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2.  O DISCURSO JORNALÍSTICO 

2.3  AS ESTRATÉGIAS PARA FISGAR O PÚBLICO E SEUS EFEITOS 

Outro aspecto importante no curso da análise do       fazer persuasivo refere­se à atenção,          as estratégias utilizadas pelos noticiários para que a ligação com o público aconteça, se        conserve e seja cada vez mais eficiente. A problemática da conquista e da manutenção da        atenção torna­se ainda mais importante em sociedades com ofertas de produtos e serviços a        cada dia maiores. A saturação de estímulos do destinatário traz um novo desafio ao        jornalismo. Nessa seara, Hernandes (2006) dispõe que as “unidades noticiosas”, expressão        sinônima a notícia ou reportagem, buscam abordar fatos que afetam a vida do público,        observando o critério da atualidade e gerando empatia. 

[...] o fenômeno da atenção como um desdobramento do querer­saber do público,        manifestado na forma de curiosidades e desejos. [...] Ao ter o interesse despertado, o        sujeito passa a sentir uma falta, viver até mesmo uma insatisfação por não ter um        saber. Obter o saber por meio da unidade noticiosa é o valor que passa a almejar. A        passagem do não­saber para o saber dá prazer ao sujeito, é uma de suas        recompensas. (Id., p. 48) 

As estratégias articulam o inteligível e o passional, comumente priorizando este, com        vistas a gerar uma identificação entre público e personagens das histórias. Para tanto,        Hernandes elenca três etapas: o arrebatamento, a sustentação e a fidelização. Inicialmente,        para arrebatar a atenção de um sujeito, recorre­se ao prioritariamente sensível. O enunciatário        deve “ficar sabendo que não sabe”, fisgando­o por meio da curiosidade. Trata­se da sua        transformação em sujeito tenso, que quer passar de um estado de disforia, a falta de um saber,        para uma situação de euforia, satisfeito com o saber posterior à leitura do jornal. A        curiosidade, uma paixão simples, gera um estado patêmico, uma inquietação por querer­saber.        O arrebatamento, portanto, instaura o sujeito através de um estímulo, cujo objetivo é o        engajamento perceptivo. 

Neste ponto, vale um adendo. Na sintaxe narrativa, há dois tipos de enunciados        elementares: os enunciados de estado, aqueles que estabelecem uma relação de junção entre       

um sujeito e um objeto; e os enunciados de fazer, os que mostram a transformação que        constitui uma narrativa, a passagem de um enunciado de estado a outro enunciado de estado        pelo sujeito que se transforma. Efetivamente, a estrutura da Semiótica padrão acaba por        privilegiar o sujeito do fazer. O estado (o ser) fica relegado a uma instância anterior e        posterior a um fazer, fundamental ao arcabouço teórico­metodológico proposto nas décadas        de 1960 e 1970 ­ cuja pertinência não foi completamente superada. No entanto, o Semiótica        volta­se ao ser nos desenvolvimentos da década de 1980 em diante. 

A estratégia da sustentação “pressupõe a criação de descontinuidades que reclamam        uma categorização” (HERNANDES, 2006, p. 52). Decorrida a fase da curiosidade        instantânea, pouco racionalizada, instaura­se um querer­saber de base afetiva, não mais        iminentemente sensorial. O sujeito atento é manipulado pela tentação, sentindo vontade de        conhecer a história por inteiro. A empatia é um dos expedientes mais usados para sustentar        esse contato, pois faz sentir, estrutura modos de o público se perceber nas unidades noticiosas.        Ademais, a sustentação ocorre mediante o efeito de atualidade. “O poder de mobilização        afetiva das unidades noticiosas se vincula fortemente ao período da edição na qual estão        inseridas [...] Noticiário antigo não emociona.” (Id., p 54). 

Por fim, a fidelização é a etapa da ordem do racional em que o sujeito curioso        transforma­se em sujeito fiel. As experiências positivas anteriores do sujeito gerariam uma        vontade de repeti­los. Por meio da manipulação por intimidação (dever­fazer), da sedução        (querer­fazer) e da tentação (querer­fazer), desenvolve­se um hábito. Este, alinhavado a um        conforto de ordem sensorial, adquirido pela ação reiterada de leitura, fortalecem a fidelização.        A diagramação, a constância na ordem de apresentação dos cadernos etc. estão a serviço do        costume, da segurança de ler um mesmo jornal. 

No intuito de     arrebatarsustentar e     fidelizar o leitor/espectador, uma das linhas        perseguidas pela programação televisiva e o noticiário impresso contemporâneos tem sido a        abundância de unidades noticiosas acerca da violência urbana, usualmente remetidas aos        Direitos Humanos. As narrativas trazem, entre outras abordagens, a história de vítimas de        crimes, suas famílias e outras pessoas afetadas. Vaz           et al (2005) destacam a abundância de          imagens e narrativas acerca do sofrimento de pessoas nos veículos de comunicação de massa.        Os autores reconhecem o papel de destinador­julgador da mídia ao apontar que essas figuras e       

temas são peças fundamentais nas estratégias enunciativas de transferência de valores ­ a        persuasão. “Essas imagens e narrativas delimitam nossos sentimentos de justiça e        solidariedade; elas propõem o que podemos fazer, a quem devemos ajudar, o que é suscetível        de indignação e quando são necessárias mobilizações coletivas pelo outro e em seu nome.”        (2005, p. 2) 

Para melhor compreender a discursivização do sofrimento alheio na mídia, Vaz           et al propõem uma gramática crítica dessas imagens e narrativas, que se presta a categorizar e a        compreender as estratégias da imprensa e seus efeitos. Assim, apresenta quatro eixos: o        excesso, o   espetáculo, a   fabricação     e a seleção . O excesso de imagens e narrativas, que        envolvem o sofrimento humano alheio, anestesia ou, pior, faz com que o transformável        apareça como inevitável. Já o espetáculo acarreta no perigo de tornar o sofrimento real em        fictício. Na era da       informação­mercadoria e da estetização do sofrimento, os conteúdos que        deveriam chocar e mobilizar transmutam­se em entretenimento e diversão. A mediação do        sofrimento e da dor acaba por gerar a ausência de solidariedade. A fabricação, por sua vez, diz        respeito às estratégias retóricas de indivíduos e grupos com o fulcro de delimitar os papéis de        vítima e de causador do sofrimento. Por fim, a seleção dá ênfase em alguns sofrimentos e        sofredores, em detrimento da visibilidade de outros. 

Generalizando, pode­se dizer que a gramática crítica destes quatro eixos reitera uma        mesma posição: se o sofrimento pode ser erradicado ou reduzido, devemos ser        responsáveis pelo outro que realmente merece. Essa posição é limitada, pois não        problematiza o que é a responsabilidade, isto é, não delimita historicamente nossa        forma de conceber o poder da ação humana e não questiona as conseqüências éticas        e políticas dessa concepção singular. [...] Quando nossas telas e jornais ficaram        abarrotados com imagens dos estragos causados pelo furacão Katrina, não apenas        nos compadecíamos das vítimas da fúria da natureza; indignávamo­nos também com        os governantes que poderiam ter feito alguma coisa e refletíamos sobre a origem        humana última da catástrofe pela temática do efeito­estufa. O tempo todo nos era        dito que parte significativa daquele sofrimento poderia não ter ocorrido. (2005, p.        4­5) 

A fabricação e a seleção são processos importantes no intuito de arrebatar, sustentar e        fidelizar o leitor. Fabricar as posições de vítima e perpetrador da violência e selecionar as        figuras que podem recobrir essas funções de sujeito e antissujeito possibilitam a identificação        do leitor com a narrativa apresentada, facilitando o       fazer persuasivo da enunciação. Ao          produzir paixões, como a compaixão, a indignação e o ódio, o enunciador­manipulador abre        espaço para a comunicação dos seus valores. 

2.4 A ARTE POLÍTICA DE DIZER O QUE É: AS PALAVRAS­FETICHE E O