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2.  O DISCURSO JORNALÍSTICO 

2.2  CREDIBILIDADE E O ​ FAZER­PARECER­VERDADEIRO 

Os veículos de comunicação de massa fazem uso constante dos arranjos modais, que        perpassam os atos epistêmicos e interpretativos. O /fazer­crer/, em especial, terá importância        na construção da ideia de credibilidade, essencial ao Jornalismo. Para construí­la, a linguagem        jornalística utiliza os efeitos de sentido de verdade e realidade. Acerca do tema, Greimas        (2014) postula a crise do conceito de verdade na epistemologia da contemporaneidade. A        crença em discursos ontologicamente verdadeiros rui, embaralhando os limites entre        conotação e denotação, linguagem ficcional, literária e relatos fidedignos. Dessa maneira, o        status quo do contexto cultural deste período é o de que não se espera mais do sujeito da        enunciação a produção de um discurso verdadeiro, mas de um discurso que gere o efeito de        sentido de “verdade”. Já que a verdade passa a ser apenas um efeito de sentido, conclui­se que        sua produção consiste no exercício de um fazer particular, um       fazer­parecer­verdadeiro. Mais    do que verdade, espera­se eficácia. 

Esse parecer não visa à adequação ao referente, como no caso da verossimilhança,        mas à adequação da parte do destinatário a quem se dirige, e por quem se procura ser        lido como verdadeiro. A construção do simulacro da verdade é fortemente        condicionada não diretamente pelo universo axiológico do destinatário, mas pela        representação que dele fizer o destinador, artífice de toda manipulação e responsável        pelo sucesso ou fracasso de seu discurso. (Ibid., p. 115) 

Em detrimento da inocência adâmica de acreditar na verdade por meio de simbolismos        de autoridade, como juramentos e outras garantias, predominam dois tipos de manipulação        discursiva que visam a adesão do enunciatário: a camuflagem subjetivante, na qual o sujeito        da enunciação se declara como um eu fiador da verdade que exige dele a construção de uma        máquina de produzir o efeito de verdade; a camuflagem objetivante, exemplificada pelo        discurso científico, que para ser aceito como verdadeiro, procura parecer não o discurso de um        sujeito, mas o puro enunciado das relações necessárias entre as coisas e, para isso, apaga tanto        quanto possível todas as marcas da enunciação. Assim, o sujeito da enunciação ou é eliminado        por construções impessoais ou é socializado pela instalação do nós (cf. GREIMAS, 2014). 

A credibilidade da linguagem jornalística terá por cânone a camuflagem objetivante tal        que haja a simulação do distanciamento e da objetividade ­ de dados, de vieses etc. Desse        modo, construiu­se historicamente o       éthos da imparcialidade, em sua acepção de equidistância        das partes presentes no discurso, e de neutralidade, a utopia do apagamento de subjetividades,        referente ao jornalista. A pretensa isenção, porém, não sobrevive a uma análise minuciosa do       

texto jornalístico. Como dispõe Gama (2015, p. 18), “esses princípios são, na verdade, efeitos        de sentido depreendidos do texto, construídos a partir do uso de estratégias pelo enunciador        para fazer o enunciatário crer naquilo que o jornal transmite.” Ademais, a camuflagem        subjetivante também encontra­se presente, sobretudo na ideia de um       eu­fiador, a reputação      dos grandes veículos de comunicação, garantidor da veracidade das informações oferecidas,        dos valores comunicados no discurso. 

Na dimensão cognitiva que comporta o crer e o saber, instalam­se os procedimentos        de manipulação e sanção que administram os instrumentos que engendram a fé e o        conhecimento. A modalidade do /crer/ ajuda a construir as relações de persuasão do texto (cf.        CALBUCCI, 2009). Greimas explora essas propriedades elásticas do crer e do saber: 

Todos sabemos que morreremos, mas não acreditamos. [...] Somos obrigados a        constatar não somente que o saber instalado não consegue expulsar o crer, mas que o        crer às vezes repousa, e mesmo se consolida, sobre a negação do saber. Como se o        crer e o saber estivessem alinhados em uma estrutura elástica que no momento        extremo de tensão se polarizasse produzindo uma oposição categórica, mas que ao se        relaxar chegasse ao ponto de confundir os dois termos. (2014, p. 128) 

Dessa maneira, há uma imbricação entre o crer e o saber. Primeiramente, manipula­se        com o objetivo de gerar um contrato fiduciário e, em um contínuo, inicia­se o fazer        interpretativo de adequação de valores entre enunciador e enunciatário. A credibilidade do        jornalismo funda­se nas modalidades do /crer/ e do /saber/. O cuidadoso trabalho de        marketing em torno da imagem e da marca de suas publicações garante a confiança        apriorística raramente alcançada por outros sujeitos. Gomes (2008) chama esse lugar        privilegiado do   crer nas estratégias enunciativas da linguagem jornalística de “interpretação        autorizada”, conforme o trecho a seguir: 

O jornal participa também da reconstrução simbólica e simulada da realidade        cotidiana,  ​dando­lhe uma feição e uma interpretação autorizada            ​. [...] Ao      construir um simulacro do mundo por meio de figuras, [...] produzindo uma ilusão        referencial, o jornal também difunde um conjunto de valores, crenças,        comportamentos, pontos de vista que constituem as ideologias. (p. 15, grifo nosso)  

Essa posição social privilegiada de credibilidade estabelece, na estrutura elástica entre        o crer e o saber, o favorecimento da crença manipulatória sobre a interpretação sancionatória.        A imprensa goza de uma presunção de veracidade por meio da qual transfere seus valores sem        a mesma resistência de outros entes político­sociais. A seleção, a ordem e a interpretação        dadas aos acontecimentos publicados são ignoradas em favor da ideia de que seriam fatos        incorrigíveis da realidade. “[...] veto ao uso de vocabulário que denuncie uma visão passional       

e subjetiva dos fatos, da presença de detalhes como nome completo e idade dos envolvidos no        evento, de informações precisas sobre o tempo e espaço funcionam como garantias de sua        veracidade.” (Id., p. 37) O ônus, inclusive legal, da fidedignidade dos conteúdos veiculados        pelos meios comunicação recai sobre o jornalista e acaba por desobrigar o leitor a ter um        crivo interpretativo mais profundo sobre o que está lendo.