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Os humanos direitos e os direitos humanos no discurso passional da grande mídia brasileira: análise semiótica de "Veja" e "Carta Capital"

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE  INSTITUTO DE LETRAS  PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM                OS HUMANOS DIREITOS E OS DIREITOS HUMANOS NO DISCURSO  PASSIONAL DA GRANDE MÍDIA BRASILEIRA: ANÁLISE SEMIÓTICA DE VEJA  CARTA CAPITAL                MARCOS DA VEIGA KALIL FILHO                                        NITERÓI  FEVEREIRO/2016 

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE  INSTITUTO DE LETRAS  PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM                OS HUMANOS DIREITOS E OS DIREITOS HUMANOS NO DISCURSO  PASSIONAL DA GRANDE MÍDIA BRASILEIRA: ANÁLISE SEMIÓTICA DE VEJA  CARTA CAPITAL              MARCOS DA VEIGA KALIL FILHO             

Dissertação apresentada ao Programa de Pós­Graduação em Estudos        de Linguagem da Universidade Federal Fluminense como parte dos        requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de        Linguagem. Orientador: Prof.ª Dr.ª Renata Mancini. Linha de        Pesquisa: Teorias do texto, do discurso e da interação.                     NITERÓI  FEVEREIRO/2016 

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MARCOS DA VEIGA KALIL FILHO        OS HUMANOS DIREITOS E OS DIREITOS HUMANOS NO DISCURSO  PASSIONAL DA GRANDE MÍDIA BRASILEIRA: ANÁLISE SEMIÓTICA DE VEJA  CARTA CAPITAL     

Dissertação apresentada ao Programa de Pós­Graduação em Estudos        de Linguagem da Universidade Federal Fluminense como parte dos        requisitos para obtenção do título de Mestre em Estudos de        Linguagem.      BANCA EXAMINADORA        Prof.ª Dr.ª Renata Ciampone Mancini (UFF) ­ Orientadora        Prof. Dr. Marcio de Souza Castilho (UFF)        Prof.ª Dr.ª Regina de Souza Gomes (UFRJ)        Prof.ª Dr.ª Lucia Teixeira de Siqueira e Oliveira (UFF) ­ Suplente        Prof. Dr. Fábio Cerdera (UFRRJ) ­ Suplente          NITERÓI  FEVEREIRO/2016 

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                                                                                  A meus pais, Maria Theresa e Marcos 

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AGRADECIMENTOS   

À Renata Mancini, mais do que professora orientadora, uma amiga incentivadora e        preocupada. As palavras de reconhecimento e cobrança da capacidade de seus orientandos        refletem sua disposição verdadeira em favor do nosso crescimento acadêmico e pessoal. Poder        contar com sua excelência e dedicação ao longo do Mestrado fez toda a diferença. 

 

Às professoras Lucia Teixeira e Silvia Sousa, pela proximidade e disponibilidade no decorrer        da pesquisa. As indicações e os questionamentos apresentados não só nas disciplinas da        pós­graduação, mas, para além dos espaços formais, nas lembranças espontâneas e carinhosas,        marcaram nossa convivência nos últimos dois anos. 

 

À Profª Regina Gomes, por toda a boa vontade e a atenção dedicadas à minha pesquisa, desde        a Qualificação, passando por seminários e, até mesmo, em encontros mais casuais. Suas        contribuições ajudaram tanto nos trabalhos do Mestrado, como no meu amadurecimento no        âmbito da Semiótica. 

 

Ao Prof. Marcio Castilho, pela disponibilidade de compor a banca de defesa e, sobretudo,        pela excelência e dedicação nas aulas da graduação em Comunicação, que traduziram­se nas        bibliografias marcantes e no projeto em Itaipu, o qual pretendo retomar minha participação        assim que possível. 

 

Aos demais professores do IACS, em especial, Sylvia Moretzsohn, Larissa Moraes e Silmara        Dela da Silva, pelas conversas francas, as grandes aulas e as indicações bibliográficas. 

 

Aos meus pais, Maria Theresa e Marcos Kalil, por todos os investimentos, de diversas ordens,        feitos para que eu pudesse chegar onde cheguei. Não conheço figuras paternas com tamanha        paciência e vontade de que seus filhos alcancem o que almejam alcançar. 

 

À minha irmã Mariana Kalil, por seus gestos infinitos e sinceros de auxílio.    

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À minha avó Theresinha, pelo amor incondicional, a presença inabalável e todos os       coffee  breaks deliciosos. 

 

Aos meus colegas de SeDi, companheiros de vitórias e angústias do dia­a­dia da pesquisa no        Brasil. Notadamente, Raiane Nogueira e Mariana Coutinho, as minhas queridas Mancinetes, e        Alexandra Robaina, cuja edição da Carta Capital gentilmente cedida consta do       corpus desse    trabalho. 

 

Ao Felipe Aguinaga, por ter, em concomitância à minha história no Mestrado, sido objeto de        admiração e inspiração e o sujeito adjuvante de toda a minha caminhada. 

 

Aos familiares e aos amigos do coração que, de uma forma ou outra, se fizeram presentes        neste período, pela torcida e força despendidos sobre mim.    Meu muito obrigado a todos!                                             

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                                                                            Somos lo que hacemos, pero somos, principalmente,  lo que hacemos para cambiar lo que somos.    Eduardo Galeano 

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RESUMO   

A ideia de que os Direitos Humanos existem somente para a defesa de quem transgride a lei        difundiu­se na contemporaneidade brasileira com o auxílio de parcela da imprensa. Frases        como “Direitos Humanos para humanos direitos” e “bandido bom é bandido morto”        popularizaram­se ao largo do entendimento técnico­jurídico acerca da matéria. Debruçar­se        sobre esse fenômeno mostra­se mister para a compreensão do discurso passional em torno dos        Direitos Humanos, construído também pela mídia. Por meio do construto teórico da Semiótica        francesa, as estratégias enunciativas que caracterizam a passionalização podem ser analisadas        em seus pormenores, ensejando o entendimento abrangente da transferência de valores        inerente ao fazer persuasivo da comunicação. Para tanto, foram examinados dois casos de        ampla repercussão nas revistas       Carta Capital e      Veja : o ‘Caso João Hélio’, no qual um menino        de 6 anos morreu arrastado, após ficar dependurado para fora de um carro roubado por três        jovens, no Rio de Janeiro; e o caso do rapaz negro, pobre, acusado de furtos na zona sul        carioca, torturado por autodenominados justiceiros de classe média. O trabalho pôde constatar        a semelhança das publicações na forjação de alteridades e na suscitação de paixões        exacerbadas, apesar da axiologização distinta dos valores de Opressão e Liberdade, que        fundeiam os textos relacionados aos Direitos Humanos.    Palavras­chave: semiótica francesa; direitos humanos; jornalismo; Veja; Carta Capital.                                                 

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ABSTRACT   

The idea that human rights exist only for the defense of those who transgress the law has        spread in contemporary Brazilian society with the aid of a portion of the press. Quotes such as        "Human Rights for the right humans" and "good bandit is killed bandit" became popular even        if they go against the technical and legal understanding of the matter. By looking closer into        this phenomenon, it is possible to understand the passionate discourse used by the media        regarding human rights. Through the theoretical construct of the French Semiotics, the        strategies that characterize this passionate discourse can be analyzed in details, allowing a        comprehensive understanding of the values involved in the persuasion process inherent to        communication. By examining Brazilian most popular magazines       Carta Capital and      Veja , in    two different cases of widespread repercussion, this study has pointed out their similarities in        forging otherness and arrousing exacerbated passions, despite the distinct treatment both give        to Oppression and Freedom, the core values which underlie texts related to Human Rights.    Keywords: French semiotics; Human Rights; journalism; Veja; Carta Capital.                                                         

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SUMÁRIO    Introdução ... 14  Capítulo 1 ­ Os Direitos Humanos  1.1 Perspectiva histórico­jurídica dos Direitos Humanos ... 17  1.2 Direitos Humanos no século XXI: novas alteridades ...  21 

1.3 A oposição fundamental Opressão x Liberdade como tradução da tensão presente nos        Direitos Humanos ... 24  Capítulo 2 ­ O Discurso Jornalístico  2.1 O crer, o saber e o contrato fiduciário entre enunciador e enunciatário ... 28  2.2 A credibilidade e o fazer­parecer­verdadeiro ... 31  2.3 As estratégias para fisgar o público e seus efeitos ... 33  2.4 A arte política de dizer o que é: as palavras­fetiche e o jornalismo ... 36 

Capítulo 3 ­ Análise Semiótica de Veja Carta Capital  3.1 Veja ... 41 

3.2 Carta Capital ... 68 

3.3 Carta Capital e Veja ... 73 

Considerações finais ... 77 

Referências bibliográficas ... 81 

Anexos  Anexo A (Capa da edição do dia 14 de fevereiro de 2007 da revista Veja) ... 89 

Anexo B (Páginas 46 e 47 da edição do dia 14 de fevereiro de 2007 da revista Veja e suas        transcrições) ... 90 

Anexo C (Páginas 48 e 49 da edição do dia 14 de fevereiro de 2007 da revista Veja e suas        transcrições) ... 93 

Anexo D (Páginas 50 e 51 da edição do dia 14 de fevereiro de 2007 da revista Veja e suas        transcrições) ... 96 

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Anexo F (Páginas 16 e 17 da edição do dia 19 de fevereiro de 2014 da revista Carta Capital e        suas transcrições) ... 101  Anexo G (Páginas 18 e 19 da edição do dia 19 de fevereiro de 2014 da revista Carta Capital e        suas transcrições) ... 104  Anexo H (Página 20 da edição do dia 19 de fevereiro de 2014 da revista Carta Capital e suas        transcrições) ... 109  Anexo I (Capa da edição do dia 12 de fevereiro de 2014 da revista Veja) ... 113  Anexo J (Páginas 48 e 49 da edição do dia 12 de fevereiro de 2014 da revista Veja e suas        transcrições) ... 116  Anexo K (Páginas 50 e 51 da edição do dia 12 de fevereiro de 2014 da revista Veja e suas        transcrições) ... 116  Anexo L (Páginas 52 e 53 da edição do dia 12 de fevereiro de 2014 da revista Veja e suas        transcrições) ... 120  Anexo M (Páginas 54 e 55 da edição do dia 12 de fevereiro de 2014 da revista Veja e suas        transcrições) ... 123  Anexo N (Capa da edição do dia 14 de fevereiro de 2007 da revista Carta Capital) ... 127  Anexo O (Índice da edição do dia 14 de fevereiro de 2007 da revista Carta Capital) ... 128                                       

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ÍNDICE DE GRÁFICOS, QUADROS E FIGURAS   

 

ESQUEMA 1: Percurso gerativo de sentido da reportagem da revista       Veja sobre o ‘Caso João          Hélio’ ... 47  ESQUEMA 2: Esquema passional do medo (formulação nossa) ... 56   

FIGURA 1:   Veja destaca outras vítimas de classe média. Fonte: Acervo Digital Veja Online        ... 45  FIGURA 2: A ordem contém a liberdade ­ os jovens “despudorados” sendo contidos pela        polícia. Fonte: Acervo Digital Veja Online ... 45  FIGURA 3: A escolha de vozes e a construção empática do sujeito. Fonte: Acervo Digital        Veja Online ... 46   FIGURA 4: O choro de uma mãe, a fabricação da posição de vítima e a delimitação dos        espaços de compaixão e identificação. Fonte: Acervo Digital Veja Online ... 51  FIGURA 5: Capa da revista         Veja do dia 14 de fevereiro de 2007. Fonte: Acervo Digital       Veja  Online ... 53  FIGURA 6: Capa da revista         Veja do dia 12 de fevereiro de 2014. Fonte: Acervo Digital       Veja  Online ... 53  FIGURA 7: Título da reportagem seguinte, página 56 da edição 2360 de 12 de fevereiro de        2014. Fonte: Acervo Digital Veja ... 65   

GRÁFICO 1: Função percepção. Fonte: Adaptado de MANCINI; TROTTA; SOUZA, 2007,        p. 298 ... 61  GRÁFICO 2: Gráfico tensivo do percurso do recrudescimento à minimização. Fonte: editado        a partir de LIMA, 2014. p. 61 ... 72   

TABELA 1: Classificação dos modos de interação a partir das especificidades sintáxicas de        base. Fonte: LIMA, 2014. p. 48 ... 62  TABELA 2: O entrecruzamento das subdimensões da intensidade e da extensidade e seus  pares de valências. Fonte: Zilberberg, 2013.  ... 66                       

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INTRODUÇÃO   

Em seu site pessoal, o editor­executivo do jornal O Dia, Chico Alves, publicou uma        entrevista com a socióloga e ex­diretora geral do sistema penitenciário do Rio de Janeiro,        entre 1991 e 1994, Julita Lemgruber, dentro de uma série de matérias semanais, denominada        “Opção pela barbárie” . O mote das reportagens consiste na pergunta: “Por qual motivo,    1        afinal, a ideia de Direitos Humanos não vingou no Brasil?” De acordo com o jornalista, o        humanismo é um conceito “básico em qualquer sociedade civilizada”, mas, no Brasil,        “advogados, cientistas sociais e ativistas são acusados de cumplicidade com bandidos”,        quando utilizam o argumento dos Direitos Humanos. 

“Direitos Humanos para humanos direitos.” A referida máxima, difundida por um        sem­número de apresentadores de TV, jornalistas, defensores da redução da maioridade penal,        policiais que tentam justificar sua truculência e boa parte do público que responde às        pesquisas de opinião, revela o que o colunista do portal UOL/Folha, Leonardo Sakamoto ,      2  espirituosamente demarca como a “morte dos Direitos Humanos.” Ao largo do entendimento        técnico­jurídico, a   opinião publicada parece ater­se a uma noção própria da teoria humanista,  3        segundo a qual os Direitos Humanos serviriam apenas para “proteger bandido”, entre outras        ideias . 4

Compreender esse processo histórico e discursivo, porém, requer um esforço        acadêmico amplo, que transcende esse ou aquele campo do saber e, ainda, postula uma pletora        de objetos e recortes. Uma das frentes de pesquisa, no sentido de analisar o       status quo de      estigmatização dos Direitos Humanos no senso comum brasileiro, objetiva a identificação, por        meio do construto teórico da Semiótica francesa, da desreferencialização do discurso        técnico­jurídico sobre os Direitos Humanos em sua abordagem midiática, ou seja, na empiria       

1  ALVES,   C.  Nova  estratégia  para  os  Direitos  Humanos.  Disponível  em: 

<​http://www.chicoalves.com.br/2016/01/25/nova­estrategia­para­os­direitos­humanos/​>. Acessado em: 07 de          fevereiro de 2016. 

2  SAKAMOTO,  L.  Pai,   perdoai.  Eles  não  sabem  o  que  digitam.  Disponível  em: 

<​http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/12/11/pai­perdoai­eles­nao­sabem­o­que­digitam/​>.  Acessado em: 21 de dezembro de 2014. 

3 Maffesoli (2010) diferencia os conceitos de opinião pública e opinião publicada, rompendo a ideia de que o                                 

discurso midiático necessariamente constitui esse meio­termo das aspirações coletivas. Em realidade, de acordo        com o autor, o que se entende cotidianamente como “opinião pública” é a “opinião publicada”, ou seja, o que os        meios de comunicação de massa selecionam como fatos e interpretações passíveis de serem publicizados. 

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das reportagens e matérias jornalísticas, que tratam direta ou indiretamente dos valores        propostos pelos Direitos Humanos. 

A noção de referencialização nos remete ao conceito de ancoragem (cf. BARTHES,        1984), segundo o qual a polissemia de um plano (verbal ou visual, por exemplo) ou de um        texto resolverá sua pluralidade em unidade, com base na indicação de outro plano ou do        intertexto. No caso em tela, parece haver um confronto entre as narrativas colocadas pelos        intérpretes da doutrina dos Direitos Humanos e aquela publicizada pelos grandes meios de        comunicação do Brasil. Algumas notícias não parecem ter, como referencial axiológico,        aquele preconizado pelos Direitos Humanos.  

Deve­se observar a justa medida, sob o risco da generalização, buscando a gradação,        mais do que o estabelecimento de perfis rígidos e idealizados. A imprensa não é composta por        um veículo apenas e, muito menos, uma visada ideológica una. Há, inclusive, a possibilidade        de variações dentro de um mesmo jornal, seja transitando entre gêneros jornalísticos        diferentes ­ como o opinativo e a grande reportagem ­, seja mudando o autor da redação        jornalística. No entanto, não se faz impossível construir um perfil enunciativo da grande mídia        formadora de consenso, estabelecendo uma linha editorial mínima, comum à parcela        majoritária das publicações integrantes desse grupo. 

Aliás, dado o alcance cada vez maior dos veículos de comunicação, por meio dos        antigos, rádio e TV, por exemplo, e dos novos suportes tecnológicos, os       smartphones, as    redes sociais e todo o arcabouço de novidades da internet, cujos efeitos de sentido de        proximidade e realidade tonificam­se, o estudo das estratégias de persuasão e transferência de        valores em temáticas tão sensíveis na formação cidadã, política e identitária dos indivíduos        assume relevância ímpar dentro da pesquisa acadêmica, não perdendo de vista o respaldo e a        ressonância sociais do tema em voga. 

Da delimitação de inimigos públicos ao inflamado “bandido bom é bandido morto”, o        jornalismo assume uma enorme gama de manifestações ao versar sobre Direitos Humanos. A        tendência à passionalização do discurso parece ser uma hipótese a se verificar. Como se        constrói essa estratégia enunciativa em publicações de grande circulação? Há veículos menos        ou mais passionais? A apuração de tais interrogações enseja a investigação científica de        especialistas do discurso e da significação. 

Para iniciar a formação do entendimento acerca da desreferencialização do discurso        midiático sobre Direitos Humanos de seu bojo teórico­jurídico, busca­se entender o discurso       

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passional jornalístico em temáticas afins aos Direitos Humanos por meio da seguinte estrutura        de trabalho. Propõe­se um primeiro capítulo, no qual os Direitos Humanos serão detalhados        em suas perspectivas histórico­jurídica, internacionalista, identitária e, por fim, uma breve        interface de seus valores mais básicos, apresentados até ali, com o instrumental basilar da        Semiótica. No segundo capítulo, o discurso jornalístico será posto em face dos        desenvolvimentos da Semiótica. Dessa maneira, permite­se acessar definições tradicionais do        jornalismo, como a credibilidade e a isenção, a partir de vieses científicos, que trazem novos        olhares para definições pacificadas, sobretudo no âmbito pragmático. Por fim, no terceiro        capítulo, o trabalho e seu objeto colocam­se em plenitude com a análise de duas publicações        semanais de formato semelhante, mas com leitores orbitando em torno de centros valorativos        e ideológicos opostos: Carta Capital Veja.  

Serão analisadas as coberturas de ambas as publicações acerca do ‘Caso João Hélio’,        ocorrido em fevereiro de 2007, quando um menino de 6 anos morreu ao ser arrastado por um        carro roubado por três jovens. João Hélio não conseguiu sair do veículo à tempo e ficou        pendurado por um longo trecho para fora do automóvel pelo cinto de segurança. Além disso,        o episódio da tortura do menino negro, pobre e acusado de furtos na zona sul carioca, em que        autodenominados justiceiros da classe média espancaram­no e acorrentaram­no nu a um        poste, em fevereiro de 2014, também será abordado. A escolha do       corpus , neste caso, observa        a figurativização das vítimas: uma mais ligada ao estereótipo das classes médias brancas e        outra, das classes populares negras.                  1. OS DIREITOS HUMANOS    1.1 PERSPECTIVA HISTÓRICO­JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS 

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Os Direitos Humanos apresentam­se como a resposta mais concreta às questões        filosóficas acerca dos valores universais do ser humano (COMPARATO, 2008). De fato, em        sua fase mais recente de internacionalização, pós­1948, as diretrizes globais buscaram        salvaguardar parâmetros protetivos mínimos, também conhecidos como “mínimo ético        irredutível” (PIOVESAN, 2014), em um esforço de mediar (e respeitar) assimetrias entre as        diversas culturas e sociedades ao redor do mundo. 

O conceito de humanidade mostra­se central para a presente análise e está atrelado ao        que se conhece por civilização. Segundo Lévy­Strauss (1973), os povos que não participaram        desse movimento civilizatório ­ marcadamente ocidental, vale dizer ­ não possuem em seu        léxico uma palavra para designar o ser humano: “homens” seriam aqueles que integram seu        grupo, enquanto o Outro, o estranho, possui uma designação diferente, a significar que se trata        de indivíduos de outra espécie animal. A civilização, portanto, circunscreve­se à gestão da        alteridade ­ Eu­Outro ­, podendo materializar­se na dicotomia sujeito fraco x sujeito forte,        como posto por Ferrajoli (2002, p. 338): “os direitos humanos simbolizam a lei do mais fraco        contra a lei do mais forte, na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos,        advenham do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica.” 

Comparato (2008) estabelece uma periodização da       Afirmação histórica dos Direitos        Humanos, importante para o entendimento abrangente do humanismo. Em sua obra, o jurista        identifica, em ampla perspectiva, os momentos históricos mais importantes que concorreram        para a construção da noção moderna de Direitos Humanos. Partindo do século XI a.C.,        passando por Roma e Atenas, sem esquecer da Baixa Idade Média, do Iluminismo e das        Revoluções Francesa e Americana, a historização culmina com a luta pelos direitos sociais e        econômicos, a partir do século XIX, e a internacionalização dos Direitos Humanos. 

Na primeira fase apresentada por Comparato (2008), a proto­histórica, nos séculos XI        a X a.C., há o embrião daquilo que, tempos depois, passou a ser designado como o Estado de        Direito, o regime no qual os governantes submetem­se aos princípios e normas dispostos por        autoridade superior e não por direito criado especificamente para justificar o seu poder. Davi,        o rei­sacerdote do reino unificado de Israel e “delegado de Deus”, via­se limitado pela lei        divina em contraste com os demais monarcas da época, que se autoproclamavam deuses e, por        isso, podiam legislar e dizer o que era justo ou não. 

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As primeiras instituições democráticas em Atenas, no século VI a.C., inspiraram­se        em Davi, e tinham as bases de sua democracia na lei e na participação ativa do cidadão nas        funções do governo. Na república romana, por sua vez, a limitação do poder político foi        alcançada não pela soberania popular ativa, mas graças à instituição de um complexo sistema        de controles recíprocos entre os diferentes órgãos políticos. A esse mecanismo de       checks and    balances seria atribuído o êxito da expansão romana à quase totalidade da terra habitada,        segundo Comparato (2008). 

Retornando à Atenas, a lei escrita, o fundamento daquela sociedade política, suplantou        a soberania de um indivíduo ou grupo social. Vista como o antídoto contra o arbítrio        governamental e em conjunto com a lei não­escrita (os costumes), ajudaram a compor o        arcabouço dos Direitos Humanos, séculos mais tarde. 

Entre os séculos VIII e II a.C., em um período denominado como Axial por        Comparato, coexistiram sem conhecimento mútuo, grandes doutrinadores, tais como        Zaratustra, na Pérsia, Buda, na Índia, Lao­Tsé e Confúcio, na China, Pitágoras, na Grécia, e o        Dêutero­Isaías, em Israel. Em perspectiva ampla, a importância desses indivíduos se dá no        abandono de explicações mitológicas e o estabelecimento de visões de mundo que prevalecem        até hoje. No “século de Homero”, o século VIII a.C., Isaías elabora o autêntico monoteísmo,        em Israel, rompendo com o mítico politeísmo. No “século de Péricles”, V a.C., tanto na Ásia,        quanto na Grécia, nasce a filosofia ao se substituir, pela primeira vez na História, o saber        mitológico da tradição pelo saber lógico da razão. O indivíduo ousa exercer a sua faculdade        de crítica racional da realidade (ibidem, p. 8­12). 

Para Comparato (2008), há uma tendência geral à racionalização, inclusive na religião,        que pode ser confundida como o germe dos Direitos Humanos. Na China, por exemplo, em        lugar dos antigos cultos da natureza, desenvolve­se a veneração aos antepassados como        modelos éticos para as novas gerações. As ideias de imortalidade da alma, Julgamento Final,        atuação divina sobre o mundo através do Espírito Santo, criadas por Zaratustra, são        assimiladas pelo judaísmo e, então, passadas ao cristianismo e islamismo. O monoteísmo, aos        poucos, supera o nacionalismo religioso e estabelece a primeira globalização: o culto        universal a um Deus único e, no caso do cristianismo, a exigência do amor universal. Assim,        são lançadas as bases para a compreensão da igualdade essencial, do homem dotado de        liberdade e razão, verdadeiras sementes dos conceitos da pessoa humana e de direito        universal. 

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Na Baixa Idade Média, na sequência da periodização proposta por Comparato (2008),        surgiram os primeiros instrumentos de limitação do poder do monarca, ainda que muito        idealizados e restritos às classes superiores. A Declaração das Cortes de Leão (1188) e,        sobretudo, a Magna Carta (1215) foram corolários de demandas populares frente às        Monarquias. Esta consiste em documento assinado pelo rei João, na Inglaterra, renunciando a        certos direitos e respeitando procedimentos legais, sujeitando­se ao império da lei ­ o primeiro        passo de um longo caminho que levaria ao constitucionalismo. Aquela é considerada o        protótipo do parlamentarismo moderno, experimentado no Reino de Leão, no Noroeste da        Península Ibérica, onde o monarca reuniu para consultas não só aristocratas e bispos, mas        também a burguesia (ibidem, p. 71­75). 

Comparato (2008) ainda destaca o papel preponderante das invenções técnicas entre os        séculos XI e XIII, como paradigma de sinergia entre tecnologia e Direitos Humanos nas        modificações da visão de mundo e das relações sociais. 

Na história moderna, esse movimento unificador [de convergência da humanidade        sobre si; ou seja, à biosfera geral sucede a antroposfera] tem sido claramente        impulsionado, de um lado, pelas invenções técnico­científicas e, de outro lado, pela        afirmação dos direitos humanos. São os dois grandes fatores de solidariedade        humana, um de ordem técnica, transformador dos meios ou instrumentos de        convivência, mas indiferente aos fins; o outro de natureza ética, procurando        submeter a vida social ao valor supremo da justiça, (2008, p. 33) 

Para o autor, o século XVII é apontado como uma época de profundo questionamento        das certezas até então solidificadas. Em todos os campos ­ político, artístico, literário,        científico ­ grandes discussões questionaram as ideias estabelecidas. O processo culminaria no        Iluminismo, na Revolução Científica, na criação do      habeas corpus  , instrumento que      privilegiava a liberdade frente ao Estado Leviatã, e do       Bill of Rights    , estatuto de liberdades        civis e políticas, essenciais para a ascensão da burguesia e a noção de indivíduo, como sujeito        de direitos (ibidem, p. 92­94). 

A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, em 1776, como marco da        Independência Americana, constitui outra baliza que auxilia na compreensão da afirmação        histórica dos Direitos Humanos. Seu texto traz, pela primeira vez, uma razão de ser        imediatamente aceitável por todos os povos, em todas as épocas e civilizações ­ uma razão        universal como a própria pessoa humana: a busca pela felicidade (ibidem, p. 115­123). 

Artigo 1° ­ Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos        certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem        despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os       

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meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a        segurança. (tradução livre)  5

Em 1789, durante a Revolução Francesa, a paradigmática Declaração de Direitos do        Homem e do Cidadão dará novo fôlego aos ideais de direitos inatos, liberdade e igualdade de        povos, cuja semente fora plantada na Revolução Americana. A importância do documento e,        em maior escala, das circunstâncias em que se inscreve marcarão a gênese da Idade        Contemporânea, dos conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais político­civis,        além da noção comum de indivíduo (COMPARATO, op. cit., p. 151­153). 

Inicialmente, relegados a um segundo plano nas revoluções do século XVIII, os        direitos sociais e econômicos entraram na pauta de reivindicações no século XIX com a        pauperização da classe trabalhadora e o avanço do capitalismo. Assim, as revoluções liberais,        sobretudo a de 1848, em Paris, começam a discutir as condições de trabalho e outros direitos        do ser humano, em relevo o trabalhador urbano. Toda essa discussão culminará nas        Constituições do México de 1917 e de Weimar, em 1919, na Alemanha, as quais, de forma        pioneira, positivaram os direitos sociais e econômicos, equiparando­os aos direitos        político­civis (ibidem, p. 167 et seq.). 

Entre o final do século XIX e a 2ª Guerra Mundial, iniciou­se o processo de        internacionalização dos Direitos Humanos (        ibidem, p. 200 et seq.), passando de postulados        ocidentais a corolários universais. O direito humanitário e a luta contra a escravidão foram        alguns dos temas abordados por convenções internacionais, entre as quais se destacam a        Convenção de Genebra de 1864, a fundação da Cruz Vermelha, em 1880, o Ato geral da        Conferência de Bruxelas, em 1890, e a criação da Organização Internacional do Trabalho, em        1919. Será no pós­guerra, porém, que a internacionalização dos Direitos Humanos e as ideias        de fraternidade e direitos difusos integrarão o estado de coisas. Buergenthal explicará com        precisão a compreensão mais atual dos Direitos Humanos:  

O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do        pós­guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às gravíssimas violações de        direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser        prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos        existisse. (1988, p. 17) 

5 “Section 1. That all men are by nature equally free and independent and have certain inherent rights, of which,                                     

when they enter into a state of society, they cannot, by any compact, deprive or divest their posterity; namely, the        enjoyment of life and liberty, with the means of acquiring and possessing property, and pursuing and obtaining        happiness  and  safety.”  (Wikipedia.  Virginia  Declaration  of  Rights.​  Disponível  em: 

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A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), de 1948, coloca­se como o        referente dessa nova era de normatização extra­estatal. “Fortalece­se a ideia de que a proteção        dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema        de legítimo interesse internacional” (PIOVESAN, 2014, p.7). A DUDH estabelece o horizonte        de direitos que influenciará todo o período ulterior, além de erigir a gramática contemporânea        dos direitos humanos, cujo teor abrange as noções de universalidade e indivisibilidade . 6

Afirmação histórica dos Direitos Humanos        , uma proposta do jurista Fábio Konder        Comparato, tornou­se um cânone do estudo dos Direitos Humanos no Brasil por mostrar que        a concepção humanista abarca valores que vêm sendo construídos desde os primórdios da        vida em sociedade. Tal abordagem afasta o senso comum de que os Direitos Humanos        surgiram apenas com a Revolução Francesa, em 1789, ou como consequência da redação da        Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Sua leitura propicia, ao final, um        encontro com as bases axiológicas que estão no centro da noção técnica­jurídica dos Direitos        Humanos. 

 

1.2 DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XXI:  NOVAS ALTERIDADES 

A anuência à periodização supramencionada não dispensa a recente Ciência Política e        Teoria das Relações Internacionais, as quais nos auxiliam na tarefa de compreender os        Direitos Humanos na sua faceta atualizada ­ de fins do século XX e início do século XXI. A        positivação dos Direitos Humanos na DUDH não significa automaticamente sua prática por        parte de todas as nações. Mesmo na segunda década do século XXI, o conteúdo do documento        ainda serve mais como horizonte de direitos. Nesse sentido, a priorização ideológica de alguns        direitos, em detrimento de outros ­ mesmo que todos estejam dispostos em igual importância        na DUDH, de 1948 ­, pôde ser observada já durante a Guerra Fria. O mundo acompanhou o        embate entre o Ocidente judaico­cristão,         sujeito dos direitos político­civis, e o Oriente,       objeto  cuja bandeira eram os direitos sociais e econômicos. Houve conflito voluntário entre dois        projetos de poder. Essa disputa estabeleceu uma relação excludente entre os direitos de       

6 “Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de 

pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos [...] Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e  políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice­versa. Quando um  deles é violado, os demais também o são.” (PIOVESAN, 2014, p. 8) 

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primeira geração, o     Eu, e os de segunda geração, o       Outro. Com a queda do Muro de Berlim,        os direitos sociais e econômicos, ainda que dispostos como essenciais no horizonte de direitos        da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ficaram relegados, no ambiente pragmático, à        primazia do   Eu, representado pela vitória ocidental ­ e a supremacia dos direitos político­civis        (cf. CAMPBELL, 1998). 

Nos anos 1970 e 1980, os governos norte­americano e britânico, por meio de figuras        como os presidentes republicanos Richard Nixon e Ronald Reagan, e a primeira­ministra        Margareth Thatcher inauguraram a “segunda Guerra Fria” (SARAIVA, 2010). Os referidos        estadistas, libelos do Liberalismo, forjaram não somente o       objeto tradicional, o inimigo        comunista, mas, agora, o narcotráfico e o terrorismo. Se o terrorismo viria, pós­queda do        Muro de Berlim, a substituir o comunismo, como o       Outro oriental das relações internacionais          ocidentocêntricas, a guerra contra o narcotráfico miraria o Sul, refletindo sobremaneira no        discurso político­midiático da América Latina.  

Conhecida como   War on Drugs     , a campanha de proibição do uso de drogas com o        suposto objetivo de coibir o tráfico ilegal de entorpecentes, iniciada pelo governo Nixon, em        1971, foi considerada um fracasso pela Comissão Global de Políticas sobre Drogas (GCDP,      7    na sigla em inglês), em 2011. A atividade do grupo foi inspirada justamente nos trabalhos de        2009 da Comissão Latino­americana sobre Drogas e Democracia, a qual explorou os efeitos        nocivos da política de controle global de drogas sobre a cultura e a sociedade locais. A        assunção do narcotraficante como inimigo público número um dos centros urbanos        latinoamericanos, a criminalização do uso de drogas e o acirramento da percepção de        insegurança são efeitos da       War on Drugs que vieram a se somar às assimetrias sociais e          raciais históricas desses países (cf. RODRIGUES, 2003). 

Nesse contexto, países como o Brasil enfrentaram o que se entende como onda        punitiva, criminalização da pobreza e guerra aos pobres (cf. WACQUANT, 2003). Em 2014,        o Brasil ultrapassou a Rússia e passou a ter a terceira maior população carcerária do mundo .      8  

7 “A guerra global contra as drogas falhou com consequências devastadoras para indivíduos e sociedades ao                             

redor do mundo”, informou a GCDP, em 2011, no relatório apresentado sobre as políticas de “Guerra às        Drogas”. WIKIPEDIA.   War on Drugs     ​. Disponível em: <      http://en.wikipedia.org/wiki/War_on_Drugs>. Acessado    em: <14 de janeiro de 2015. 

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Entre 1992 e 2013, o crescimento do número de presos foi da ordem de 400% . Esse quadro      9      foi possível, entre outros motivos, pela inflexão de humores da percepção comum acerca dos        Direitos Humanos. A     opinião publicada passa a enxergar nas políticas de segurança pública,        análogas à   War on Drugs     , a solução para o combate do seu       Outro, o narcotráfico. Como tais          medidas de segurança usualmente esbarram na legalidade e no cumprimento do princípio da        dignidade da pessoa humana, os Direitos Humanos, na sua cruzada pela preservação do        Estado Democrático de Direito, acabam por tornar­se um paradoxal obstáculo no caminho        para a estabilidade sonhada pelo cidadão médio urbano. 

No plano internacional, o atentado às Torres Gêmeas em Nova York, no 11 de        setembro, representou o ápice dessa “segunda Guerra Fria” com o recrudescimento dos        maniqueísmos binários das narrativas midiáticas e políticas. As repercussões no imaginário        coletivo no que diz respeito à gestão da alteridade nos espaços públicos são merecedoras de        especial análise: 

O mundo não é estranho às perspectivas maniqueístas. Indivíduos e sociedades        comumente usam binários de oposição para entender fenômenos sociais: o bem        contra o mal, racional versus irracional, e moderno x tradicional etc. Apesar disso,        havia sinais nos anos 1990 que as visões de mundo maniqueístas estavam erodindo        no Ocidente. [...] Os eventos do e em resposta ao 11 de Setembro mudaram atitudes        internacionais (e, sobretudo, nos EUA) frente às negociações inclusivas de paz. A        arena internacional, que encorajou a realização de acordos negociados,        repentinamente fechou­se. A Guerra ao Terror inaugurou uma nova era maniqueísta        ­ deles versus nós. (tradução livre, GINTY, 2012)  10

O pano de fundo da Guerra ao Terror e da       War on Drugs     , com seus próprios        binarismos, constitui peça fundamental na compreensão da lógica por trás das coberturas de        imprensa das temáticas de segurança e Direitos Humanos. A demonização do narcotraficante        e até da pequena criminalidade urbana vem à reboque do entendimento de que os Direitos        Humanos colocam­se como seus defensores absolutos. O descolamento da noção       

<​http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1465527­brasil­passa­a­russia­e­tem­a­terceira­maior­populac ao­carceraria­do­mundo.shtml​>. Acessado em: 14 de janeiro de 2015. 

9  VEJA.  População  carcerária  do  Brasil  cresce  400%  em  20  anos.  Disponível  em: 

<​http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/populacao­carceraria­do­brasil­aumentou­400­em­20­anos​>.  Acessado  em: 14 de janeiro de 2015. 

10 Segue o original em inglês: “The world is no stranger to Manichean worldviews, with individuals and societies                                 

often reaching for oppositional binaries to understand social phenomena: good versus evil, rational versus        irrational, and modern versus traditional etc. Yet, there were signs in the 1990s that Manichean worldviews were        eroding in western capitals. The 1990s was the period of inclusive peace processes in which combatants were        urged to come in from the cold and negotiate. [...] The events of and response to 9/11 changed international        (mainly US) attitudes to inclusive peace negotiations. The international space that had encouraged combatants to        investigate negotiated settlements became more closed. The War on Terror ushered in a renewed Manichean era        of them versus us.” (GINTY, 2012) 

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técnico­jurídica dos Direitos Humanos obedece a esse funcionamento discursivo do “Ame­o        ou Deixe­o”: ao lado do Outro, não há direitos, nem garantias. 

Se, por um lado, a Afirmação histórica dos Direitos Humanos permite uma                        aproximação com o entendimento dogmático e idealizado dos DHs, por outro, a        conceptualização pragmática e contextualizada no pós­queda do muro de Berlim atualiza sua        compreensão. Sob a luz das grandes políticas de controle e ordem, os Direitos Humanos        parecem ser ressignificados por setores da população e pela mídia, cada vez mais onipresente        em virtude das tecnologias de comunicação e informática. Assim, torna­se urgente o estudo da        forma como esse discurso é construído na mídia brasileira e como acepções esvaziadas do seu        conteúdo original passam a ganhar corpo na dinâmica de circulação dos textos da grande        imprensa. 

 

1.3 A OPOSIÇÃO FUNDAMENTAL OPRESSÃO X LIBERDADE COMO                TRADUÇÃO DA TENSÃO PRESENTE NOS DIREITOS HUMANOS 

A história da construção do ideário dos Direitos Humanos, como observado        anteriormente, compõe valores opostos de opressão e liberdade. Na esteira da trama histórica        da Humanidade, a sucessão de arbitrariedades e violências levou à formulação de freios e        contrapesos, os quais representam racionalizações limitantes dos desmandos passionais e das        estruturas de poder desiguais. A constituição dos Direitos Humanos, portanto, representa esse        esforço da razão e das regularidades frente às paixões e o descontínuo ­ afinal, o Estado        Democrático de Direito e o princípio da dignidade da pessoa humana trazem segurança e        previsibilidade jurídicas para os sujeitos de direito. 

No caso dos direitos humanos, o seu cerne é a luta contra a opressão e busca do        bem­estar do indivíduo; consequentemente, suas “ideias­âncoras” são referentes à        [...] liberdade, cujo conteúdo impregna a vida social desde o surgimento das        primeiras comunidades humanas. (RAMOS, 2015, p. 31) 

Diversas figuras serviram para ilustrar as categorias semânticas da opressão e da        liberdade. O Estado­nação, por exemplo, pode recobrir tanto o polo opressivo, quanto o polo        da liberdade, dependendo do recorte histórico ou ideológico. Sua assunção, na Idade        Moderna, representou a possibilidade do controle social do despotismo real e a renovação de        formas antigas de organização política, como a República e a Democracia representativa. Tal        visada obedece aos auspícios da liberdade. No entanto, o monopólio estatal do uso da força e       

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a instrumentalização de sua organização burocrática por oligarquias representam        características associadas à opressão. A polícia, encarregada da proteção dos cidadãos, muitas        vezes incorre em atos violentos contra quem deveria proteger. Outrossim, o Estado pode        atender mais a interesses de grupos específicos do que observar o interesse público. 

A compreensão dos Direitos Humanos com base na tensão entre opressão e liberdade        obedece aos desenvolvimentos iniciais da Semiótica francesa, cuja gênese é atribuída a        Algirdas Julien Greimas, como um “projeto” (FIORIN, 2008. p. 133), não como um produto        acabado, em continuidade às disposições de Saussure e Hjelmslev. Em uma virada pragmática        da Linguística, Greimas constata que só a       langue  não dará conta dos estudos de linguagem.       Ao Estruturalismo, agrega­se a Semântica, gestando o projeto da Semiótica, sob a ideia de que        o ponto de vista, o recorte, cria o objeto, a totalidade para a Semiótica. O construto teórico,        criado pelo linguista lituano, inspira­se também na teoria narrativa do estruturalista russo        Vladimir Propp e, com o consequente retorno oferecido por objetos de estudo gradativamente        mais complexos ­ como os textos sincréticos ­, chega aos mais recentes desenvolvimentos da      11        Semiótica, representados pela abordagem tensiva, por exemplo. Outras influências mais        significativas são Benveniste, no campo da Linguística da Enunciação, e Marleau­Ponty, em        seu parecer do sentido, da Fenomenologia.  

Ao criar um modelo de análise para determinar a significação, Greimas baseou­se no        princípio proppiano. Propp buscava invariantes de contos populares para chegar ao que        chamava de “funções”, fazeres dos personagens estabelecidos por seu papel na história.        Partindo das análises proppianas, Greimas propõe uma sistematização daquelas funções no        programa narrativo. Este, por sua vez, integra um dos níveis do que veio a ser a base do        modelo greimasiano: o percurso gerativo de sentido. 

[...] uma rede hierarquizada de dependências em que cada um dos níveis mais        profundos converte seus dados semânticos e sintáxicos, articulando­os e        especificando­os no momento de sua passagem ao grau superior. [...] O percurso        gerativo mostra os materiais que a enunciação mobiliza para se realizar e que ele        constitui, por isso mesmo, um modelo enunciativo. (BERTRAND, 2003, p. 47­48 

Esse “simulacro metodológico de abstrações” (FIORIN, 2008. p. 126) prevê três        níveis de concretização do sentido, preenchidos por sintaxe e semântica: o fundamental, que        comporta categorias antagônicas basilares; o narrativo, cujas transformações e estados        representam as ações do homem no mundo; e o discursivo, que comporta as figuras e os       

11 Fiorin (2003) explica o que são textos sincréticos: “[...] aquele cujo conteúdo se manifesta por mais de uma                                   

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temas da superfície do texto. Nessa instância, há a proximidade ao plano de expressão, que        veicula o conteúdo, e as isotopias . O plano de expressão apresenta­se como responsável pela      12        manifestação sensorial do conteúdo: verbal­oral, gestual, verbal­escrito etc. O plano de        conteúdo, por sua vez, “é onde a significação nasce das variações diferenciais graças as quais        cada cultura, para pensar o mundo, ordena e encadeia ideias e discurso” (FLOCH, 2001, p. 6).        A articulação de um plano de expressão com um plano de conteúdo estabelece a função        semiótica, ideia central para o projeto da Semiótica. 

 Acerca das isotopias e do nível discursivo, Bertrand disserta: 

O nível figurativo traz o primeiro ponto problemático: o da coerência discursiva.        Nele, há um continuum semântico, uma isotopia comum que tece uma ligação entre        cada figura, uma recorrência de uma categoria significante (ou de uma rede de        categorias) no decorrer do desenvolvimento discursivo. As ligações são asseguradas        por repetições e por operadores anafóricos, remetendo de um a outro enunciado        garantem a permanência da isotopia discursiva. Nesse primeiro nível de leitura, há a        espacialização, a temporalização e a actorialização. As isotopias se estabelecem        também pelos elos anafóricos que garantem a continuidade da leitura do sentido. Ao        cabo, as isotopias são construídas pela competência discursiva do leitor, que        preenche as elipses predicativas. (2003, p. 38) 

 

Hénault aborda os demais níveis e a importância metodológica do percurso gerativo: 

No nível profundo, reconhecera­se a pertinência do modelo constitucional (quadrado        semiótico), no nível intermediário, chamado de narrativo, as estruturas        características da narratividade comandavam toda a constituição dos enunciados [...]        Ao providenciar para si uma teoria do discurso que era uma reflexão sobre o seu        fazer, de acordo com todas as injunções de Saussure, a semiótica garantia a        coerência de seus conceitos operatórios, o que lhe dava uma vantagem sobre as        diversas linguísticas, epistemologicamente menos sólidas. (2006, p. 145) 

Em textos que abordam os Direitos Humanos, portanto, a oposição fundamental        Opressão x Liberdade tende a se colocar na base do percurso de significação. O semioticista        poderá fazer seu recorte do objeto, a partir da tensão dessas categorias semânticas. Elas        estruturam o discurso na medida em que se concretizam nos programas narrativos, as        transformações do sujeito no       fazer constituinte da sua identidade, e nas figuras e nos temas        encontrados na superfície textual. 

Os Direitos Humanos e as políticas públicas de combate à criminalidade, por exemplo,        trabalham com as temáticas de segurança e liberdade. Em sociedades nas quais a segurança        consiste em um bem jurídico privilegiado, as liberdades ­ os direitos, as garantias e as        prerrogativas do indivíduo ­ são postas em segundo plano. O coletivo sobrepõe­se ao       

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individual na medida em que os meios para atingir os padrões de segurança estabelecidos em        sociedade esbarram nas liberdades individuais. Dessas, os sujeitos de direito terão que abrir        mão.  

Não obstante os ideais do Liberalismo, os norte­americanos agiram, no pós­11 de        Setembro, com o fito de implantar um amplo aparato de espionagem, controle e polícia        globais (cf. GINTY, 2012). Nos aeroportos daquele país e, gradativamente, em todo o mundo,        barreiras de fiscalização obrigam passageiros a escrutínios não raro vexatórios. O referido        exemplo, ainda que de natureza singela, demonstra o quanto um determinado grupo social        pode afastar­se da fidúcia e da solidariedade com o objetivo de sentir­se mais seguro. Em um        determinado recorte, a priorização da segurança pode ser vista como concretização da        Opressão, perquirida, assim, de forma positiva pelo observador­analista. Kant aborda a        questão em visada otimista: 

Os povos da terra entraram assim, em graus variados, numa comunidade universal, e        ela se desenvolveu a tal ponto que uma violação de direitos em uma parte do mundo        é sentida em todos os lugares. A idéia de um direito do cidadão cosmopolita não é,        portanto, fantástica ou exagerada; é um complemento necessário ao código        não­escrito do direito político e internacional, transformando­o num direito universal        da humanidade. Somente sob essa condição podemos nos orgulhar de estarmos        avançando continuamente no sentido de uma paz perpétua  (1991, p. 108)13  

O viés humanista, por outro lado, promove a Liberdade sobre a Opressão e, nesse        sentido, enxerga nas medidas de segurança que obedecem às “políticas de Lei e Ordem” (cf.        COUTO NETO, 2009) um cerceamento da liberdade. A acepção de liberdade, aqui proposta,        relaciona­se às ideias de direitos e garantias, espaço político­social de exercício de        prerrogativas do sujeito, essencial para a afirmação de sua existência. Qualquer atividade que        diminua essas conquistas é vista como um ataque ao Estado Democrático de Direito.  

Portanto, as categorias contrárias fundamentais Opressão x Liberdade complexificam        a dicotomia proposta pela teoria humanista (cf. GUNTHER, 2009) entre liberdade e        segurança. Essa leitura semiótica do debate jurídico será importante no decorrer da análise do        presente trabalho para que haja a interface entre a ideia de Direitos Humanos e a cobertura        midiática de fatos afins ao tema. 

 

13 “Since the narrower or wider community of the peoples of the earth has developed so far that a violation of                                       

rights in one place is felt throughout the world, the idea of a law of world citizenship is no high­flown or        exaggerated notion. It is a supplement to the unwritten code of the civil and international law, indispensable for        the maintenance of the public human rights and hence also of perpetual peace. One cannot flatter oneself into        believing one can approach this peace except under the condition outlined here.” 

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2. O DISCURSO JORNALÍSTICO 

 

2.1 O CRER, O SABER E O CONTRATO FIDUCIÁRIO ENTRE ENUNCIADOR E                        ENUNCIATÁRIO 

A comunicação possui uma pletora de acepções possíveis. Em um determinado        momento histórico, a partir de um ponto de vista específico de determinadas ciências, o ato de        comunicar foi entendido como um fluxo unidirecional com sua gênese em um polo emissor,        recebido uniformemente pelo polo receptor. Estudos dos meios de comunicação de massa em        meados do século XX utilizaram­se desse paradigma para a construção de teorias que se        fundaram em uma percepção neutra dos atores da comunicação (cf. BARROS, 2006). 

A semiótica francesa, por sua vez, rompeu com a neutralidade dessa transferência de        um /saber/ e instituiu, no âmbito do sujeito da enunciação, um persuadir. Para os        semioticistas, todo ato de comunicação envolve um fazer persuasivo, mesmo os textos que        não tenham imediatamente reconhecível o viés argumentativo­dialético. O caráter persuasivo        da comunicação se dá porque o enunciador se utiliza de estratégias ­ as quais deixam        invariavelmente marcas da enunciação no texto ­ tal que o enunciatário entre em conjunção        com seus valores. Esse processo persuasivo desvela­se na ligação das dimensões pressuposta        e projetada do texto. O sujeito da enunciação encontra­se pressuposto, mas o texto, uma        “unidade autônoma de dependências internas” (HJELMSLEV, 1991. p. 29), ainda possui sua        narrativa projetada, o enunciado, imediatamente disponível para o polo receptivo. Assim, um        enunciador irônico pode efetivamente dizer algo na narrativa projetada, querendo significar o        oposto na narrativa pressuposta (cf. FIORIN, 2013). 

A esse fazer persuasivo contrapõe­se um fazer interpretativo. Assim, anterior ao        fazer­saber, inerente aos meandros comunicativos, encontra­se um fazer­crer, um contrato        fiduciário de base que dará legitimidade para que a enunciação, como um projeto de        convencimento do enunciador frente a um enunciatário, obtenha sucesso. Afinal, “o discurso é        esse lugar frágil em que se inscrevem e se leem a verdade e a falsidade, a mentira e o        segredo” (GREIMAS, 2014, p. 80). 

O editorial de um jornal, cujo público­alvo é a classe média, ao abordar a questão da        violência urbana, legitimando a atuação por vezes violenta da polícia como um “mal menor”       

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diante do objetivo de “pacificação”, poderá soar como       falso ­ será que há a possibilidade de        compatibilização entre pacificar e violentar? ­, contendo um       segredo ­ a parceria velada e o        apoio institucionais às políticas públicas do governo estadual ­ ou uma       mentira ­ a de que          seriam imparciais e independentes ­, dependendo do contrato de veridicção estabelecido com        leitores não tão enquadrados no seu perfil de enunciatário. A comunicação persuasiva e        interpretativa prevê uma dupla contribuição do enunciador e do enunciatário em um acordo        tácito que permite, inicialmente, o êxito (ou não) da persuasão e sua transferência de        objetos­valor ­ o fazer­crer ­ e, em última análise, da sanção, que estabiliza­se em um        fazer­saber (cf. BARROS, 2002). 

Nesse sentido, o que viemos chamando de comunicação manifesta­se no nível        semionarrativo nas etapas de manipulação e sanção, duas das quatro fases da “sequência        canônica”: 

Na fase de manipulação, um sujeito age sobre outro para levá­lo a querer e ou        dever fazer alguma coisa. [...] Na fase de competência, o sujeito que vai realizar a        transformação central da narrativa é dotado de um saber e/ou poder fazer. [...] A        performance é a fase em que se dá a transformação (mudança de um estado a        outro) central da narrativa. [...] A última fase é a sanção. Nela ocorre a        constatação de que a performance se realizou e, por conseguinte, o        reconhecimento do sujeito que operou a transformação      ​​(FIORIN, 2013, p.      29­31) 

Na manipulação, pode­se dizer que ocorre, na dimensão cognitiva do discurso, um ato        epistêmico, um crer que implica em uma transformação, a passagem categórica de um “estado        de crença” para outro (cf. GREIMAS, op. cit.). Passa­se a aceitar o que se duvidava ou        admitir o que era negado. Posteriormente, o ato epistêmico pode ser convertido em um fazer        interpretativo e em processo discursivo. A instância interpretativa lidará com procedimentos        retóricos variados, como a demonstração e a argumentação, para que, ao final, reduza sua        dinâmica ao reconhecimento e à identificação na etapa da sanção. Interpretar, então,        significará verificar a adequação do que se propõe como novo e desconhecido ao que reside        velho e conhecido no interior do universo cognitivo de quem interpreta .  14

No esteio do curso de adequar­se e identificar­se, realizam­se operações no nível        profundo, onde as modalidades epistêmicas (certeza, probabilidade, exclusão e incerteza),       

14  O conceito de leitura, proposto por Greimas, auxilia a entender melhor essa ideia de adequação,                             

reconhecimento e identificação: “ [...] confrontar a mensagem recebida com o universo referencial do saber do        destinatário. Integração do desconhecido ao conhecido, da autenticação do primeiro pelo segundo.” (2014, p.        136) 

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produzidas pelo ato epistêmico, e as modalizações (afirmar, admitir, recusar e duvidar)        organizam­se em função da operação juntiva em relação aos dois objetos considerados.  

As modalizações epistêmicas, porém, são graduais e não categóricas. /afirmar/ e        /recusar/ são polarizações extremas e não contradições. Uma vez binarizado, o eixo        /afirmar/ vs /recusar/ se torna a categoria fundamental da lógica /asserção/ vs        /negação/. Os percursos sintáticos elementares da recusa à afirmação, passando pela        admissão, e da afirmação à recusa, passando pela dúvida, explicam o funcionamento        semiótico do discurso. Assim, pode­se /duvidar/ mais ou menos, /admitir/ mais ou        menos, mas não se pode /afirmar/ ou /recusar/ mais ou menos. (ibid., p. 110) 

Os protagonistas da cena de comunicação necessitam de um mínimo de confiança        mútua para o estabelecimento do contrato de veridicção, de fidúcia. Essa proposição de        consenso iniciada pelo enunciador comporta o ato epistêmico do aceite ou recusa pelo        enunciatário. “Entre essas duas instâncias e essas duas atitudes se organiza o espaço cognitivo        da persuasão e da interpretação, que corresponde, no plano das estruturas semionarrativas, ao        vasto maquinário da manipulação e da sanção.” (ibid. p. 120). 

O sujeito deverá observar a existência de duas formas principais de manipulação: a        pelo querer , na tentação ou na sedução, e a pelo       dever, na ameaça ou na provocação. Ambas        são operações factitivas (de “fazer fazer”), as quais montam simulacros capazes de colher a        adesão do sujeito manipulado. Contudo, há também a manipulação pelo saber, no qual a        factitividade nasce sob variadas formas de argumentação ditas lógicas. Em face da        manipulação pelo saber, o sujeito epistêmico enfrenta demonstrações científicas e outras        proposições racionais ou aléticas. Exemplificativamente, as modalidades aléticas        (necessidade, possibilidade, contingência e impossibilidade ­ da ordem do falso ou        verdadeiro) e, de outro lado, as modalidades epistêmicas (certeza, probabilidade) possuem        diferenças de estatuto estrutural. A primeira parece articulada por oposições categóricas,        francas, enquanto as últimas, ao contrário, são graduais e graduáveis. Analisar essas        diferenças, articulando o fiduciário e o lógico, o crer e o saber, parece fundamental para        desenhar as melhores estratégias que prevejam a adequação do enunciado recém­chegado às        formas semióticas já assumidas pelo universo cognitivo de referência. (cf. GREIMAS, 2014) 

 

 

Referências

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