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Os DHs podem ser compreendidos, a partir da estrutura fundamental de significação        estabelecida pelos contrários categóricos, com base na dicotomia Opressão x Liberdade. Esse        primeiro ponto faz anuência à própria constituição histórica da matéria, na qual houve a        racionalização das estruturas de poder e servidão intrínsecas às relações sociais até aquele        momento. A assunção das leis, do Estado e das organizações de direito internacional são        alguns exemplos das soluções encontradas pelo homem em comunidade para contornar os        abusos e os desmandos. Trata­se da tensão constante entre paixão e razão, da administração        dos impulsos descontínuos, visando a formação de regularidades essenciais para a vida em        sociedade. 

Tendo em vista essa caracterização semiótica do discurso humanista, passa­se a        analisar a linguagem jornalística idealizada, em um primeiro momento, e a sua prática no        corpus composto pelas revistas        Veja   e Carta Capital   , posteriormente. Observando os        primados da objetividade e da neutralidade, o jornalismo coloca­se, como ator político­social,        na posição de alicerce da democracia, em seu papel de publicidade, debate e investigação ­        um “Quarto Poder”. O exame semiótico dessas características, porém, revela a fragilidade        discursiva desses imperativos, na medida em que ensejam mais efeitos de sentido do que o        apagamento efetivo de subjetividades e o distanciamento das partes. Ainda assim, a isenção é        o corolário do compromisso do jornalista com a verdade, ou seja, um esforço, que transita        entre a ingenuidade e o cinismo, para que a unidade noticiosa cumpra um mínimo de função        social. 

O jornalismo goza, portanto, de um lugar social privilegiado de “interpretação        autorizada”. Ao usufruir da credibilidade, construída discursiva e historicamente em um        fazer­parecer­verdadeiro, a imprensa faz uso especial das modalidades epistêmicas e        interpretativas, do fazer­crer e do fazer­saber, por meio de um contrato de veridicção entre        enunciador e enunciatário. A manipulação daquele sobre este mirará a transformação de um        estado de crença a outro, passando­se a aceitar o que se duvidava. O ato epistêmico, então, é        convertido em fazer interpretativo, um processo sancionatório de adequar o que se passou a        acreditar ao que já se sabia antes. Contudo, o crer e o saber fixam­se em um contínuo elástico,        ora privilegiando um, ora dando mais espaço ao outro. Assim, os diversos registros retóricos       

são erigidos: o discurso mítico e religioso abarcará o falso e o verdadeiro; o discurso        científico trará o universo das probabilidades etc. O jornalismo idealizado estará adstrito à        dialética e à pluralidade de vozes, trazendo mais gradações do que certezas, o que nem sempre        é constatado na prática jornalística cotidiana. 

No fito de fisgar o leitor/consumidor, os veículos de comunicação, por vezes, pesam a        mão nas estratégias sensoriais­passionais. Para além do natural engajamento e identificação        do enunciatário com a narrativa e os valores propostos, são engendrados modos de interação        patêmica e funcionamentos tensivos do discurso, os quais favorecem uma leitura binária do        enunciado. Os DHs operam em misturas. Assim, trabalham com valores do difuso e da        universalidade ao pregar, por exemplo, direitos iguais para todos. Realizam uma        racionalização por meio de meta­conceitos baseados em um universalismo de cunho        euro­ocidental. Trata­se de uma lógica implicativa, afeita mais ao /saber/ do que ao /crer/. Já o        discurso midiático com temáticas afins aos DHs opera por triagens. Ao atuar        concessivamente, constrói a unidade ao separar os bons dos maus. Com os valores de uno,        incitam o sujeito­manipulado a posicionar­se de forma maniqueísta e categórica, tendo em        vista a proposição de contrários absolutos. 

A própria seleção das pautas e a fabricação dos lugares de vítima e algoz suscitam a        compaixão em relação ao sujeito e o       horror e o ódio, canalizados na direção do antissujeito,        em uma grande narrativa de autorização e gestão das formas de sofrimento. Há sofrimentos        mais e menos relevantes, de acordo com o que é ou não é publicizado nas páginas das revistas        e dos jornais. Existem actantes discursivos a quem se dá a voz, enquanto outros são        reificados, sem voz e sem valores. Igualmente, a autoevidência de alguns termos amplamente        utilizados no texto jornalístico ­ como “violência” ­ obedecem à celeridade do processo de        produção jornalístico e à abrangência de seu alcance. No afã de se fazer entender de imediato        para um grande número de pessoas, o ato político de nomear e interpretar acontecimentos nem        sempre obedecem aos critérios mais democráticos e transparentes. 

A sintaxe semionarrativa da Semiótica padrão e o contínuo da Semiótica Tensiva são        formulações teóricas que demonstram, cada uma em suas particularidades epistemológicas, a        constituição identitária do sujeito. A foria e a junção, por um lado, e as relações de        continuidade  e  descontinuidade  propostas  pela  implicação­extensidade  e  a  concessão­intensidade, estruturam, em suas abstrações, as tensões homem­mundo,        sujeito­objeto, identidade­alteridade, Eu­Tu. O discurso técnico­jurídico dos DHs forja o       

objeto, o mundo, a Alteridade, o Outro, enquanto o discurso passional jornalístico acerca dos        DHs conforma o Eu, o sujeito, ao demarcar as ameaças para essa constituição e as tensões de        significação que regem a formação da identidade do homem. 

Com o objetivo de estudar as estratégias do discurso midiático acerca dos DHs para        apreender suas nuances diferenciais em relação ao âmago da teoria humanista de euforização        da Liberdade e disforização da Opressão, o presente trabalho debruçou­se sobre duas        publicações de mesmo gênero, as revistas semanais       Carta Capital      e Veja , mas de cunho        ideológico diverso ­ respectivamente, de esquerda e de direita. A hipótese inicial de que       Carta  Capital  estaria mais próxima do discurso técnico­jurídico dos DHs do que       Veja   foi  parcialmente superada. Ainda que       Carta Capital   produza uma axiologização das categorias          fundamentais Opressão (disfórica) x Liberdade (eufórica) semelhante aos DHs e não integre        um discurso midiático de absolutos, no ‘Caso João Hélio’, ao omitir essa pauta de suas        edições, quando surge um episódio em que a vítima e o algoz encaixam­se no seu ideário        ideológico, a publicação não se restringe a perpetrar as mesmas estratégias de passionalização        de Veja

Alinhar­se aos preceitos dos DHs consiste em, mais do que anuir à axiologização        eufórica da Liberdade, fomentar o fazer­saber, o ato interpretativo que exige do sujeito a        acomodação do novo ao velho, do que se acreditava ao que se passou a saber; as gradações,        em detrimento dos extremos; as misturas, em lugar das triagens; as regularidades ao invés das        descontinuidades; a gestação da alteridade e não de uma identidade ameaçada.  

As narrativas de recrudescimento, propostas por       Veja, em ambas as reportagens, e por        Carta, no caso do rapaz acorrentado, põem em risco a existência do sujeito. No embate de        significação entre o Eu e o Outro, os enunciados inserem na arena perceptiva dos sujeitos uma        carga de valores predominante e ameaçadora deste. O antissujeito do       excesso possui   muita  liberdade, erros   acima do tolerável ou preconceitos          demais . Só alcança essa condição, pois,        em seus recobrimentos figurativos e temáticos, é destituído das qualidades inerentes a um        sujeito. Seja pela brutalidade, pela barbárie ou pela ignorância, o antissujeito enseja o        acontecimento, detalhado nas narrativas das publicações ­ a morte de um menino de seis anos,        após ser arrastado por quilômetros a fio, a falência do país ou a sua dominação por uma        suposta maioria fascista. 

Na ânsia de mobilizar o leitor apenas de forma passional, as revistas aproximam­se de        programas televisivos policialescos, que transitam pela espetacularização da violência e a       

estetização do sofrimento alheio. Distanciando­se da função prima de debate público        qualificado, Veja    eCarta Capital   falseiam a noção de serviço público ­ informar sobre os        percalços do cotidiano urbano para os moradores dos grandes centros ­ para entregar o que        mais parece ser uma peça de experiência sensorial, uma espécie de entretenimento grotesco.        Em verdade, prescindem da contribuição para elevação das discussões políticas do país em        favor de estratégias de manipulação específicas, cuja eficiência na transferência de valores e        na mobilização do enunciatário alcança patamares de sucesso bastante altos. 

A análise do discurso passional de parte da imprensa acerca dos DHs pôde, assim, dar        um primeiro passo na compreensão da desreferencialização empreendida por parcela do        jornalismo ao abordar a temática humanista. Seja no fito de angariar mais público, seja por        convicções ideológicas,   Carta Capital      eVeja  apoiam­se em estratégias que forjam uma       identidade profundamente ameaçada e promovem modos de interação patêmica, a partir da        inserção concessiva de valores triados de forma maniqueísta na arena perceptiva. A anuência        ao ideário dos Direitos Humanos vai além da concordância enunciada aos seus preceitos, mas,        em última análise, exige a promoção do saber, do engajamento por meio de estratégias que        privilegiem menos o acirramento e a polarização binária do grande público, e mais a        pluralidade de vozes e a democratização dos espaços de mídia.                          I think of truthfulness as revealing and intrusive,  rather than rhyming and soothing.  Lucian Freud