamento e à especificação de elementos concernentes a este estudo

Ao todo, foram entrevistadas 21 jornalistas, sendo cinco mulheres negras, seis mulheres brancas, cinco homens negros e cinco homens brancos. Em razão dos convites múltiplos e do tempo de resposta, houve uma entrevista a mais com jornalista branca, a qual foi mantida em decorrência da relevância do depoimento para este estudo. A faixa etária oscila entre 30 e quase 70 anos, agregando distintas fases de ingresso ao mercado de trabalho, motivações para a escolha da carreira, relacionamentos humanos e profissionais até perspectivas sobre o jornalismo como profissão no Brasil. Estão insertas e insertos jornalistas com projeção nacional, local e restrita, com vistas a transpor alguns dos obstáculos epistemológicos acerca de pesquisas sobre jornalismo (NEVEU, 2006), a exemplo da realização de estudo com figuras célebres.

Todas e todos profissionais têm sólida experiência na profissão e serviços prestados às principais Redações jornalísticas do Brasil nas mídias televisão, rádio, revista, jornal impresso, jornais digitais e portais noticiosos, conformando campo vasto e coeso em termos de vivências profissionais. Estão incorporadas realidades das cinco regiões do Brasil, de jovens a profissionais com décadas de experiência, perpassando diferentes fases da profissão após a década de 1970, quando do fortalecimento da atividade profissional por meio da formação universitária, até a atualidade com a não obrigatoriedade do diploma e novas organizações produtivas para além das fronteiras das Redações.

Todas as entrevistas foram realizadas por esta autora e foram gravadas em arquivos digitais de áudio para uso exclusivo desta pesquisa. Todo o material foi autorizado por meio de termo de autorização assinada ou mensagem eletrônica, e pouca exclusão de conteúdo por parte das pessoas entrevistadas (exceto Antônio Góis sobre um caso de assédio sexual contra uma jornalista). As transcrições foram feitas por esta pesquisadora, mantendo-se a linguagem original de cada entrevistada e entrevistado.

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Das 21 entrevistas, quatro foram presenciais e 17 virtuais, para as quais utilizei as plataformas de comunicação digital do Skype, Google Hangouts, Whatsapp, Facebook Messenger e Facetime do Sistema IOS. Esses recursos tecnológicos foram decisivos para os contatos com profissionais residentes em diferentes localidades brasileiras e, duas, no exterior, visto a indisponibilidade da pesquisadora de realizar tantos deslocamentos. Por vezes, instabilidade de conexões de Internet implicaram interrupções pontuais das entrevistas, porém, não impactaram no produto final ante a presteza das pessoas entrevistadas. Das 21 entrevistas, somente uma teve problema no armazenamento do arquivo digital por distração da pesquisadora, incidindo na refação da segunda parte da entrevista.

A escolha do rol de entrevistadas e entrevistados foi feita em lista acordada com a orientação e a co-orientação desta tese. Para além dos meus contatos pessoais existentes com um terço de jornalistas, os demais contatos se sucederam com apoio de muitas pessoas e entidades, dentre as quais se destacaram: Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj); Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), por meio do Núcleo de Jornalistas Afro-Brasileiros; Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, por meio da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Alagoas, por meio da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira); Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Amazonas e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Acre; a jornalista Claudia Alexandre pelo contato com a jornalista negra Joyce Ribeiro e o jornalista Eduardo Kirst, ex-orientando na Universidade Católica de Brasília (UCB), pelo fornecimento do contato do jornalista negro Heraldo Pereira.