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Profissionalização da atividade jornalística no Brasil

PARTE II ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA

CAPÍTULO 5 TRABALHO, PROFISSÃO E JORNALISMO

5.5 Profissionalização da atividade jornalística no Brasil

No Brasil, o jornalismo tornou-se profissão no Estado Novo71 por meio do Decreto-Lei nº 91072, de 30 de novembro de 1938, que dispôs sobre a duração e as

71 Regime ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945) e marcado pela centralização de poder após golpe

empreendido para evitar a suposta tomada de poder por forças comunistas, impedindo as eleições previstas para janeiro de 1938. Houve fechamento do Congresso Nacional, extinção de partidos políticos, perseguição de oponentes e prisões. Foi promulgada a Constituição de 1937, a Polaca, embora o governo fosse gerido por meio de decretos-lei pelo presidente Vargas.

72 O documento pode ser acessado na página de internet da Câmara dos Deputados. Disponível em: <

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-910-30-novembro-1938-349925- publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 12 abr. 2014.

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condições de trabalho nas empresas jornalísticas. Criada pelo então presidente da República, Getúlio Vargas, a norma considerava como jornalista “o trabalhador intelectual cuja função se estende desde a busca de informações até à Redação de notícias e artigos e à organização, orientação e direção desse trabalho” (BRASIL, 1939) e como empresas jornalísticas “aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário, e, ainda, as de radiodifusão em suas secções destinadas à transmissão de notícias e comentários” (BRASIL, 1939). Esta primeira lei regrava as funções de redator-chefe, secretário, subsecretário, chefe e subchefe de revisão, chefes de oficina, de ilustração e de portaria. Determinava as seguintes condições para o exercício da profissão: prova de nacionalidade brasileira, folha corrida, prova de que não responde a processo ou não sofreu condenação por crime contra a segurança nacional e carteira profissional.

Além dessas deliberações, o Decreto-Lei nº 910/1938 assumia o compromisso de criar escolas de jornalismo, destinadas à formação profissional dos que viriam a configurar ser jornalistas. Estes exerceriam a profissão mediante o registro da profissão no Departamento Nacional do Trabalho. Aqueles que já atuavam no mercado deveriam se inscrever no órgão no prazo máximo de 120 dias depois de instalado o Registro da Profissão Jornalística. Conforme Petrarca (2005, p. 12), “a regulamentação profissional consistia em questionar a posição dos intelectuais, mas conferir às elites de determinadas profissões a possibilidade de criar as condições de acesso ao exercício profissional e intervir em nome de uma ‘ética profissional’”. O Estado Novo corresponde à primeira ditadura da República, em que houve censura e criação do Departamento de Imprensa e Propaganda para controlar a imprensa e o rádio.

No bojo da articulação e da normatização do jornalismo como profissão no Brasil, foi criada a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)73, em 20 de setembro de 1946.

73 No seu histórico, a instituição se apresenta como decisiva para a regulamentação da profissão de

jornalista, a proteção a profissionais e a luta pela democratização da comunicação no país. Coordenou a Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação na Constituinte, mas não obteve êxito por ação da chamada bancada da mídia, sendo a questão discutida pela sociedade após a promulgação da Constituição Federal, de 1988. Integra o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), atuou com a sociedade civil para garantir inclusão na Lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995, revogada pela Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011. Fez gestões no Conselho de Comunicação Social (CCS) criado

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Em 2004, a instituição resumiu sua trajetória da seguinte forma: “longa e árdua jornada pela adoção de regras que organizassem a profissão e garantissem para a sociedade acesso público à informação ética e plural”. No governo Jânio Quadros74, o Decreto nº 51.21875, de 22 de agosto de 1961, regulamentou o Decreto-Lei nº 910/1938, dispondo sobre o exercício da profissão de jornalista. A partir daquela norma, a profissão só poderia ser exercida por profissional diplomado ou certificado de habilitação pelas Escolas de Jornalismo, para atuação em empresas jornalísticas, de rádio e televisão. Estas estavam impedidas de contratar jornalistas sem diploma. Dentre as demais funções da imprensa, estavam dispensadas de titulação universitária: revisor, fotógrafo, arquivista e outras, de natureza puramente técnico-material.

O registro profissional de jornalistas foi normatizado pelo Decreto nº 1.177, de 12 de junho de 1962, assinado pelo Conselho de Ministros, representado por Tancredo Neves e Alfredo Nasser. O documento ampliou a definição de jornalista, definindo como

profissional aquele cuja função, remunerada e habitual, compreende a busca ou documentação de informações, inclusive fotográficas, a Redação de matéria a ser publicada, contenha ou não comentário: a revisão de matéria, quando já composta tipograficamente a ilustração, por desenho ou por outro meio, do que fôr publicado; a recepção radiotelegráfica e telefônica de noticiário nas Redações de emprêsas jornalísticas; a organização e conservação, cultural e técnica, do arquivo redatorial; bem como a organização, orientação e direção de todos êsses trabalhos e serviços.

em 2002 após ter sido assegurado na Constituição de 1988, e para a descriminalização das rádios comunitárias, no ano de 2003. Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/federacao/texto_fenaj.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014.

74 Eleito presidente da República, exerceu o mandato de 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961. Ao renunciar

ao cargo, este foi ocupado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli por alguns dias. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/janio-quadros>. Acesso em: 12 abr. 2014. Em 8 de setembro de 1961, foi empossado João Goulart (Jango) em sessão do Congresso Nacional. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/joao-goulart>. Acesso em: 12 abr. 1964.

75 Documento disponível no portal da internet da Câmara dos Deputados. Disponível em: <

www2.camara.gov.br%2Flegin%2Ffed%2Fdecret%2F1960-1969%2Fdecreto-51218-22-agosto-1961- 390868-publicacaooriginal-1-pe.html&exec>. Acesso em: 12 abr. 2014.

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Entre idas e vindas em três décadas, o jornalismo foi recebendo configurações como profissão no país, demarcando direitos para trabalhadores e trabalhadoras, a organização do mercado dessa atividade profissional e o ensino superior.

Frente aos avanços nas conquistas de direitos, empreendidos pela sociedade brasileira, em especial pelos movimentos sociais, a Constituição Federal76 deliberou novo regramento ao Estado brasileiro, inclusive sobre a equidade de direitos historicamente violados no país. Entre os princípios fundamentais, o artigo 3º elencou os objetivos da República, em que destaco o inciso IV relacionado a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dentre os direitos e garantias fundamentais, o artigo 5º instituiu a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, entre todos os brasileiros e brasileiras e estrangeiros residentes, cabendo ao inciso I determinar a igualdade entre homens e mulheres e ao XLII definir a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusa. Com os direitos aqui resgatados, dava passo crucial para conter o biopoder do Estado (FOUCAULT, 2012) e os seus efeitos, como pode ser pensado aqui neste estudo, sobre a vida das populações negras e brancas, em particular.

Para que o Estado Democrático de Direito se realize, é necessário empenho e investimento em políticas públicas de enfrentamento às disparidades raciais e de gênero, a fim de alcançar os princípios fundamentais de soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político e os objetivos fundamentais da República no que tange à sociedade livre, justa e solidária. Para tal, a ação do Estado tem de voltar-se para a sociedade de um modo geral. Em consonância com as dimensões de raça e de gênero e mercado de trabalho, particularizados pelo jornalismo, isso abrange empresas e instituições, inclusive as universidades, e cidadãos e cidadãs. Envolve, sobretudo, conteúdo produzido, como afirma a jornalista Miriam Leitão (2002):

76Chamada de Constituição Federal, a Carta Magna foi expedida em 5 de outubro de 1988, ano do

centenário da abolição da escravatura. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 17 abr. 2014.

161 E como o racismo se apresenta na imprensa? Apresenta-se na mesma forma odiosa com que o racismo se apresentou no país ao longo dos anos, das décadas, dos séculos: vamos fingir que não estamos vendo. (...) Se há uma discussão importante acontecendo no país que não está sendo coberta pela imprensa, é porque a imprensa está errando (LEITÃO, 2002, p. 42-43).

A realidade da força de trabalho no jornalismo como profissão no país, revelada por diferentes estudos, denota a perversa violação de direitos de negros e negras e mulheres brancas pela reserva de mercado para homens brancos. Ou seja, a profissão tem se caracterizado pela segregação racial de áreas determinadas para trabalhadores e trabalhadoras negras, além de estagnação nas camadas operacional e gerencial para mulheres brancas em decorrência da divisão sexual do trabalho e da desigualdade de gênero.

De acordo com as pesquisadoras Helena Hirata e Danièle Kergoat (2007, p.596), a divisão sexual do trabalho é “a distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões, e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; e se analisa como ela se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos”. Ela confere aos homens as funções com maior valor social adicionado e é regida pelo princípio de separação (trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e pelo princípio hierárquico (trabalho de homem vale mais que o trabalho de mulher). A dupla chama a atenção para a divisão do trabalho profissional entre tipos de modalidades de empregos com dinâmicas reprodutoras dos papéis sexuados.

Conforme a sociologia do trabalho (FRIEDMANN, 1973; GUILBERT; ISAMBERT-JAMATI, 1973) e a sociologia das profissões (FREIDSON, 1989), especialmente a do Brasil (DURAND, 1975; BARBOSA, 2003), é preciso direcionar a atenção para questões concretas, tais como os determinantes – no caso do Brasil e desta pesquisa, o racismo e o sexismo – organizam a sociedade e intervêm na divisão social do trabalho e na configuração das profissões. E como incidem sobre perspectiva de ser, escolha de carreira, formação, acesso à profissão, rede de relacionamentos, oportunidades de ascensão e reconhecimento.

162 Sem dúvida, o seu mérito desigual fará que os homens ocupem situações desiguais na sociedade; mas estas desigualdades são exteriores apenas aparentemente, porque elas não fazem senão traduzir no exterior desigualdades internas; elas não têm, portanto, outra influência sobre a determinação dos valores senão a de estabelecer entre estes últimos uma graduação paralela à hierarquia das funções sociais (DURKHEIM, 1977, p.179-180).

Assim como o entrecruzamento das discriminações se organizam, a busca para a superação de tal realidade precisa desvendar o emaranhado de exclusões e/ou subordinações decorrentes – à luz deste estudo – do racismo e do sexismo.

O conceito interrelaciona a discriminação racial e a discriminação de gênero, com a finalidade de “compreender melhor como essas discriminações operam juntas, limitando as chances de sucesso das mulheres negras”, assim como “enfatizar a necessidade de empreendermos esforços abrangentes para eliminar essas barreiras” (CRENSHAW, 2004, p.8). Kimberlé Crenshaw (2002) ressalta que as experiências interseccionais ocorrem para todas as pessoas devido à pertença de raça e gênero. Entretanto, o marcador é a diferença da diferença em que as mulheres negras são alvo da interseccionalidade pela discriminação de raça e de gênero, acometidas pela condição de subordinação interseccional, alicerçada pela invisibilidade interseccional.

Há várias razões pelas quais experiências específicas de subordinação interseccional não são adequadamente analisadas ou abordadas pelas concepções tradicionais de discriminação de gênero ou raça. Frequentemente, um certo grau de invisibilidade envolve questões relativas a mulheres marginalizadas, mesmo naquelas circunstâncias em que se tem certo conhecimento sobre seus problemas ou condições de vida. Quando certos problemas são categorizados como manifestações da subordinação de gênero de mulheres ou da subordinação racial de determinados grupos, surge um duplo problema de superinclusão e de subinclusão (CRENSHAW, 2002, p.174).

De acordo com Kimberlé Crenshaw (2002), a articulação entre superinclusão e subinclusão é fundamental para repensar a importância da diferença intragrupo, com o propósito de visibilizar as discriminações interseccionais.

163 O termo ‘superinclusão’ pretende dar conta da circunstância em que um problema ou condição imposta de forma específica ou desproporcional a um subgrupo de mulheres é simplesmente definido como um problema de mulheres. A superinclusão ocorre na medida em que os aspectos que o tornam um problema interseccional são absorvidos pela estrutura de gênero, sem qualquer tentativa de reconhecer o papel que o racismo ou alguma outra forma de discriminação possa ter exercido em tal circunstância. O problema dessa abordagem superinclusiva é que a gama total de problemas, simultaneamente produtos da subordinação de raça e de gênero, escapa de análises efetivas. Por consequência, os esforços no sentido de remediar a condição ou abuso em questão tendem a ser tão anêmicos quanto é a compreensão na qual se apoia a intervenção. (...) Uma questão paralela à superinclusão é a subinclusão. Uma análise de gênero pode ser subinclusiva quando um conjunto de mulheres subordinadas enfrenta um problema, em parte por serem mulheres, mas isso não é percebido como um problema de gênero, porque não faz parte da experiência das mulheres dos grupos dominantes. Uma outra situação mais comum de subinclusão ocorre quando existem distinções de gênero entre homens e mulheres do mesmo grupo étnico ou racial. Com frequência, parece que, se uma condição ou problema é específico das mulheres do grupo étnico ou racial e, por sua natureza, é improvável que venha a atingir os homens, sua identificação como problema de subordinação racial ou étnica fica comprometida. Nesse caso, a dimensão de gênero de um problema o torna invisível enquanto uma questão de raça ou etnia. O contrário, no entanto, raramente acontece. Em geral, a discriminação racial que atinge mais diretamente os homens é percebida como parte da categoria das discriminações raciais, mesmo que as mulheres não sejam igualmente afetadas por ela (CRENSHAW, 2002, p.175).

Como lembra Bourdieu (1997), o mundo dos jornalistas faz a liga da esfera pública com os campos político, econômico, social e cultural, sendo influenciado e influenciador da organização da sociedade. No Brasil, esse mundo dos jornalistas seria influenciado e influenciaria problemas estruturais decorrentes do racismo e do sexismo, visto que, “nas abordagens subinclusivas da discriminação, a diferença torna invisível um conjunto de problemas; enquanto que, em abordagens superinclusivas, a própria diferença é invisível” (CRENSHAW, 2002, p.176).

Para aferir essas operações interseccionais, a análise dos discursos apresenta-se como uma disciplina estratégica para o desvelamento de tais abordagens. Nesta pesquisa, propõe-se a apreciação de discursividades sobre raça e gênero no jornalismo como profissão no Brasil, levando em consideração a complexidade das relações raciais e de gênero como fio condutor, cuja teia interpretativa seria tecida pela parresia.

164 A discriminação interseccional é particularmente difícil de ser identificada em contextos onde forças econômicas, culturais e sociais silenciosamente moldam o pano de fundo, de forma a colocar as mulheres em uma posição onde acabam sendo afetadas por outros sistemas de subordinação. Por ser tão comum, a ponto de parecer um fato da vida, natural ou pelo menos imutável, esse pano de fundo (estrutura) é, muitas vezes, invisível. O efeito disso é que somente o aspecto mais imediato da discriminação é percebido, enquanto que a estrutura que coloca as mulheres na posição de ‘receber’ tal subordinação permanece obscurecida. Como resultado, a discriminação em questão poderia ser vista simplesmente como sexista (se existir uma estrutura racial como pano de fundo) ou racista (se existir uma estrutura de gênero como pano de fundo). Para apreender a discriminação como um problema interseccional, as dimensões raciais ou de gênero, que são parte da estrutura, teriam de ser colocadas em primeiro plano, como fatores que contribuem para a produção de subordinação (CRENSHAW, 2002, p.176).

Como o jornalismo é uma profissão bastante competitiva (BOURDIEU, 1997), a discriminação interseccional exacerbaria a dinâmica subinclusão e superinclusão devido aos privilégios decorrentes do racismo e do sexismo. Ao estudar a ergologia da comunicação, Roseli Figaro (2011, p.292) percebeu que “é preciso chamar a atenção para o mundo do trabalho dos comunicadores, considerando as ‘dramáticas o uso de si por si mesmo e pelo outro’, ou seja, como os profissionais enfrentam os desafios cotidianos”. Figaro observou, ainda, que há conflito de valores, influenciando a tomada de decisões na atividade profissional:

As relações no trabalho ficaram mais competitivas, fazendo com que os embates de normas coloquem em questão os valores de solidariedade nos coletivos de trabalho. Fato esse que leva a comportamentos, por parte do profissional, nem sempre respaldados em valores éticos. A concorrência entre colegas, a falta de camaradagem, as condições contratuais precárias – free lancer, pessoa jurídica e cooperados – deixam o profissional em situação de desvantagem. Jornadas de trabalho extensas, ritmo acelerado de trabalho corroboram para situações que exigem do comunicador maior atenção e provocam tensão que ... tem sido causa de estresse e descontentamentos (FIGARO, 2011, p.294).

No livro Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro (CARRANÇA; BORGES, 2004), pesquisadores e pesquisadoras – negros e brancos – exteriorizam preocupações, fundamentadas teórica e empiricamente, sobre a configuração da atividade jornalística no país. A pesquisadora Cremilda Medina (2004) aborda a formação dos e

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das profissionais e os valores sociais e identitários. De acordo com ela, decisões sobre pautas e produção das notícias instalam “guerra simbólica no espaço de produção jornalística tanto na contemporaneidade quanto no espectro histórico do jornalismo e da profissão de jornalista”, porque na complexidade do trabalho cotidiano “entram forças externas, sociais, forças político-econômicas, forças do inconsciente coletivo” (MEDINA, 2004, p.31).

Como jornalista e professora da Universidade de São Paulo (USP), Medina (2004) reportou à academia as possibilidades de mudança do jornalismo como profissão no Brasil:

O projeto de formação de um profissional, o projeto de aperfeiçoamento consciente e a sensibilização perante os desejos coletivos inconscientes também podem contribuir para as transformações de mentalidade ou, pelo menos, introduzir inquietudes na carreira do jornalista ou na caracterização da imagem de determinada empresa (MEDINA, 2004, p.32).

Entretanto, essas mudanças somente ocorrerão se a universidade mudar. Sobre raça e gênero, isso envolve, segundo Góis (2008), o papel da academia na formulação dos currículos pedagógicos, sistema de seleção de estudantes, formação de docentes, pesquisas e abordagem dos problemas decorrentes do racismo, do patriarcado e do sexismo, não somente da perspectiva dos negros, mas dos brancos (BENTO, 1995; HOOKS, 2000). É instaurar a temática do racismo e das relações raciais sem atenuações, ou seja, é ingressar o processo de desconstrução do racismo por meio do enfrentamento na própria instituição e na sociedade, com o propósito de construir outras dinâmicas sociais. E, para isso, é preciso fazer emergir identidades e posicionamentos sobre os problemas vivenciados pela população negra. Urge visibilizar o componente racial branco na sociedade racializada.

Cabe aqui inserir a reflexão de João Góis (2008), registrada no artigo Quando raça conta: um estudo de diferenças entre mulheres brancas e negras no acesso e permanência no ensino superior, realizado na Universidade Federal Fluminense (UFF). Além de se concentrarem em cursos de carreiras profissionais com menor prestígio social e econômico, as estudantes negras entram em menor quantidade no ensino superior do

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que as brancas e dispõem de menos oportunidades na universidade para lá permanecerem. Bolsas de iniciação científica, monitorias, extensão e treinamento têm as universitárias brancas como principais destinatárias e usuárias:

Os dados do censo mostram uma significativa vantagem das mulheres sobre os homens na distribuição das bolsas (55,55% contra 44,28%). [...] Das 1.054 bolsas assumidas por alunas no ano da realização do censo, as brancas detinham 60,53%, contra 25,81% das pardas e 4,69% das pretas. Essa diferença é mais um fator que influencia nas possibilidades de permanência das estudantes na UFF, na medida em que para muitas delas a renda derivada das bolsas contribui significativamente para que possam continuar estudando. [...] As desvantagens para as pretas e pardas se acentuam ainda mais quando examinamos os tipos de bolsas às quais elas têm acesso, já que a predominância das mulheres brancas também se dá nas bolsas consideradas mais nobres. As bolsistas desse grupo racial estão super- representadas naquelas de maior valoração (monitoria, iniciação científica e extensão), assim como também estão super-representadas entre as alunas que acumulam mais de uma bolsa (GOIS, 2008, p.762).

De acordo com o pesquisador, em 2003, as estudantes correspondiam a 54,71% dos alunos de Comunicação, sendo pretas 3,01% e pardas 22,89% do total. Ao confrontar os dados de outros cursos, Góis (2008) constatou:

[...] seja por critérios de ‘mérito natural’, seja por critérios de demanda, os cursos mais valorizados da UFF apresentam uma ‘democratização de acesso por gênero sem o seu equivalente racial. O acesso a eles, para as